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EDUCAÇÃO - ELEIÇÕES
O “mal menor” e a educação (capítulo 1: Haddad)
Mauro Sala
Campinas

Será que Fernando Haddad (PT) pode ser considerado um "mal menor" quando pensamos a defesa da educação pública?

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O “mal menor” e a educação (capítulo 1: Haddad)

Não é difícil de compreender que, diante de um mal que se mostra como absoluto, muitas pessoas acabem se apegando e buscando um “mal menor”. A história e as declarações de Bolsonaro e seus apoiadores criam entre nós um sentimento de urgência, buscando saídas de “redução de danos”. Esse sentimento que contamina um amplo setor precisa ser problematizado. É necessário refletir criticamente sobre ele.

O problema da lógica do “mal menor” é o caminho de justificação a que nos conduz. O “mal menor” que amanhece apenas como “o possível” de determinada conjuntura se transforma, antes da hora do almoço, no desejável. O “mal menor”, por um exercício de explicação e de auto-justificação, parece começar a se converter num “bem”. Do respiro aliviado contra a ameaça da extrema direita, a esquerda do “mal menor” começa a fazer coisa sua o programa que antes combatia: ela parece esquecer que, embora possa parecer “menor" diante do “absoluto”, o substantivo permanece o mesmo.

Assim, após publicarmos um artigo sobre o “projeto” de educação de Jair Bolsonaro, mostrando que trata-se de um ajuste neoliberal no interior do conservadorismo, publicaremos dois artigos que discutem e combatem a lógica do “mal menor” tendo como foco a educação. Nesse primeiro artigo discutiremos as políticas que Fernando Haddad (PT) levou adiante na sua passagem pelo Ministério da Educação e amanhã publicaremos um artigo que discute Ciro Gomes e a experiência do Ceará, sempre tão reivindicada por ele. Será que as perspectivas desses dois candidatos podem ser consideradas um "mal menor" quando pensamos a defesa da educação pública?

***

Desde a condenação de Lula - condenação arbitrária de um judiciário que insiste em tutelar o direito das pessoas votarem em quem quiser - tem surgido entre os defensores do PT - e dos novos petistas do “mal menor” - a defesa de algumas bandeiras e políticas que marcaram seus anos frente ao governo federal, como o Reuni, o Prouni, o Fies e o Pronatec.

Esses programas e políticas para a educação agora reivindicados de maneira bastante acrítica e, porque não, apologética, não podem ser tidos como políticas de esquerda no campo na educação.

Mesmo o Reuni, que expandiu a Universidade Federal e dobrou o número de vagas nessas instituições, deve ser tratado com cautela. Embora hoje o Reuni apareça quase como um consenso na esquerda, a verdade é que nem sempre foi assim. No momento de sua implementação, ocorreram diversas ocupações estudantis de reitorias e universidades pelo país se opondo ao projeto, pois viam nele um claro caminho de precarização. No movimento docente, havia uma percepção bastante forte de que o Reuni transformaria as Universidades Federais em “escolões”, devido ao brutal aumento da relação aluno-professor (RAP) contido no programa e do aporte financeiro limitado para sustentar, no longo prazo, as novas vagas criadas. É certo que o Reuni se impôs e que qualquer tentativa de regredir o número de vagas nas Universidades Federais é uma política reacionária. Entretanto, devemos lembrar que a forma de promoção dessa expansão levou a greves importantes no ensino superior federal ao ponto de, durante a importante greve de 2015, a Revista Carta Capital ter que noticiar que “a gênese das más condições de trabalho está no que deveria ser a solução para décadas de estagnação da rede federal de ensino superior: o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI)”.

Se o Reuni, que significou a expansão das vagas públicas na Rede Federal tem que ser visto com cautela, o que dirá o Prouni e o Fies, que financiaram diretamente vagas nas instituições privadas?

Reivindicar o Prouni e o Fies como políticas para combater a direita no campo das políticas educacionais é uma confusão que só é possível por conta da miséria ideológica e programática que os anos de governo do PT nos relegou. Prouni e Fies foi o aporte de dinheiro público (muito dinheiro!) para a expansão e consolidação dos monopólios do ensino superior privado no país.

