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SEMANÁRIO

A classe trabalhadora como produtora em Gramsci e Trótski

Daniel Matos

A classe trabalhadora como produtora em Gramsci e Trótski

Daniel Matos

Entrevista com Emilio Albamonte e Matías Maiello

Nesta entrevista, Emilio Albamonte e Matías Maiello, membros da direção do Partido dos Trabalhadores Socialistas e autores do livro Estratégia Socialista e Arte Militar, abordam uma série de debates em torno das elaborações de Gramsci e Trotski rumo ao próximo congresso do PTS.

Esta entrevista foi originalmente publicada na seção argentina Ideas de Izquierda, podendo ser encontrado aqui.

Daniel Matos (DM): Na semana que vem vai acontecer o XIX Congresso do PTS. Neste marco, queria perguntar para vocês, para que possamos compartilhar com o público do Ideias de Esquerda, quais são as discussões teóricas que acompanham as discussões políticas centrais do Congresso? Como vocês veem isso em particular?

Emilio Albamonte (EA): Na semana passada publicamos no Ideas de Izquierda da Argentina um documento rumo ao Congresso escrito por Claudia Cinatti sobre a situação internacional que está marcada pela guerra na Ucrânia e suas consequências. Nas próximas semanas iremos publicando os documentos de caracterização da situação nacional argentina, de orientação do partido, assim como as resoluções do próprio Congresso. No que diz respeito à relação entre as questões que estamos estudando mais teoricamente e as deliberações do Congresso, no meu caso, estava preocupado por como temos que ter um discurso político socialista mais pedagógico e popular, que aprofunde os fundamentos de políticas como a que levantamos desde 2017 em torno da redução da jornada de trabalho para 6 horas e a divisão das horas de trabalho.

Desde esse ponto de vista, para o Congresso, e mais além dele, estava me dedicando ao estudo de Gramsci para tratar de aprofundar nosso discurso público socialista. Ainda que o PTS não seja um partido no sentido estrito do termo, com influência de massas, temos um trabalho em diversos sindicatos, universidades e outras organizações de massas, além do mais de um milhão de votos que conseguimos como parte da Frente de Esquerda - Unidade, nas últimas eleições. Então, o discurso e a prática socialista de nossa organização não pode se limitar a fazer um curso ou uma escola de quadros de verão como os pequenos grupos fazem. Ainda que não sejamos um partido no sentido que disse antes, somos uma organização em transição a partido.

Não se trata de falar genericamente de socialismo como algumas organizações fazem, mas sim de formular um discurso que ao mesmo tempo que tenha base teórica marxista, seja compreensível pela maior quantidade de companheiros e companheiras. Ou seja, não só por aqueles que militam em nossa organização, mas por camadas mais amplas de trabalhadores e trabalhadoras que simpatizam com o PTS ou militam conosco em diversos temas, além de tratar de chegar às centenas de milhares que nos dirigimos nas eleições.

DM: Que relação tudo isso tem com a situação atual?

EA: É muito importante o trabalho de elaboração para estabelecer de quais bases partimos e sobre quais fundamentos firmes podemos avançar. Porque o século XX, visto desde o século XXI, é quando o projeto socialista saiu derrotado. Também porque nas últimas décadas o discurso marxista esteve recluso na Academia, passando por todo tipo de revisionismo. O prefixo “pós” se generalizou, não só no pós marxismo, pós modernismo, mas também agora em “pós hegemonia”, “pós política”, etc., tirando do foco conceitos teóricos centrais, incluindo os elaborados pelo próprio movimento marxista…

DM: E um discurso político socialista tem variados inimigos…

EA: Sim, desde aqueles que transformam as práticas políticas em puro discurso, como Laclau, até os teóricos mais social-democratas. No terreno político há dois inimigos centrais, além do mainstream do pensamento burguês. Por um lado, os populistas de direita que proclamam seu ódio ao comunismo, tipo Bolsonaro, Trump ou os chamados libertários. E por outro lado, os neorreformistas, do estilo do Podemos no Estado Espanhol; ou as correntes nacionalistas pequeno burguesas, como o chavismo que nunca foi mais do que um nacionalismo burguês e, entretanto, se autodenominou “socialismo do século XXI”; ou o kirchnerismo que pretende regulares os males do capitalismo através do Estado. Ou seja, há adversários de direita e de esquerda ou centro esquerda.

DM: E o que é que Gramsci aporta na tentativa de desenvolver este discurso político?

EA: Gramsci é muito importante, em primeiro lugar, porque junto com Trotski, depois da furiosa reação stalinista que liquidou outros teóricos marxistas como Bukharin, Preobrazhenski, Riazanov, etc., foram as duas grandes personalidades que ficaram nos anos ‘20 e ‘30 que trataram de reelaborar o marxismo para uma situação em mudança, como a de entreguerras. Inclusive, com a reação neoliberal, foram liquidados os grandes partidos comunistas reformistas, como o italiano ou o francês que discutiam o marxismo.

