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Baixa produção não justifica demitir ou rebaixar salários

Bianca Rozalia Junius

Imagem: Alexandre Miguez

Baixa produção não justifica demitir ou rebaixar salários

Bianca Rozalia Junius

Com a pandemia, a indústria atingiu em tempo recorde o pior nível de ociosidade em 20 anos. Empresários utilizam este argumento para forçar o fim da quarentena, demitir, rebaixar salários e implementar as medidas da reforma trabalhista até o fim. Entretanto, esses ataques vão na contramão de “salvar a economia”: na verdade, com isso os empresários apenas jogam mais gasolina no fogo da crise.

A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) aponta para a maior contração da atividade econômica na história da região: cairá -5,3% em 2020 (pior do que a Grande Depressão de 1930). Segundo o relatório, a interrupção das cadeias de valor produzida pela pandemia impactará com maior intensidade nas economias brasileira e mexicana, que possuem os maiores setores manufatureiros da região.

É assim que a indústria brasileira atingiu em tempo recorde o pior nível de ociosidade em 20 anos. O indicador calculado pelo Ibre/FGV para o setor aponta que, em média, as fábricas estão operando em 57,5% do que poderiam. Economistas apontam que o problema não é apenas a baixa na produção, mas também a falta de perspectiva de um fim da crise pandêmica, além da “fragilidade” econômica das indústrias, que já vem desde 2008.

Como de praxe, a resposta de patronais de todo país tem sido demitir massivamente, como abordamos aqui. Mesmo sabendo disso, o governo não proibiu demissões, que é uma medida urgente para enfrentar a crise. Pelo contrário, Bolsonaro faz enorme demagogia com o desemprego dizendo-se “pró-economia”, como se isso significasse defender empregos. Mas tanto esse presidente negacionista e seus sustentáculos militares, como também seus “falsos inimigos” governadores, o STF e afins são coniventes com as demissões e aprovam leis como as MPs da morte 927 e 936, mentindo descaradamente ao dizer que estas ajudariam a garantir estabilidade de emprego: como abordamos aqui, não só não proíbem demitir, como ainda facilitam para as empresas demitirem, ao permitirem a diminuição de 20% da multa do FGTS e o não pagamento de aviso prévio. [1]

Rebaixam salários hoje para demitir da mesma forma amanhã

Em relato para a Veja, José Pastore, professor de relações do trabalho da USP, admite que é possível que haja um impacto de redução de postos de trabalho após o fim dessas medidas, a depender do grau de resposta da economia brasileira no pós crise. [2] Ou seja, patrões e governos afirmam que é preciso que os trabalhadores “apertem o cinto” hoje, aceitem estes rebaixamentos, para que possam se recuperar daqui alguns meses, como se fosse apenas uma questão de tempo. É preciso explicar para estes senhores empresários que a crise que criaram é a maior desde 1900? E que perdurará inclusive pós-pandemia, que sabe-se lá quando terminará a depender da negligência com a qual estão lidando com ela? Não, não é preciso explicar, eles já o sabem. Mas rebaixam salários hoje para demitir da mesma forma amanhã sem nenhum escrúpulo.

O número de contratos suspensos ou salários cortados já passa de 4,8 milhões e o governo prevê que medida vai atingir mais de 24 milhões de empregados [3]. De acordo com o DataSenado, a renda familiar de 68% dos brasileiros diminuiu devido à pandemia do novo coronavírus. Assim, as demissões e o rebaixamento de salários previsto na MP 936 vão na contramão de “salvar a economia”: na verdade, com isso os empresários apenas jogam mais gasolina no fogo da crise. Isso porque estima-se que essa diminuição na renda pode tirar até R$ 500 bilhões dos bolsos dos brasileiros neste ano, e essa retração vai levar à redução da demanda e da produção em diversos setores, minando qualquer parca esperança de recuperação no pós-pandemia. [4]

Licenças integralmente remuneradas faliriam as empresas?

