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ANÁLISE
Mourão no Estadão: mudança de localização dos militares? Qual sua política?
Leandro Lanfredi
Rio de Janeiro | @leandrolanfrdi

O que significa a entrevista em que criticou Mandetta, mostrou apoio a Bolsonaro, separou-se de Maia e defendeu imenso alinhamento com Guedes e sanguessugas do mercado financeiro defendendo o corte de salários do funcionalismo público?

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Em longa entrevista o general defensor da ditadura militar buscou remarcar possíveis relocalizações da caserna. Na conversa ao vivo com jornalistas do conservador Estado de São Paulo deixou claro um apoio a Bolsonaro, foi eloquente nas críticas e “dar um cartão” a Mandetta, depois da entrevista ainda twittou contra o ministro. Na entrevista ele também buscou se distanciar de Maia e outros poderes do golpismo com vestes institucionais, ainda que tal como ficou evidente na votação da MP da carteira verde e amarela, todos golpistas, Bolsonaro, Mourão, militares atuam juntos quando se trata de servir as patronais.

Na entrevista Mourão foi enfático em mostrar-se funcional ao setores mais rentistas da burguesia, sinalizando especialmente para o mercado financeiro, mostrou-se alinhando com Guedes contra a votação da Câmara que beneficia governadores, e indo além, defendeu o corte de salários do funcionalismo público. Em um regime em que os militares ganharam tanto poder de arbítrio é ainda importante entender o que se depreende na entrevista de sua política.

Se até aqui a política dos militares foi de, por um lado, brindar apoio a Bolsonaro, e por outro também dar aval à política de Mandetta e governadores sobre o isolamento social, aqui há um sinal de manutenção do mesmo jogo no que tange ao isolamento social, mas com certa troca de sinais o que inclui o aval de Mourão a demissão iminente de Mandetta. Cabe ver essa mudança de sinais não sobre Mandetta mas sobre a política dos militares, seus limites e suas conexões com bases materiais no Brasil e no imperialismo.

Mourão assume uma postura de porta-voz da farda?

Mourão é conhecido por fazer falas mais de franco-atirador, podendo expressar coisas que ministros militares não podem falar, sob risco de parecerem insubordinados e risco de demissão, como ocorreu com antigo porta-voz de alinhamento dos militares com atores golpistas como a Globo e Maia. Esse estilo de fala não foi o que ele buscou ter. Procurou deixar claro que falava em nome próprio mas, frequentemente fez menção a que supunha que sua opinião seria a mesma de demais militares “mas não tive tempo de consultar”. Depois no final da entrevista falou da preocupação institucional da cúpula das Forças Armadas em como não se comprometer completamente com o governo.

Mourão falava, no tom e no conteúdo, como membro da cúpula e em contato com outros militares, por mais que procurasse desmentir o evidente e óbvio, que existe uma “ala militar”, do governo. Quando perguntado se havia uma tutela sobre Bolsonaro ele não confirmou, nem negou, disse que se tratava de um “processo decisório”, eis o nome que eles dão a Braga Netto comandar a resposta da pandemia e agora ter sido colocado para presidir um novo conselho que irá presidir as atividades econômicas de médio prazo do país em resposta à recessão.

O tom elogioso com Bolsonaro difere de sua atuação na última semana de março, mesma semana de intensa crise entre Bolsonaro e governadores, com direito a reuniões de governadores liderados por Doria desafiando a presidência, Mourão procurava a mídia para desdizer o que dizia o presidente, e ressurgia como “interprete” da política governamental, e chegava até mesmo a mandar ameaças nada cifradas ao presidente, como quando falou que se aparecesse um teste positivo de Bolsonaro para COVID-19 isso seria o fim. Agora Mourão transpareceu todo o oposto. A atuação decidida em prol de Mandetta semana passada foi substituída por uma reprimenda pública, “cometeu falta grave”, “deve ficar no cargo” mas “eu teria dado um cartão a ele”, são algumas frases que apareceram na entrevista ao comentar a entrevista do latifundiário sul-matogrossense no Fantástico da TV Globo.

Nessa entrevista deixou claro um desalinhamento não somente com Mandetta mas com atores do que chamamos de bonapartismo institucional, atores cruciais no golpe institucional como Maia, deputados e governadores. Esse desalinhamento se expressou em sua defesa de um “isolamento inteligente” nem vertical nem horizontal mas que leve em conta, segundo ele que 5mil municípios não tem casos de COVID-19 (diga-se de passagem que a ausência de testes facilita esse dado) e também ao se contrapor à votação da Câmara que liberou recursos aos estados, alinhando-se detrás daqueles que querem mesmo em meio à pandemia “responsabilidade fiscal”, ou seja, que os donos da dívida pública sejam a prioridade do país, e não a saúde, emprego.

Essas declarações no conteúdo e na forma não parecem fortuitas, sobretudo quando os militares assumem papel cada vez maior no governo, agora também ganhando novo poder sobre a economia e algum tipo de “PAC” que devem anunciar nos próximos dias. Mourão sinaliza, com sinais invertidos em relação a antes, que Bolsonaro tem apoio, que Mandetta fica, e que dia a dia os militares tem mais poder.

Uma inflexão no posicionamento militar sobre as quarentenas

Em meio ao auge da crise política recente os militares se pronunciaram em prol do isolamento social. O próprio Mourão fez isso. Hoje o posicionamento é distinto, parece indicar o isolamento social como uma medida excepcional para determinadas localidades, e liberar uma “bolha” isolada no país que não precisa, como ele afirmou. Importante ressaltar que isso não é uma posição completamente oposta a OMS que já está falando do planejamento de abertura de países europeus, mas é uma mudança e mais, uma mudança bem antes do pico epidêmico no país.