Ainda que agora o panorama esteja mudando e haja um certo renascimento, em geral, o marxismo ficou reduzido às universidades, a centros acadêmicos e a personalidades soltas. Enquanto que os grupos marxistas de esquerda ou extrema esquerda que restaram, dedicam muito pouco de sua atividade ao desenvolvimento do pensamento marxista. Desde esse ponto de vista, se queremos nos transformar em um partido leninista, devemos seguir a tradição do partido bolchevique com toda uma série de intelectuais que tinha, ou a Segunda e a Terceira Internacionais. Temos que trabalhar fortemente no terreno teórico. Toda a prática revolucionária tem que estar ligada a esse trabalho teórico.

DM: Queria perguntar ao Matías sobre o livro de debates sobre o programa socialista que está para ser publicado, as relações entre essa elaboração e as discussões que estamos fazendo rumo ao Congresso do PTS.

Matías Maiello (MM): Este livro tenta continuar, desde o ponto de vista do programa, algumas reflexões do outro livro que publicamos, Estratégia Socialista e Arte Militar, uma parte delas se relacionam mais diretamente com as discussões do Congresso, outras não. Emilio acabou de sintetizar um pouco a situação do PTS e como é vital o desenvolvimento de um discurso e uma prática socialista que se projetem muito mais além daqueles que militamos. Essa preocupação atravessa também o livro, partindo do enfoque transicional com o qual a III Internacional e depois Trotski, vão abordar o problema do programa socialista. Uma pergunta central aí é como apresentar determinadas questões fundamentais do projeto de sociedade socialista em forma popular e simples, dialogando com os problemas que em determinado momento histórico são levantados pelo capitalismo, com suas crises, suas guerras e com os processos da luta de classes.

E aqui há uma discussão muito ampla que marcou muito o movimento socialista no final do século XIX e começo do XX quando estava se estabelecendo uma divisão bem clara entre um programa mínimo e democrático limitado nos marcos do capitalismo, terminando circunscripto à prática cotidiana, e o programa socialista propriamente dito que era relegado para os dias de festa, como diziam Rosa Luxemburgo ou Trotski. A pergunta então aqui é como o programa socialista, inclusive em momentos que não são de enfrentamentos agudos da luta de classes, pode ser operativo desde o ponto de vista de um discurso e uma prática socialista, semeando determinadas ideias, como tentamos fazer com a agitação pela redução da jornada de trabalho para 6 horas, ligando isso com a divisão das horas de trabalho, ou instituindo determinadas tradições de luta, como podem ser as gestões operárias de produção como as de Zanon ou Madygraf, etc. E colaborar assim no processo, que implica muitos outros aspectos, da constituição da classe trabalhadora como sujeito e ator político independente e hegemônico.

DM: Como esses problemas entram nos debates teórico-políticos atuais?

MM: O livro aborda toda uma série de debates sobre o programa socialista em polêmica com vários dos adversários que o Emilio mencionava antes. Com a teoria de Laclau sobre o populismo, em que se baseiam muitas correntes nacionalistas pequeno burguesas ou neorreformistas europeias; também com as visões socialdemocratas que tiveram um novo auge entre setores de esquerda, especialmente nos EUA, ao redor da figura de Karl Kautsky; assim como com as aproximações autonomistas que se deram nos recentes ciclos das revoltas que atravessaram diversos países nos últimos anos. Desde meu ponto de vista, são debates de primeira ordem em relação às perspectivas do projeto socialista no século XXI.

DM: Emilio, o que Gramsci aporta especificamente para vocês no que diz respeito à reflexão sobre o discurso e a prática socialista?

EA: Em primeiro lugar, é muito importante para todo marxista ver que Gramsci é um estudioso não só das formas de domínio que o Estado exerce sobre a sociedade, mas também das formas de organização da classe operária. Ele começa sua reflexão sobre os conselhos de fábrica, que é muito importante durante sua participação no processo dos conselhos de fábrica de Turín, no chamado biênio vermelho, de 1919-20, até 1926 quando é preso, mas que de nenhum modo continua recluso em seus Cadernos do Cárcere.

Um de seus principais aportes, que depois vai se referir com uma metáfora muito gráfica, passava por explicar a entrada na cena política daqueles que anteriormente “não tenho nada a ver com isso”. Quem eram os que não tinham nada a ver com isso? Era a classe trabalhadora que depois da derrota da Comuna de Paris em 1871 começa a se recuperar dando lugar ao surgimento da política de massas, se filiando às organizações sindicais, construindo partidos para legislar a favor dos trabalhadores. Esse é o momento de emergência dos grandes partidos social-democratas na Alemanha e no norte da Europa, com muito peso do marxismo. No sul da Europa e da América Latina, este processo se dá com muito mais peso do anarquismo.

Gramsci vê que a entrada massiva dos trabalhadores na vida política através deste tipo de organizações, obriga o Estado a se relocalizar sobre elas, mudando as próprias características do Estado. Antes, para o liberalismo, o Estado deveria ser um “guardião noturno” que mantivesse as relações de propriedade e garantisse a ordem. Até a Comuna de Paris, com exceção das revoluções de 1848 e suas consequências, as massas se mantêm quase fora do Estado, quando que nos anos seguintes, começa um período relativamente pacífico de desenvolvimento das tendências imperialistas, onde as massas começam progressivamente a participar nos grandes sindicatos e partidos.