A questão é: qual saída tomar em vez de reduzir salários e demitir? Fazer os empresários pagarem licenças remuneradas faria com que as empresas falissem? Não estamos tratando aqui de pequenos empresários, para os quais haveria verdadeira necessidade de liberação de crédito. Mas como podem os patrões das gigantes indústrias automotivas, por exemplo, que estão usando as MPs a rodo, dizerem que irão falir se derem licenças remuneradas em vez de demitirem ou rebaixarem salários? Não é possível que os empresários das multinacionais Volkswagen, GM, Ford, etc. tenham ficado pobres de um dia para o outro.

A título de exemplo: a Volkswagen, que reduziu 30% da jornada e salários recentemente, no ano passado propagandeou o crescimento de 42% em seu lucro líquido no terceiro trimestre, chegando a 3,79 bilhões de euros, na comparação ao mesmo período de 2018. No acumulado do ano até setembro, o avanço foi de 17%, puxado especialmente pelo desempenho das vendas no Brasil. A receita global da montadora alemã avançou 11,26%, para 61,42 bilhões de euros! E mesmo em 2020 frente à crise sanitária, anunciou queda de apenas 2% nas vendas em abril. Para onde foi todo o dinheiro lucrado às custas dos trabalhadores daqui do Brasil e dos diversos países do mundo que estes imperialistas exploram?
 [5]

Essas montadoras estão retomando aos poucos a produção com rebaixamento de salários mesmo em meio a uma pandemia que ainda nem chegou ao seu pico, mesmo não sendo serviços essenciais e nem reconvertendo a sua produção para produzir respiradores em massa. Nesta semana, empresários industriais de diversos setores (vários não essenciais) marcharam junto de Bolsonaro até o STF para garantir que, como mínimo, as suas indústrias se mantenham abertas mesmo com a possibilidade de lockdown em cidades que já chegam próximas da superlotação de UTIs; como máximo, alguns deles chegam a apoiar a insanidade bolsonarista de acabar com a quarentena para evitar a “morte dos CNPJs”, colocando isso acima das vidas.

Há indústrias não essenciais que sequer paralisaram a produção até agora, colocando em risco a vida de milhares de trabalhadores e aumentando as taxas de infecção e superlotação dos hospitais, mesmo em lugares como a Zona Franca de Manaus, cidade que já decretou colapso do SUS há semanas. O representante da Abrinc (associação patronal da indústria de brinquedos) nessa marcha fúnebre dos industriais defendeu que se o Brasil não retoma a produção, ficará para trás dos concorrentes, que vão “ganhar mercado”.

Essa lógica de rapina das patronais não é exclusividade brasileira: na França, os trabalhadores da Airbus, produtora de peças de avião, denunciaram que os empresários queriam manter o funcionamento normal desse serviço não essencial, gastando inclusive milhares de máscaras por dia que estavam faltando para os funcionários da saúde, apenas porque viram uma grande “oportunidade de negócio” de roubar os clientes da concorrente Boeing, que estava parada. Os trabalhadores afirmaram que só se justificava seguirem trabalhando se fosse para reconverter e produção da fábrica e produzir respiradores.

É o caso da indústria gráfica que, à exceção do setor de embalagens (que inclusive aumentou a produção em 10%), não precisava estar funcionando neste momento. Mesmo seguindo a produção, quase 65% das empresas do ramo demitiram funcionários. Justificam essas demissões por conta da baixa na demanda, entretanto as palavras do próprio presidente da Abigraf, Sidney Anversa Victor, desmentem isso. Em relato à CNN, afirma que mesmo com a alta de até 15% registrada no mês de março, sua empresa já começou a se adaptar para evitar “efeitos significativos da pandemia nos negócios”. Para isso, a indústria aboliu o turno de produção da noite, colocou 50 funcionários em férias e demitiu 11 pessoas. [6]

Os sindicatos deveriam estar lutando contra essas demissões e rebaixamentos. Mas, pelo contrário, estão fazendo coro com a lógica da concorrência de mercado de que, neste caso do setor gráfico, se uma gráfica parar de produzir a outra vai pegar seus "clientes". Como se não fosse um absurdo também que esses "clientes" queiram que siga tudo normal e que trabalhadores sejam colocados em risco em qualquer gráfica que seja contratada para imprimir. Seria preciso organizar uma luta para exigir que nenhuma gráfica imprima nada que não seja essencial dos seus clientes ou de clientes vindos de outras gráficas, deveriam estar batalhando para que todos os serviços não essenciais sejam reconvertidos para serviços de fato essenciais ou deixem de funcionar, e neste caso que sejam pagas licenças remuneradas.