Não dá para, do ponto de vista da esquerda, seguir reivindicando esses programas.

Para se ter uma ideia do tamanho do buraco, só em 2016, a renúncia fiscal devido à adesão ao Prouni significou R$ 1.279.543.726,00 a menos nos caixas públicos, segundo dados da Receita Federal. Ou seja, mais de 1,27 bilhões de reais que deixaram de ser arrecadados para financiar vagas em instituições privadas. Grande parte das vagas oferecidas pelo Prouni eram vagas ociosas dessas instituições, ou seja, essas empresas de ensino superior tiveram isenções bilionárias mesmo sem a necessidade de se criar uma única vaga. 

Reivindicar o Prouni como política para combater a direita é abrir mão de uma pauta da esquerda no campo educacional: a que defende que o financiamento público deve ser exclusivamente para a educação pública.

O Fies é ainda mais escandaloso. Se o Prouni comprou vagas em instituições privadas em troca de isenção fiscal, oferecendo-as de forma gratuita e/ou semi-gratuitas, o Fies se trata de um financiamento estudantil com um duplo efeito perverso: favorecimento das instituições privadas e endividamento da juventude.

É interessante percebermos que após a mudança e ampliação do Fies, em 2010, o preço médio das mensalidades, que vinham tendo um descenso consistente desde pelo menos o ano 2000, passou a aumentar também de forma consistente. A política do financiamento estudantil do Fies foi um fator determinante nessa virada.

A própria Kroton - maior monopólio de ensino superior do mundo - reconhece que o Fies é responsável por mais da metade das matrículas no ensino superior presencial e cerca de 25% do total de matrículas (presencial + EaD) da empresa. Mas mais interessante ainda é que ela reconhece que o valor médio das mensalidades dos estudantes que acessam o Fies corresponde a 153,4% do valor das mensalidades dos estudantes que pagam diretamente suas mensalidades para a empresa. Em números absolutos, isso significa que a mensalidade média dos alunos com Fies é de R$ 1.235,80, enquanto dos alunos diretamente pagantes é de R$ 805,50, segundo o balancete da Kroton do primeiro semestre de 2018. Mais da metade dos trabalhadores que se formaram utilizando o Fies encontram-se com algum nível de atraso ou inadimplência. Dá para reivindicar isso?

Um balanço conjunto dessas três políticas para o ensino superior dos anos do PT me levam à uma conclusão bastante clara: a principal política de acesso ao ensino superior não foi a expansão das Universidades Federais e nem o Prouni. A principal política de acesso ao ensino superior foi o Fies.

Para demonstrar essa conclusão em números, basta lembrarmos que em 2014, o ápice dessas três políticas, houve 347 mil ingressantes na Rede Federal, 204 mil estudantes com bolsa integral pelo Prouni (mais 101 mil com bolsas parciais) e 734 mil novos contratos do Fies. O conjunto dessas políticas fez com que o ensino superior estivesse mais privatizado em 2016, quando do golpe institucional, do que era em 2003, quando o PT assumiu o governo federal.

O fortalecimento dos grandes monopólios privados, com ações abertas nas bolsas de valores e forte participação de capital imperialista, que assedia a educação básica através da reforma do Ensino Médio promovido pelo golpismo, foi fomentado pelas políticas do PT para o ensino superior. O candidato do “mal menor” foi um dos responsáveis direto pelo fortalecimento do “mal maior” que passará a ser um ator cada vez mais importante nas disputas pelas políticas educacionais no país: os monopólios privados do ensino.

Se o Prouni e o Fies fortaleceram as empresas de ensino altamente financeirizadas - os monopólios que negociam suas ações nas bolsas de valores pelo mundo - o Pronatec pode ser lido como uma espécie de “agenda FIESP” na educação, para utilizarmos a caracterização de Laura Carvalho sobre as políticas de Dilma Roussef.

Diferentemente do Prouni, que trocava vagas em instituições privadas por incentivos e isenções fiscais, o Pronatec significou investimento direto de dinheiro público nessas instituições. Dessa forma, o Pronatec foi um grande impulsionador do número de matrículas na educação profissional privada nesse período.