Neste sentido, a burguesia já não pode seguir governando como antes, tem que conseguir o consenso dessas grandes massas que entram na política. Não pode governar só com o chicote e o porrete, não pode somente esperar o consenso, mas tem que organizá-lo ativamente. A isto, Gramsci chama “Estado integral”. A pergunta era como fazer para controlar as organizações criadas pelos trabalhadores para que a classe operária e as grandes massas entrassem no terreno do Estado, para que não se transformassem em um fator para o desenvolvimento de situações revolucionárias. Esse “Estado integral” vai tratar de intervir desde o terreno da sociedade política, assim como sobre as organizações de massas, como os sindicatos e partidos, buscando evitar qualquer mobilização independente que possa levar à revolução proletária. Viemos discutindo esta problemática do Estado integral desde que Juan Dal Maso introduziu este tema com seus livros sobre Gramsci, os quais recomendo para aqueles que querem se aprofundar nisto.

DM: Matías, como é encarada em Trotski essa problemática em torno da emergência da política de massas que Gramsci desenvolve com seu conceito de “Estado integral”?

MM: Este fenômeno da emergência da política de massas entre finais do século XIX e princípio do XX, Trotski vai analisar principalmente desde o ângulo da evolução das próprias organizações operárias. Ele vai destacar que esse processo, por se dar nos marcos do prolongado período de prosperidade capitalista que se deu com a derrota da Comuna e a unificação alemã, não produziu a educação da vanguarda revolucionária, e sim a degeneração burguesa da aristocracia operária, que se converteu no principal freio à revolução. Ou seja, partidos enormes como a social democracia alemã não caíram do céu, foram criados com os esforços da classe trabalhadora durante décadas, em que se adaptaram às condições do desenvolvimento pacífico e gradual. O resultado foi que no momento chave de começar a primeira guerra mundial, não atuaram como organizações de luta do proletariado, e sim como órgãos auxiliares do Estado burguês.

EA: Sim, de fato já em 1906, Trotski aponta essa possibilidade de que as organizações criadas com os esforços e sacrifícios da classe trabalhadora podiam se transformar, infelizmente, em um freio para a revolução proletária prevendo o que aconteceria em 1914.

MM: Claro. Além disso, há uma importante confluência entre o pensamento de Gramsci e de Trotski ao redor do tema das mudanças na dominação estatal, em relação ao anterior Estado liberal, a partir da irrupção da política de massas. Desde diferentes aproximações, ambos vão colocar que as burocracias, tanto sindicais, como políticas, se transformam em agentes do Estado no interior das organizações de massas, e que vão cumprir funções de “polícia política”. Ou seja, um papel preventivo para evitar o surgimento de um movimento operário revolucionário.

DM: Quais são as conclusões programáticas e estratégicas que Gramsci tira dessa análise?

EA: Este processo de degeneração da aristocracia operária, Gramsci, que era mais jovem que Trotski, discorre durante o desenvolvimento de sua formação marxista. Neste processo, ele vai responder à sua maneira ao debate sobre o revisionismo que começa em 1895 com as declarações de Bernstein. Como explica Nicola Badaloni em Gramsci e o problema da revolução, ele fará isso influenciado pela resistência relativa ao revisionismo do teórico anarco sindicalista francês Georges Sorel, e desde o ponto de vista filosófico, influenciado por Antonio Labriola, que foi também um dos mestres de Trotski. Não podemos esquecer que este período de desenvolvimento pacífico, como é dito por Lenin, esteve marcado por 30 anos sem revoluções, o que significaram 30 anos de avanço do revisionismo nas fileiras do movimento operário.

Bernstein sustenta que o desenvolvimento do capital financeiro diminui as crises e torna o capitalismo mais pacífico, integrando as massas ao Estado. E declara que as crises periódicas que Marx previa nO Capital não haviam acontecido nas últimas duas décadas. Então, tira a conclusão de que não necessariamente é preciso haver crises que provoquem a revolução, e sim que poderia surgir um avanço gradual até o socialismo nos marcos do Estado capitalista. Neste marco, sustenta que é preciso insistir que o movimento é tudo e os fins socialistas são nada. A que movimento ele se refere? À participação no movimento sindical, nos processos eleitorais. Assim, Bernstein transformava em teoria uma orientação que vai atravessar os partidos social democratas no século XX, onde a atividade passa exclusivamente pela luta sindical e eleitoral.

Gramsci, para apoiar a Revolução russa, vai dizer que é uma revolução que não se encaixa na teoria marxista, que é uma revolução contra O Capital, contra o livro de Marx. O que quer dizer com isso? Que contradizia a ideia de uma etapa necessária democrático-burguesa em países como a Rússia antes de que fosse possível uma revolução socialista. Seria mais preciso dizer que era uma revolução contra a leitura evolutiva dO Capital e do marxismo que não dava conta da etapa catastrófica de crises e de guerras que se abre no século XX. Em 1905, já havia acontecido a guerra russo-japonesa e a revolução na Rússia, já haviam sido criados os primeiros sovietes, assim como havia acontecido grandes movimentos como a Revolução Mexicana, a luta anglo-boer na África do Sul, antes da guerra mundial, havia acontecido também as guerras dos Balcãs. Ou seja, começa um século violento, no qual não surge a revolução das crises periódicas ditas por Marx nO Capital, e sim um conjunto de catástrofes no contexto político.