Esse tipo de política, mantendo isolamento social mais restritivo somente em algumas localidades conflui com o que o próprio Mandetta apresentou semana passada. Enquanto o ministro era mantido no cargo mani militari ele apresentava uma proposta para flexibilizar a quarentena em boa parte dos municípios do país, com peso maior ao interior.

Essa política de Mandetta (mesmo se saia do cargo) e dos militares, sem testes massivos, cobrará um preço em vidas humanas, e atende a diferentes pressões e alinhamentos dos militares para representar os interesses capitalistas do e no país.

Por um lado trata-se de uma “corrida” das burguesias de diferentes países para ver qual consegue normalizar suas atividades econômicas antes e assim ter um diferencial de lucros e capacidades frente a outras. O desarranjo das linhas de produção e das cadeias de suprimento permitem oportunidades de ouro para conquistar territórios antes fechados. A burguesia brasileira não é alheia a essa movimentação acontecendo na Europa, nem à disputa entre Trump e governadores do nordeste americano sobre quando abrir a economia, com o líder direitista dizendo que pode passar por cima da Constituição e determinar a abertura quando achar correto. São conhecidas as alianças ideológicas e os mil e um laços da cúpula das Forças Armadas brasileiras com sua contraparte imperial, e as discussões de lá certamente tem vivo eco na caserna nacional.

Para além do imperialismo vimos também intensa pressão nacional de patronais do comércio e da logística para fim total do isolamento social e naturalização de um elevado número de mortes. Sua pressão diante de que ainda não atingimos o pico da pandemia foi junto de Bolsonaro e da atuação de pastores-capitalistas das cúpulas de igrejas importante para enfraquecer a adesão a quarentena mas não decisiva para mudar o pêndulo. Setores da indústria, particularmente do ferro e do aço expressaram a partir da FIEMG a mesma insatisfação com a quarentena. Outros setores burgueses, como o agronegócio, a soja, o petróleo, produção de proteínas animais, setores que estão tendo recordes de exportação adotaram outra política, pronunciaram-se mais de uma vez contra medidas “excessivas” de determinados municípios, reclamaram de dificuldades na sua logística, mas tentaram se mostrar “solícitas” com o Ministério da Saúde. Estão colhendo frutos de sua política, só jogar num mapa estados que estão liberando medidas de controle (TO, MT, DF, SC, MG e ver as claras conexões com esses interesses materiais). Estão conseguindo que os territórios mais cruciais para sua produção e escoamento de produção estejam sendo abertos e ainda oferecem um marketing de consciência social.

Além das classes dominantes há movimentações em prol de relaxamento da quarentena em parcelas da dividida classe média. Dividida por renda, região e tipo de localização na sociedade, também não deixa de pressionar por esse tipo de medida. Ali onde há interesses mais decisivos da soja, do ferro, do boi, o resultado está sendo colhido.

Por fim não é de todo irrelevante no cálculo militar também aparecer como quem está preocupado com a onda econômica e não só com a onda pandêmica, buscando também se dirigir aos trabalhadores precários, aos informais, como o próprio Mourão insistiu na entrevista. A política implementada pelos militares não é uma de somente garantir lucros, se trata também de garantir que a dominação capitalista tenha base relativamente administráveis sem grandes explosões sociais. Não à toa serão eles mesmos os militares a presidirem a resposta econômica, que segundo Mourão será de investimentos estatais em obras públicas, podendo, assim, auferir novos poderes materiais aos militares e de quebra novo e falacioso marketing de “preocupação social” para ilustrar sua mentirosa consigna de “mão amiga, braço forte”.

Realinhamentos provisórios em um marco de instabilidades

Esses realinhamentos que estão se desenvolvendo diante de nossos olhos podem mudar de rumo bruscamente. Não atingimos o pico da pandemia no país e os ritmos dela, no país e no mundo, podem produzir novos giros, como já vimos nessas últimas semanas. Trump, Boris Johnson, e quantos outros, já tiveram que trocar de raias em suas corridas. As classes sociais, sobretudo os setores médios estão divididos e nada garante que os hoje alinhados com maior abertura do isolamento não defendam o oposto se sentirem maior pressão da pandemia, nem que aqueles que defendem Mandetta hoje não mudem de posição sob impacto da crise econômica. Na classe trabalhadora também não está dado que o atual temor do desemprego continue a pesar tanto ou mais do que o temor da pandemia conforme essa evolua. Há muitas incerteza na dinâmica futura do quadro atual.

Agrega incerteza o fato que os próprios militares já mostraram sua capacidade de realizar uma política dupla de sustentar Bolsonaro e Mandetta ao mesmo tempo. A mudança da maneira de fazê-lo que parece estar ocorrendo hoje, pode mudar, como mais de uma vez já mudou, mas com os militares tutelando ainda mais qual a resposta a pandemia, entre várias variáveis.

Porém, em meio a tantos jogos e tantas incertezas duas coisas podem já ser retidas das novidades dos últimos dias: os militares ganham ainda mais poder e silenciosamente a burguesia das commodities, sem a estridência de um Luciano Hang, mostra sua proeminência – parcial que seja – nos rumos do país. Nenhuma dessas certezas interessa as maiorias populares do país.

 
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