Assim, de 2011 até 2014, houve uma expansão significativa das matrículas na educação profissional privada no país, passando de 591.522 matrículas para 972.434, um crescimento de 64,4% nesse período, enquanto as vagas em instituições pública passaram de 890.096 para 971.313, ou seja, tiveram um crescimento de apenas 9,1% no mesmo período. O Pronatec aumentou a privatização no ensino profissionalizante no país, também com muito dinheiro público.

Entre 2011, ano que se iniciou o programa, até maio de 2014, foram repassados R$ 6,5 bilhões ao programa bolsa-formação, que era a maior rubrica do programa. Desse total, 73% foram destinados ao setor privado (ficando o Sistema ’S’ com 70% do total de recursos) e 27% ao sistema público, ficando a rede federal com 20,4%, a rede estadual com 6,3% e a municipal com 0,3%.

Isso sem falar a chave precária dessa formação. Das matrículas realizadas via Pronatec, apenas 38% são em cursos técnicos (com cerca de 55% de participação das redes federais e estaduais). Os outros 62% das matrículas são em cursos de qualificação profissional de curta duração, onde a participação das instituições privadas ultrapassa 85% das matrículas.

É o financiamento público para as instituições patronais que agora estão sendo reivindicados por parte da esquerda como saída contra a direita e os patrões? 

Haddad era o ministro de tudo isso aí. Mas não só. Haddad também foi o ministro do plano de metas "Compromisso Todos pela Educação”, publicado em 2007.

É interessante notar o nome que o governo e seu ministro escolheram para o principal conjunto de políticas educacionais que inaugurou o segundo mandato de Lula. “Compromisso Todos pela Educação”? Já ouviram falar desse nome?

Pois é. O “Compromisso Todos pela Educação” foi o manifesto de lançamento do movimento “Todos pela Educação”, em 2006, e que é o grande guarda-chuva que abriga o maior movimento empresarial de disputa das políticas educacionais no país. Eles têm um programa para a reforma educacional que visa alinhar com os interesses dos sujeitos que integram esse movimento: o grande capital. Bradesco, Itaú, Telefônica/Vivo, Unibanco, Natura e Fundação Lemann são alguns de seus principais mantenedores. 

Além dos grandes capitalistas do sistema financeiro, o “Todos pela Educação” também conta com nomes ilustres entre seus sócios-fundadores, como o então ministro da educação, o Sr. Fernando Haddad.

Assim, Haddad tem uma relação bastante profunda e orgânica com os “reformadores empresariais” que disputam as políticas educacionais no país.

Não é casuístico que foi no “Compromisso Todos pela Educação” do governo Lula, com Haddad a frente do Ministério da Educação, que diversas políticas identificadas com esses reformadores passaram a ser política oficial nacional, como “aferição objetiva da qualidade da educação" através de um índice forjado por avaliações padronizadas, como foi a criação do IDEB, e o estabelecimento de metas por seus resultados. Como reconheceu, anos depois, o próprio criador do IDEB, que na época presidia o INEP, Reynaldo Fernandes, esse indicador foi inspirado na experiência internacional - sobretudo dos EUA - e trazia a ideia de responsabilização. A criação do IDEB buscou criar entre nós uma “cultura de metas” que já dava sinal claro de fracasso no país que serviu de modelo, os EUA.

Assim, Haddad, organicamente ligado ao movimento dos reformadores empresariais da educação (já que ele próprio é um dos fundadores desse movimento e batizou uma de suas principais políticas com o manifesto desse movimento empresarial), foi responsável direto por colocar, em escala nacional, os pilares das reformas educacionais que levam à privatização: a avaliação em larga escala ligada a uma cultura de metas e a responsabilização. O terceiro pilar, a privatização, seria consagrado pelo golpe com a reforma do ensino médio, que se valeu dos resultados dessas avaliações para comprovar sua urgência. Novamente vemos aqui o “mal menor” nos conduzindo ao único "mal" que acreditamos que temos que Temer.