Neste contexto, claro que é o que faz surgir o marxismo revolucionário e começa a liquidar a ala revisionista. O pensamento de Bernstein era o de que a classe operária deveria estar integrada ao Estado, essa era uma questão que ele via como positiva. Para evitar essa cooptação, Sorel, que era um anarco sindicalista, dizia que era preciso um ponto que unisse a classe operária por fora do Estado burguês, e esse ponto fundamental era a greve geral. Ele se opunha à luta parlamentar e odiava os intelectuais porque dizia que traziam a ideologia burguesa para o movimento de massas. O ponto fundamental da greve geral era a forma de manter a classe operária unida e independente do Estado burguês.

O contexto desses debates, e sobretudo o pensamento de Sorel que era uma resistência ao revisionismo, influenciam o pensamento de Gramsci. Em seu pensamento filosófico, como diz o teórico marxista italiano Sebastiano Timpanaro, talvez seja a parte mais débil de Gramsci, com influência de Labriola. Este último sustentava que o marxismo era um sistema autônomo que não dependia do sistema burguês, que com a crítica que Marx havia feito ao socialismo utópico e ao socialismo francês, à filosofia clássica alemã e à economia política inglesa, o marxismo ficava de pé com pés próprios desde o ponto de vista filosófico para sustentar suas posições políticas. Esta unidade vai ser um leit motiv da obra de Gramsci, em que vai romper com suas concepções confusas do começo de sua formação marxista e vai se aproximando mais do leninismo que colocava a teoria do imperialismo e caracterizava a época como de catástrofes, em oposição ao evolucionismo, e pôde ver na Rússia o elo débil da cadeia imperialista.

DM: Essa ruptura teórica que faz Gramsci com o mecanicismo da Segunda Internacional, como se opera em Trotski?

MM: Trotski desenvolve a ideia do “desenvolvimento desigual e combinado”. Ou seja, vai romper com a ideia de uma história linear e um desenvolvimento homogêneo, onde todos os processos têm que passar por uma etapa prolongada de desenvolvimento capitalista e que somente depois seria possível encarar a luta pelo socialismo, etc. Declara como o capitalismo, ao ter se convertido em um sistema global, avança sobre formações sociais pré existentes com suas próprias culturas e características, as quais, sob o chicote das necessidades materiais, vão avançando a saltos, criando assim combinações nacionais particulares que mesclam formas arcaicas e modernas.

EA: Neste sentido não faz falta seguir a leitura positivista que a Segunda Internacional tinha, de que a cada classe lhe correspondia uma determinada tarefa revolucionária. As tarefas democráticas que a burguesia nos países atrasados não tinham cumprido, poderiam ser levadas adiante pelo proletariado, começando o processo revolucionário, passando da revolução democrática à revolução socialista, sem esperar que o país tivesse, como dizia o pensamento majoritário da Segunda Internacional, um desenvolvimento capitalista avançado. Isto está na base da teoria da revolução permanente. O proletariado em seu caminho até o poder poderia resolver as tarefas democráticas.

MM: Claro. E em relação à ideia de Bernstein que Emilio mencionava, sobre o movimento ser tudo e os fins não serem nada, Trotski vai ver como a negação de tudo o que tem a ver com a estratégia e com o programa socialista para fundamentar uma prática nos marcos do Estado burguês. Esse vai ser um debate fundamental depois na Terceira Internacional e também nas elaborações de Trotski posteriores, incluindo o Programa de Transição. Estas discussões estão no Estratégia Socialista e Arte Militar desde o ponto de vista da estratégia, e no livro que está pra ser publicado e comentamos antes, que desenvolvemos particularmente desde o ponto de vista do programa.

DM: E qual é o aporte de Gramsci neste terreno?

EA: Gramsci tira conclusões que logo foram profundamente deformadas pelo Partido Comunista italiano e pela Academia, mas a principal conclusão que tira está relacionada com este problema da intervenção do Estado nas organizações de massas, ou seja, de indivíduos dentro delas que representam os interesses da burguesia. Estamos falando, por exemplo, das conduções dos sindicatos na Alemanha que eram colonialistas, ou que depois da Revolução russa de 1905, quando Rosa Luxemburgo sustenta que é preciso de uma greve geral para reformar o regime político antidemocrático alemão, as burocracias dos sindicatos se opõem a ela e sustentam que é preciso vetar qualquer iniciativa deste tipo.

