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REVOADA DOS GALINHAS VERDES | 80 anos de uma batalha contra o fascismo

Simone IshibashiRio de Janeiro

segunda-feira 6 de outubro de 2014 | 21:23

A Praça da Sé é o marco zero da cidade de São Paulo, e já foi o palco de diversos momentos marcantes da história do movimento operário. Mas quiçá o mais emblemático de todos, tenha sido a Revoada dos Galinhas Verdes, ou Batalha da Sé, ocorrida em 7 de outubro de 1934. Tratou-se de um enfrentamento duríssimo de várias horas, entre os sindicatos e organizações operárias e de esquerda de todas as vertentes, com destaque para os trotskistas, contra os bandos fascistas da Ação Integralista comandada por Plínio Salgado. A coragem e determinação de comunistas, trotskistas, socialistas e anarquistas impôs uma derrota impressionante aos fascistas.

A intensa polarização que assolou boa parte do movimento operário, e do cenário político mundial na década de 1930, não passou incólume no Brasil. No plano internacional Hitler acabara de ascender ao governo da Alemanha em 1933, facilitado pela política do Partido Comunista que por orientação da Moscou stalinista nega-se a unir-se com a socialdemocracia para combatê-lo. No Brasil, pouco antes, em 1930 as burguesias do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais, se enfrentam com a burguesia paulista, apoiando Getúlio Vargas contra o presidente Washington Luiz. A burguesia paulista tentou resistir em armas, mas foi esmagada em 1932. A partir disso, Getúlio Vargas inicia um governo que se consolidaria totalmente em 1937, mas que desde o início perseguia as organizações de esquerda do movimento operário. Simultaneamente, instaurou uma legislação trabalhista de inspiração no fascismo italiano.

A Liga Comunista Internacionalista marca a presença da Oposição de Esquerda no país

O comunismo originado no Brasil ao longo da década de 1920 se forjara sob a peculiaridade de ter sido influenciado pelo anarquismo, e o anarcossindicalismo, e não pelos socialistas como em outros países. Protagonizaram as greves de 1917, que Moniz Bandeira descreve em seu livro O Ano Vermelho, e a greve geral de 1919, e no calor desses movimentos em nosso país, se dividem frente à Revolução Russa. Uma ala se cristaliza nas posições anarquistas clássicas, enquanto outra funda o Partido Comunista em 1922. Dentre seus fundadores estavam Joaquim Barbosa, e João da Costa Pimenta, que anos depois seriam alguns dos principais nomes responsáveis pelo surgimento do trotskismo em nosso país.

No movimento operário e suas organizações políticas, a perseguição exercida por Stalin aos revolucionários da Oposição de Esquerda durante a década de 1920 também teria repercussão internacional. No Brasil em 1928, a fração de Barbosa e João da Costa Pimenta, que já haviam saído do Partido Comunista unem-se ao grupo de Rodolfo Coutinho, delegado do V Congresso da Internacional Comunista. A eles se ligaria Mario Pedrosa, que ao adoecer e ter que ficar na Alemanha enquanto viajava à Moscou, toma contato com as teses de Trotsky ao VI Congresso da III Internacional já sob a dominação de Stalin, e adota plenamente as teses fundamentais da Oposição de Esquerda. De volta ao Brasil, Mario Pedrosa cria a Liga Comunista Internacionalista (LCI), e ganha a fração de Fúlvio Abramo.

Hoje muitos pensam erroneamente que a história do trotskismo no Brasil começou no final da década de 1970 com as correntes que depois atuaram no interior do PT, como o mandelismo, o lambertismo e o morenismo. Mas não. A Liga Comunista foi responsável pelo surgimento da tradição da Oposição de Esquerda no Brasil, com Mario Pedrosa participando da sessão de fundação da IV Internacional. E foi uma das forças fundamentais que organizaram a resistência aos fascistas na Batalha da Sé.

O fascismo no Brasil e a resistência ao seu crescimento: surge a FUA

Em 1932 junto com o crescimento do fascismo internacionalmente, surge a Ação Integralista, impulsionada por Plínio Salgado. Seu surgimento se deu com o objetivo inicial de combater os sindicatos e organizações de esquerda. Em fevereiro daquele ano Plínio Salgado fundou a Sociedade de Estudos Políticos. Por usarem uniformes militares verde-oliva ficaram conhecidos como “galinhas verdes”. Por trás desse nome aparentemente acadêmico, funcionava uma usina de ideologia inspirada no fascismo, e em todo tipo de orientação reacionária, contra a influência dos comunistas e anarquistas.