Mas na busca de justificativas para suas escolhas, vão me interpelar sobre a “Lei do Piso” salarial para o magistério público. Ok. É uma lei importante essa que estabelece um piso salarial e a composição da jornada de, no máximo, 2/3 em interação direta com os alunos. Entretanto, devemos levar em conta que essa lei é letra morta para as professoras e professores de oito estados e em 55% dos municípios não pagam o piso e 62% não cumprem a jornada estabelecida na lei, segundo levantamento do CNTE realizado no final de 2016.

Mas aí não é culpa do governo federal, que se cobrem os estados e municípios a implementação da Lei!, me retrucarão os apressados. A questão é que o governo do PT não enfrentou a Lei de Responsabilidade Fiscal, instituída por Fernando Henrique Cardoso, e que foi, em muitos casos um impeditivo para a implementação integral da Lei do Piso. Por isso o Brasil se encontra como um dos países que pior remunera seus professores, segundo estudo feito pela OCDE, recebendo pouco mais de 1/3 do que recebem nos países desenvolvidos.

E o FUNDEB? Que ampliou o fundo de financiamento para toda a educação básica? A ampliação do escopo do fundo de financiamento da educação básica não foi capaz de alterar o quadro de baixo investimento na educação.

O estudo "Um olhar sobre a educação”, publicado pela OCDE, pode dar uma dimensão do problema. Comparando os 39 países, o estudo concluiu que o Brasil está nas últimas posições quando se trata de gasto por aluno na educação básica. Com os cerca de U$ 3.800,00 anuais investidos por aluno, o país fica bem abaixo da média gasta pelos países membros da OCDE, que investem cerca de U$ 10.500,00 por aluno da educação básica.

De qualquer modo, a prioridade de uma política também precisa ser apreciada em termos comparativos. Para se ter uma ideia, em 2014, a segunda maior cifra das despesas do governo federal com educação foi com o Fies, ou seja, com a concessão de financiamento estudantil para instituições de ensino superior privadas, atrás somente do gasto com a folha de salário e encargos sociais. Nesse mesmo ano, o governo de Dilma gastou mais com o Fies do que com a contribuição federal para o financiamento da educação básica pública, com o FUNDEB. Em termos percentuais do PIB, Dilma investia 0,25% do PIB no Fies e 0,20 no FUNDEB. Mesmo que o Haddad já não fosse mais o ministro aqui, foram suas políticas frente ao ministério que nos levou a essa inversão.

Mas de qualquer modo, e isso é necessário frisar, mesmo que o governo do PT não tivesse sangrado o dinheiro público para as instituições privadas, ainda viveríamos um cenário de baixo investimento em educação. Sabe por quê? Porque o PT nunca investiu os 7% do PIB em educação como prometia no plano de governo de 2002.

No Roda Viva do dia 24/09/2018, o representante da candidatura do Haddad, Carlos Abicalil, foi explícito sobre a perspectiva de continuidade dessas políticas. Ele também reivindicou o Plano Nacional de Educação (PNE), de 2014, como o grande pacto nacional pela educação, dizendo que todos os partidos votaram a seu favor. Ele pareceu esquecer que o PNE e esse grande pacto nacional foi rompido pelo golpe institucional de 2016. Esse esquecimento, que não foi por lapso de memória, aponta para sentido do projeto de governo do PT e seu projeto de educação: a repactuação com setores golpistas.

Enfim, que a extrema-direita precisa ser combatida e derrotada não há dúvida. Quer combater o Bolsonaro e o que ele representa? Estamos juntos! Mas a luta contra a extrema direita não é uma luta apenas parlamentar, não poderá ser feita se aliando aos setores golpistas e que votaram a favor de todos os ataques que os trabalhadores e a educação pública sofreram no último período, como agora sinaliza Haddad para um eventual futuro governo. Se sua saída for apertar 13 na urna, tenha claro que um governo que fez o que fez com a educação, num momento favorável da economia e da política, não vai fazer melhor agora, na conjuntura reacionária e na crise econômica que passamos. Não vote no Haddad achando que está defendendo a educação pública. Na busca de um "mal menor", a política do PT caminhará para um cenário onde a educação, entre outras demandas, abrem espaço e rumam ao "mal maior”. Um “mal” pode até parecer “menor”, mas jamais será um "mal melhor".

Foto: Ricardo Stuckert

 
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