Para Gramsci, a sociedade civil é um terreno do “voluntário”, por exemplo, dos sindicatos, dos partidos, etc. Estes não são como o parlamento, em que é preciso votar e que é uma instituição pública do Estado, mas sim que são organizações privadas, é preciso se filiar a um sindicato ou a um partido voluntariamente, são as instituições da sociedade civil. Então o Estado integral se mete nestas instituições, e aí se abre uma luta entre os revolucionários e o Estado burguês que Gramsci denomina “guerra de posições”.

A partir dessa discussão sobre a “guerra de posições” começa uma ampla elaboração sobre os diferentes tipos de sociedades em função do atraso, o desenvolvimento que têm e suas distintas formas de atuar sobre as organizações políticas e sociais. De um lado, as formações sociopolíticas orientais, onde a sociedade civil quase não existe, é “gelatinosa”, como na Rússia czarista em que quase não existiam sindicatos e o Estado era tudo. De outro lado, as sociedades mais avançadas como a Inglaterra, França e algumas mais atrasadas, mas que também eram “ocidentais”, como a Itália. Além disso, tanto Trotski como Gramsci viram com antecedência o auge da potência norte-americana. Gramsci destaca que pelas particularidades do desenvolvimento histórico nos EUA, foi relativamente mais fácil racionalizar a produção e o trabalho. Isso dá uma combinação particular entre “força” e “persuasão”, em que os altos salários baseados em um grande aumento da produtividade e o consumo eram chave. Partindo disto, aponta que nos EUA “a hegemonia nasce da fábrica” e necessita menos intermediários profissionais da política e da ideologia para se exercer. É a isto que ele vai chamar “americanismo”.

De conjunto, nas formações “ocidentais” o Estado tem o que Gramsci chama de sistema de trincheiras e casamatas, onde a burguesia se mete para tratar de influenciar o movimento de massas e instaurar um processo que ele denomina com o termo transformismo. O que é o transformismo? Ganhar os líderes das organizações operárias´para a manutenção da ordem burguesa, o qual pode ser feito por “convencimento” e/ou diretamente mediante corrupção.

Neste marco, uma das grandes tarefas dos revolucionários é conseguir que as instituições que influenciam as massas sejam independentes e autônomas do Estado burguês, e que ao mesmo tempo possam ir criando as condições para uma hegemonia a favor do proletariado. O partido revolucionário cumpre um papel chave para que isso aconteça. Se Lenin na Revolução russa já tinha insistido na ditadura democrática de operários e camponeses e Trotski com a teoria da revolução permanente, que dizia que era preciso conquistar uma aliança com os camponeses, Gramsci aqui está falando sobre a mesma questão. Ele vai colocar usando o termo de “bloco histórico”, o qual não era uma fusão entre proletariado e o campesinato (ou hoje diríamos de uma fusão entre o proletariado e o povo pobre). Essa “fusão”, para Gramsci, era populismo, porque não tinham os mesmos interesses. O pequeno burguês, seja urbano ou rural, quer manter sua propriedade privada, então não pode ter o mesmo interesse no socialismo do que um trabalhador que não conta com nada além de sua força de trabalho. Por isso uma hegemonia, ou seja, para que a revolução seja possível, é preciso que o proletariado possa dirigir e não meramente dominar essas classes subalternas, como Gramsci as chamava.

Assim, a diferenciação entre Oriente e Ocidente e a questão de que as classes inimigas devem ser dominadas e as classes aliadas, dirigidas, começam ser temas distintivos do pensamento de Gramsci. Neste marco, destaca o momento da preparação, tanto para manter o partido e outras instituições independentes do transformismo burguês, como para conseguir uma hegemonia que lhe permita, quando se desenvolva a situação revolucionária, poder dirigir a grandes massas no processo revolucionário para abater o estado burguês quando chegar o momento, como chama Gramsci, das relações políticas militares. É importante dizer que Gramsci não nega a passagem da “guerra de posições” à “guerra de manobra”, nem que durante a “guerra de posições” haja movimento próprios da “guerra de manobra”, ainda que os termos da passagem de uma a outra não estão suficientemente desenvolvidos. Este é um ponto que analisamos bastante em Estratégia Socialista e Arte Militar.

DM: Como Trotski aborda este problema dos tipos de Estado?

MM: Se Gramsci tem essa visão que vai evoluindo, no caso de Trotski, temos profundas análises sobre as formas que o Estado vai adquirindo, e em particular do bonapartismo, o qual busca se elevar sobre os campos em luta para preservar a propriedade capitalista e impor a ordem, evitar a guerra civil ou se sobrepor a ela e impedir que volte a acontecer. Trotski analisa muitos tipos de bonapartismo, discorrendo ao redor desta definição e diferentes fenômenos históricos.

Distingue os bonapartismos segundo as diferentes etapas históricas e analisa especialmente aqueles desenvolvidos a partir da segunda década do século XX, próprios da etapa de domínio do capital financeiro. Desenvolverá sobre a categoria de “pré bonapartismo” para dar conta daquele que reflete o equilíbrio extremamente instável e breve dos bandos de classe enfrentados, Giolitti na Itália, Doumergue na França, Brüning e Schleicher na Alemanha, diferenciando estes fenômenos de transição, que a burguesia busca se impor evitando a guerra civil, do fascismo propriamente dito que busca aplastar abertamente o proletariado com métodos da guerra civil, com o objetivo de transformá-lo em “pó social”, e que por isso quando se consolida, é muito mais estável.