Os trotskistas, que dirigiam a UTG, a grande União dos Trabalhadores Gráficos, propõem uma política para barrar o Integralismo. Trata-se da Frente Única Antifascista, que se forma em julho de 1933, congregando cerca de 30 organizações operárias. Além da LCI, estavam os anarquistas, socialistas e vários sindicatos. Desde então, a FUA e a Ação Integralista passam a se enfrentar, em aos menores do que depois seria a Batalha da Sé. A polícia constantemente intervia contra a FUA, que mesmo assim seguia se mobilizando contra a Ação Integralista, e o regime bonapartista de Getúlio Vargas. Na voz de Mario Pedrosa no ato de 1 de maio de 1934 contra o governo de Getúlio Vargas, pela primeira vez se defendeu claramente frente aos trabalhadores a necessidade de construir a IV Internacional no Brasil.

Para divulgar a Frente Única Antifascista, a LCI junto com os anarquistas e os socialistas, cria o jornal O Homem Livre. Esse instrumento divulgava a população de São Paulo, a necessidade de lutar pelos interesses dos trabalhadores, com seus métodos históricos, contra a Ação Integralista. O PCB naquele momento estava orientado pela política de negar-se a participar desse tipo de frente-única, a exemplo do que haviam feito na própria Alemanha, em que não se uniram com os socialdemocratas alegando que seriam “socialfascistas”. Entretanto, o comitê regional do PCB dirigido por Hermínio Sachetta, apesar de negar-se a impulsionar o Homem Livre, acaba participando da Batalha da Sé.

O grande enfrentamento com os “Galinhas Verdes” e a polícia

No dia 7 de outubro de 1934 os integralistas convocaram uma manifestação, que deveria ser uma demonstração de forças na Praça da Sé. Não contavam apenas com os paulistas, reforços vieram do Rio do Janeiro, somando cerca de 8 mil em suas fileiras. Além disso, mais de 400 efetivos fortemente armados ocupavam o local. Começam a marchar pelas ruas da capital paulista entoando seus hinos fascistas. Mas gritos de “fora galinhas verdes” demonstram que há setores resistentes. Os membros da FUA com o PCB estavam todos organizados nos arredores, e prontos para dissolver à força a manifestação integralista.

Alguns enfrentamentos menores ocorrem, ainda nesse momento sem muita gravidade. Os integralistas tomam as escadarias da Catedral da Sé, quando repentinamente uma rajada de metralhadora se faz sentir. Até hoje não se sabe quem disparou, mas um dos tiros atinge Mario Pedrosa, que consegue ser retirado da batalha por Fulvio Abramo. Tomba morto o jovem comunista Décio de Oliveira. A partir de então, os distintos grupos que estavam espalhados pela região entram em enfrentamento direto com os integralistas.

A coragem e o firme convencimento levaram a FUA a vitória. Apavorados, os integralistas não têm outra saída a não ser debandarem. O enfrentamento entra para a história como “a Batalha da Sé”, ou “a revoada dos Galinhas Verdes”. Ao final do dia, de acordo com o relato de Fúlvio se podiam ver as camisas verde dos integralistas espalhadas pela Praça da Sé. Plínio Salgado que não saiu da sede da Ação Integralista recebe a notícia da debandada. A derrota da Ação Integralista a debilita enormemente, se resumindo depois a uma participação eleitoral absolutamente minoritária. Com esse exemplo, o trotskismo brasileiro demonstrou em pequeno a correção completa da política de Trotsky para lutar contra o nazi-fascismo. E com isso a pequena LCI entrou para a história, deixando esse legado, que deve ser conhecido e retomado.

REFERÊNCIAS

LIVROS:

Na Contracorrente da Historia, Fulvio Abramo e Dainis Karepovs

O que é trotskismo, José Roberto Campos

O Partido Comunista Brasileiro, Ronald Chilcote

Correspondência com Mário Pedrosa e de Lívio Xavier, Solidão Revolucionária, Mário
Pedrosa e as origens do trotskismo no Brasil




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