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ESPECIAL BRUMADINHO | "A Vale? Amarga" - um ano do crime social e ambiental em Brumadinho

Um ano do crime da Vale em Brumadinho; um ano de descaso dos empresários, governos e justiça, e sofrimento daqueles que viram suas vidas arrastadas pela lama tóxica da mineradora.

Douglas SilvaProfessor de Sociologia

sábado 25 de janeiro de 2020 | Edição do dia

A ruptura da barragem da Mina Córrego do Feijão aconteceu em 25 de janeiro de 2019, 3 anos após Mariana. O rompimento causou a maior catástrofe humana do Brasil, deixando 259 pessoas mortas, 11 desaparecidos e 800 fragmentos de restos mortais sob mais de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. Brumadinho entrou para a história como um dos maiores índices do mundo de identificação de corpos em grandes “tragédias”, chegando a ser muito superior ao 11 de setembro nos EUA. Como se não bastasse a destruição causada a vidas humanas, a lama também atingiu o Rio Paraopeba causando um enorme impacto social e ambiental.

A lama, que arrastou vidas inteiras, continuou seu percurso de destruição pelas mãos de empresários e governos. Hoje, um ano depois, a vida de milhares de famílias continuam sem um rumo certo, sob trâmites judiciais “infinitos”, impunidade e acobertamento por parte de governos, sobre o real perigo da mineração desenfreada promovida para alimentar a própria ganância dos grandes capitalistas.

Quantas toneladas exportamos/De ferro?/Quantas lágrimas disfarçamos/Sem berro?

O trecho acima é do poema de Drummond, “Lira Itabirana” publicado no jornal O Cometa Itabirano em 1984, muito antes do crime da Vale em Mariana e Brumadinho, mas, ainda sim, muito perto daquilo que descrevia o poeta sobre a exploração do minério pela ganância dos ricos e poderosos. Drummond assistia a modificação da geografia da região em que viveu e a vida dura daqueles trabalhadores que viam suas vidas sugadas pela exploração predatória do “vil metal”.

Após um ano do crime da Vale recordamos cada lágrima que escorre devido a perda de vidas humanas e da destruição ambiental promovida hoje, ainda mais, por governos mergulhados no negacionismo climático, na destruição da Amazônia e defensores das formas mais predatórias de exploração capitalista. Afinal, o sofrimento segue para aqueles que enterraram seus mortos e também para aqueles que nem ao menos tiveram um corpo para enterrar, mas tentam reconstruir suas vidas com todo o descaso dos empresários e governos. O atual governador do estado de Minas Gerais, Romeu Zema (NOVO), havia classificado o rompimento das barragens como “incidente” e seguiu defendendo a empresa. O governador, como parte do empresariado mineiro, demonstrou logo no início de seu governo a qual lado pertencia, garantiu que fossem os trabalhadores e o povo pobre a pagar o preço da destruição causada pela privatização, feita em 1997 por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), de uma das maiores empresas do país.

A privatização feita por FHC, assim como todos os governos que o sucederam no plano nacional e regional, garantiu que a exploração da mineração no estado seguisse em ritmos devastadores ano após ano. O crime de Brumadinho, assim como o de Mariana, se apresentava com uma tragédia anunciada. Governos e empresários, mesmo após a destruição de Mariana, seguiram sem muitas respostas. Pimentel (PT), no auge da campanha eleitoral, defendia o retorno à atividade da Samarco na região. Para o partido de Zema, o NOVO, a Vale não deve ser demonizada, e Bolsonaro, o qual estava três dias antes no Fórum Econômico Mundial, em Davos, não mudou em nada seu discurso de flexibilização de licenciamento ambiental para empresas como a Samarco – e tantas outras – que exploram vidas humanas e o meio ambiente de forma predatória. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, em consonância com o presidente que defende “menos burocracia” para licenciamento ambiental, defendia que a multa fosse revertida em parques de MG, ou seja, deixava o caminho aberto às privatizações dos mesmos.

A investigação do Ministério Público, que se arrasta há um ano e só agora condenou 16 acionistas da Vale e Tuv Sud, sem, é claro, condenar o confisco dos bens dos mesmos, aponta que, pelo menos desde 2017 a Samarco tinha conhecimento do potencial risco de rompimento das barragens. Mas, mesmo com todos os indícios apontando para uma tragédia anunciada, a mineradora escondeu de toda a população – e, sobretudo, daqueles trabalhadores e famílias que trabalhavam e viviam na região – o risco de se depararem com um rio de lama arrastando suas casas, vidas e sonhos. Brumadinho não foi uma tragédia, nem mesmo um “incidente”, foi um crime movido pela ganância capitalista.

O Rio? É doce. A Vale? Amarga

O Rio, não mais tão doce, e a Vale, ainda mais amarga. Os crimes desta mineradora estão marcados na memória de cada um que perdeu conhecidos e familiares em meio à lama e destroços. Um ano se passou e a impunidade permanece.

São poucas as famílias que receberam indenizações e muitos os trabalhadores terceirizados – aqueles que trabalhavam em situações mais precárias – que perderam suas vidas e, os que sobreviveram e suas famílias, começam a ter seus seguros de saúde cortados pela empresa que dilacerou suas vidas.

Enquanto várias das famílias afetadas pelo crime da Vale seguem sem receber indenizações, a empresa continua lucrando junto a seus acionistas como o Bradesco BBI que recomendou, no início desse mês, a compra de ações da Vale como sendo uma “subestimada máquina de fazer dinheiro”.

Além do mais, a mineradora bateu lucro superior ao que possuía antes do rompimento das barragens em Brumadinho. Logo no início do ano, a empresa chegou a registrar alta nas ações de 3,3%, chegando a ser superior ao período anterior ao crime. E seguirá lucrando, já que, há quase quatro anos do crime em Mariana, foi liberada pelos secretários do governo Zema uma licença para a mineradora voltar a operar no Complexo do Germano – o mesmo lugar onde estava a barragem do Fundão e onde hoje se encontra a maior barragem à montante da América Latina.

Os grandes capitalistas e banqueiros, como aqueles do Bradesco, que são um dos maiores acionistas da empresa, seguem sem responder aos crimes que cometeram ao passo que continuam lucrando ainda mais com a exploração do minério. A justiça, que agora começa a indiciar funcionários da Vale, continua livrando aqueles que mais seguem lucrando com a tragédia.

Recordar o crime da Vale em Mariana e Brumadinho é lembrar que a exploração capitalista, seja ela disfarçada como sustentável ou não, só se sustenta pela exploração da mão de obra humana e, por muitas vezes, como nas duas cidades mineiras, por cima de nossos corpos.




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