Também discorre sobre a noção de “bonapartismo sui generis” para tratar dos nacionalismos burgueses como o de Lázaro Cárdenas no México nos anos ‘30. Um tipo especial de bonapartismo, próprio do mundo semicolonial, onde a debilidade da burguesia nacional localiza as duas classes fundamentais como a classe operária e o imperialismo. A burguesia nacional pode operar ou como instrumento do imperialismo para ajustar as cadeias do proletariado, ou se apoiando na classe trabalhadora, chegando a dar concessões, para obter certa independência do imperialismo, mas controlando o movimento de massas. Com essa última variante do conceito de bonapartismo sui generis “de esquerda” é que explicou o governo de Cárdenas. Fenômenos similares se expressariam em Perón na Argentina ou Vargas no Brasil.

Tudo isso é parte de uma elaboração muito mais ampla sobre os regimes políticos que compreende seus desenvolvimentos nos governos de “frente popular”, como na França e na Revolução espanhola, os bonapartismos débeis que foram chamados de “kerenskismo”, ou conceitos fundamentais como o de “bonapartismo soviético” com o que tratou o fenômeno do stalinismo na URSS.

Neste ponto, há por trás uma preocupação em muitos sentidos que é similar em Trotski e Gramsci, ainda que com abordagens diferentes. Com a análise das diferentes configurações do Estado no Oriente e no Ocidente, Gramsci tenta pensar as particularidades dos mecanismos hegemônicos e suas combinações com os coercitivos, com os quais a burguesia busca neutralizar ou integrar à classe trabalhadora. Trotski, em seus apontamentos sobre o bonapartismo e as diferentes formas que busca sustentar um certo equilíbrio entre as classes, assim como em suas análises das “frentes populares”, esses mesmos problemas estão bastante presentes.

DM: A ideia de socialismo foi bastante distorcida pelo stalinismo, muitos se apoiam na deformação burocrática do movimento operário sob a direção da burocracia, para sustentar a democracia burguesa como um valor universal e que qualquer tipo de planificação da economia necessariamente leva à burocratização. Pensando desde as concepções teóricas de Trotski e Gramsci, como responder a esse problema atual?

EA: Sim, depois da implosão da União Soviética e a transformação da China em um capitalismo selvagem (ainda que alguns setores reformistas do mundo gostem, como Cristina Kirchner que aponta como uma alternativa), hoje não há nada mais desprestigiado do que a ideia de plano, de planificação da economia. Isso não é só pelas derrotas, e sim porque para a burguesia é uma forma de lutar contra a perspectiva socialista. Mas para discutir isso, temos que retroceder um pouco e ver qual é o papel do proletariado.

Para os teóricos pós-modernos, toda fixação de uma tarefa hegemônica a uma classe é um essencialismo que remete a um problema “ontológico” e que não justifica nada. Nós acreditamos que não é preciso ser muito inteligente para perceber que as pessoas que dirigem os aeroportos, os trens, os portos, a produção de bens materiais, a educação, etc., estão organizadas e têm um poder maior do que um pequeno comerciante ou um camponês para tomar as rédeas de um país, para uma estratégia de greve geral e insurreição que é a estratégia do marxismo.

Toda a ideologia pós-moderna, para manter a polarização política no terreno discursivo e não no terreno de mudar as realidades práticas no sentido mais amplo do termo, atacou brutalmente, desde Laclau em diante, a política que chamam de “essencialismo de classe”. Para nós não se trata de um problema ontológico, e sim do papel que ocupa na classe operária, o que nós denominamos como as “posições estratégicas” que a classe operária domina. É o capital que considera a força de trabalho como uma mercadoria a mais, em que paga ao trabalhador um salário que é uma parte do que sua força de trabalho produz e fica com a outra parte. Assim se enriquecem os capitalistas e acumulam capital.

Desde esse ponto de vista, o capital tem que considerar a força de trabalho como uma mercadoria a mais, um insumo como é a matéria prima, os edifícios, as máquinas e ferramentas. Ou seja, tratar de transformar o trabalhador em uma espécie de macaco adestrado, como colocava Taylor, que foi um dos técnicos que declarou como utilizar até os movimentos mínimos de cada trabalhador para que produzisse mais em menos tempo. É o trabalhador como está apresentado no filme de Chaplin “Tempos Modernos” que dá volta nos parafusos em um processo incessante e enlouquecido, como um instrumento a mais do sistema de máquinas e ferramentas. Ou seja, como um ser mecânico, não como criador da riqueza dentro da sociedade.

A força de trabalho não é uma mercadoria a mais e isso não mudou, nem poderia ter mudado somente por conta do desenvolvimento tecnológico e científico que ocorreu até hoje. Ainda que o tipo de tarefas que o trabalhador realiza hoje sejam diferentes, segue tendo a função de “dar vida”, de colocar em movimento todo esse “trabalho morto” que está nas máquinas e no sistema tecnocientífico. E os apontamentos de Gramsci são muito interessantes porque colocam o foco no trabalhador, não só como perceptor de salário, ou seja, não só como um assalariado, mas também como produtor.

Isso é muito importante porque coloca o potencial criador das e dos trabalhadores, tanto no terreno econômico, como no político. Sem ele seria impensável toda a problemática do controle operário e a possibilidade dos trabalhadores serem responsáveis por toda a produção, o que tornaria o socialismo impossível. Quando falamos de socialismo, de comunismo, estamos falando tanto do movimento real que, como diziam Marx e Engels, anula e supera o estado de coisas atual e onde os trabalhadores pugnam por recuperar seu tempo livre, como do objetivo de uma nova sociedade em que os produtores se associem livremente, trabalhem com meios de produção coletivos e unam suas forças individuais como uma grande força de trabalho social.

Os libertários estão tratando de se basear em uma antropologia que diz que o homem é inimigo do homem, para dizer que então não pode haver nem democracia, nem socialismo, porque toda democracia e todo o socialismo implica em uma estreita cooperação humana e que isso é impossível, dado que cada indivíduo luta somente pelos seus próprios interesses. Pelo contrário, Marx observa que a cooperação é central, desde a mais elementar, até a mais ampla que se faz ao dar vida ao “trabalho morto”.

Nós, para dar explicações mais ou menos simples, podemos pegar exemplos, que ainda que sejam pequenos, são importantes pontos de apoio. Nas últimas décadas não foi comum o desenvolvimento de processos de cooperativas dirigidas pelos marxistas, mas aconteceu. A parte negativa das cooperativas é que, sujeitas à competição do mercado capitalista, acabam levando à autoexploração da classe operária. Mas por outro lado, a parte positiva, é que mostram a capacidade produtiva que os trabalhadores têm. Tanto Madygraf, como Zanon, na Argentina, se transformaram em símbolos porque os trabalhadores inventaram novos métodos produtivos e novas relações sociais, como por exemplo a relação com os mapuches em Neuquén que lhes permitiu sobreviver em situações terríveis do mercado capitalista. Por exemplo, agora os trabalhadores de Madygraf que estão modificando o sistema elétrico junto com técnicos de universidades para economizar energia. Esta forma que esses trabalhadores têm de sobreviver, faz com que além de evitar que o capitalista leve o lucro inteiro, tenham uma enorme capacidade produtiva. E isso não acontece por um problema de “essencialismo de classe”, mas porque o trabalhador não é um macaco adestrado como pretendia Taylor, mas um criador de riqueza social.

MM: Desde esse ângulo também, desde 2017, viemos levantando a necessidade de reduzir a jornada de trabalho para 6 horas, dividindo as horas de trabalho entre todas as mãos disponíveis como forma de terminar com a irracionalidade de milhões de desempregados por um lado, e milhões de trabalhadores que deixam suas vidas nos locais de trabalho com jornadas intermináveis. Como foi demonstrado por nosso companheiro Pablo Anino, com a redução da jornada de trabalho para 30 horas semanais, só nas 12 mil maiores empresas da Argentina, poderiam ser criados quase um milhão de novos postos de trabalho.

O problema da divisão das horas de trabalho entre os trabalhadores e os desempregados, Trotski dá um lugar de destaque no Programa de Transição junto com a atualização automática dos salários segundo a inflação, igualmente à ideia do “controle operário”, como parte justamente da ideia do trabalhador como produtor. De fundo está a perspectiva que nós socialistas apontamos, de colocar os avanços da ciência, da técnica e a cooperação do trabalho não a serviço do lucro capitalista, mas da redução de tempo de trabalho como imposição a um mínimo para que o trabalhador, enquanto produtor, possa desenvolver verdadeiramente sua criatividade e todas suas capacidades humanas.

Agora na Grã Bretanha estão fazendo um teste de 6 meses em cerca de 70 empresas, reduzindo a jornada de trabalho de 5 para 4 dias, mas exigindo que nesse tempo mais curto, se garanta a mesma produção. Até esse tipo de plano pode ser feito pela burguesia, mas o que nunca fará é dividir o tempo de trabalho entre todas as mãos disponíveis, como parte de um plano racional para organizar a produção e acabar com o desemprego, porque a burguesia necessita desse “exército de reserva” para que o conjunto dos salários possa ser mais baixo.

Não tem nada de inevitável na apropriação pelo capital do tempo disponível em forma de “mais valia”. Também não há nada de “natural” na produção e no uso do desemprego por parte do capital como forma de assegurar uma oferta e demanda de força de trabalho que o beneficie. A alternativa, como dizia Marx, está nos trabalhadores/produtores se apropriarem de seu próprio trabalho excedente para convertê-lo em “tempo livre”, em tempo de lazer e ócio. Uma palavra maldita para os capitalistas que sempre buscam tirar até a última gota de suor de cada trabalhador e trabalhadora para se enriquecer cada vez mais.

EA: É preciso ressaltar que a consideração do trabalhador como produtor vai contra duas práticas que foram e são comuns entre os marxistas. Por um lado, considerar o trabalhador só como assalariado, e então a chave seria só a luta pelo preço da força de trabalho, ou seja, as lutas sindicais que reivindicam o aumento de salários. E por outro lado, se limitar às lutas eleitorais, onde o operário vai, como dizia Trotski na Revolução Traída, de forma distorcida, individualmente, votar no político de sua preferência a cada tantos anos. Nestas duas formas, o trabalhador aparece ou como vendedor de uma mercadoria, ou como cidadão atomizado e não como produtor social.

DM: E ao mesmo tempo tanto Gramsci como Trotski declaravam a importância da intervenção nos sindicatos e também em participar das lutas eleitorais…

EA: Claro. A questão é como intervir nos sindicatos e no terreno eleitoral. Trotski é categórico no Programa de Transição sobre a importância do trabalho nos sindicatos e a luta contra sua submissão ao Estado burguês e contra a burocracia. Ao mesmo tempo, alerta que os sindicatos agrupam somente uma parte da classe operária, em geral as mais qualificadas e as melhor pagas, deixando de fora os terceirizados, os desempregados, etc. Ou seja, intervir com tudo nos sindicatos, mas não só para as lutas salariais, mas também para defender a unidade dos diferentes setores que a burocracia divide. Todas as agrupações que nós do PTS impulsionamos no movimento operário, seja na alimentação, telefônicos, ferroviárias, etc., se forjaram, entre outras coisas, dando enormes batalhas justamente pelos terceirizados, contra a burocracia que os considera trabalhadores de segunda ordem. No terreno eleitoral parlamentar também. Trata-se de ir mais além da rotina que o regime impõe, ligando os cargos à luta de classes, usá-los para demonstrar as mentiras dos políticos burgueses e levantar um programa transicional operário e socialista, o mesmo durante as eleições. Neste sentido atuamos desde o PTS como parte da FIT-U.

Tudo isso vai contra a ideia de que quando os trabalhadores intervêm nas lutas sindicais são só vendedores de uma mercadoria e quando votam são simples cidadãos atomizados. E neste sentido, dizia que é muito importante o foco que Gramsci colocava, inspirado nos conselhos de fábrica de Turín, no trabalhador como produtor. O trabalhador como produtor, já tinha irrompido com toda sua magnitude na Revolução russa com os Sovietes, que são uma invenção do proletariado russo em 1905, que volta a se repetir em grande escala em 1917 e que vai ser a base do Estado operário transicional que surge do triunfo da revolução. Esta visão do trabalhador, não como mero assalariado, mas como produtor, é o que nos permite discutir por que pode surgir um socialismo desde baixo, desde as próprias unidades produtivas.

Mas esse socialismo que vem debaixo não está em tensão com um plano que se faz em cima porque necessita ver quais são todas as necessidades sociais e como se dividem nas horas de trabalho, etc.? Relativamente sim, são dois pólos, o do plano centralizado e o da construção do plano desde debaixo. Mas em uma época como a atual, com os avanços tecnológicos que existem, etc., cada vez é mais fácil que haja planos alternativos, onde os trabalhadores possam definir qual adotar. Não como é feito no parlamento burguês, em que as decisões são tomadas pelas costas das maiorias, como sucedeu com o pagamento da dívida pública, mas como uma deliberação verdadeiramente democrática em que se defina no que e quanto se investe, em que tipo de indústrias, se vai ou não pagar a dívida, etc., sendo votado nas próprias unidades produtivas com deputados revogáveis e que não somente a cada 2 ou 3 anos se vote em alguém depositando uma confiança absoluta como defende o regime representativo democrático burguês.

Ou seja, um Estado operário transicional não só coloca que os trabalhadores criem a forma de trabalho em suas unidades produtivas, mas também que sejam os que, de forma coletiva, deem os objetivos para um, três ou cinco anos. Um Estado operário que tenha cada vez menos funções e em que uma forma de se ver se o socialismo avança ou não, seja que a sociedade civil decida cada vez mais quais são os planos econômicos e o rumo da sociedade. Ou seja, decidir não só o que sucede na unidade de produção, mas também qual é o plano, através do debate sobre os planos alternativos que podem ser apresentados por distintos grupos de trabalhadores em um conselho geral de sovietes ou em qualquer outro órgão.

Isso, claro, não é um processo nacional, mas um processo internacional. Se a revolução avança em países avançados, este processo é mais rápido. Se avança em países atrasados, sempre existe o perigo do burocratismo e um certo grau até o stalinismo. Por isso a teoria da revolução permanente é uma teoria da revolução socialista internacional, não somente da revolução nacional. Não só é preciso avançar nacionalmente resolvendo as tarefas democráticas, com revoluções permanentes na cultura para que os trabalhadores aumentem seu nível cultural e conquistem uma relação mais harmônica com a natureza, etc., mas também que a chave do Estado operário é se apoiar em um centro para o desenvolvimento da revolução internacional, como foi a Terceira Internacional em seus primeiros anos de existência.

Tradução: Lara Zaramella


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Daniel Matos

São Paulo | @DanielMatos1917
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