As patronais dos serviços não essenciais mesmo rebaixando salários e demitindo, têm a cara de pau de pedir que os governos liberem mais dinheiro estatal ainda do que o enorme montante que já liberou de créditos pra banqueiros e empresários (sem pedir nenhuma contrapartida de que não demitam!), o que será cobrado dos trabalhadores com mais ataques posteriormente. Na “Carta dos (patrões) gráficos ao governo e ao mercado”, Carlos Jacomine, que representa a gráfica da Folha, chora por mais dinheiro público, dizendo que o governo só ajudou as pequenas e médias empresas, e as grandes empresas ficaram “órfãs de qualquer medida de socorro anunciada por qualquer instância de governo neste momento crucial”.

Vejamos a indústria deste pobre coitado: a Plural Indústria Gráfica é uma parceria do Grupo Folha (da Família Frias, uma das mais ricas do país) com a gigante multinacional norte-americana QuadGraphics, também bilionária. A própria justiça burguesa já reconheceu o quão milionário é o Grupo Folha: há dias atrás este grupo teve a capacidade de entrar com uma ação para não pagar impostos; perdeu o processo e ainda recebeu uma lição de moral do juiz, que disse que nesses momentos o município precisa de mais recursos pra enfrentar a crise sanitária.

Como abordamos nesta matéria, caso, de fato, governo e empresários estivessem preocupados com vidas, empregos e qualquer coisa para além da “economia de seus bolsos”, estariam usando tudo aquilo que lucraram por anos às custas do suor e sangue dos trabalhadores para arcar com essas licenças remuneradas. Segundo a revista Valor, 85% das grandes empresas brasileiras conseguiriam honrar seus compromissos trabalhistas por 12 meses com o dinheiro que possuem no banco. É por isso que, diante de qualquer empresa que use como justificativa a sua falência para aplicar MPs como essas e retirar empregos, é preciso exigir que mostre para onde foi o dinheiro de seus lucros, rompendo com o segredo comercial e exibindo suas planilhas de contabilidade.

A crise como oportunidade… de aplicar a reforma trabalhista

As patronais vinham com dificuldade de aplicar a totalidade da reforma trabalhista por conta do que chamam de “instabilidade jurídica”, que nada mais é do que medo da resistência que os trabalhadores estavam fazendo contra essa retirada de direitos, e receio de que essas batalhas de classe pudessem pressionar a justiça (no geral favorável aos empresários) em pareceres favoráveis aos funcionários, uma vez que a reforma tem inúmeros pontos que são inclusive inconstitucionais.

Como aprofundamos neste texto a burguesia institui novas formas de precarização do trabalho para incrementar seus lucros, aproveitando-se do fato de que estas desregulamentações nem sempre são vistas negativamente pelos trabalhadores, ainda mais em meio a essa crise. Por vezes são disfarçadas de medidas de “contenção do desemprego”, destinadas, entretanto, a entrar no arsenal das legislações de destruição trabalhista em centenas de países.

Esse processo de destruição já vem de anos, se aprofunda com o golpe institucional e a reforma trabalhista de Temer, agora se traduzindo em diversas MPs aprovadas e ataques implementados, e os empresários já pressionam para que essas medidas sigam valendo mesmo após a pandemia. Exemplo é o fato da negociação direta com o patrão, legalizada pela reforma, ser levada até o fim pela MP 936, permitindo reduzir/suspender jornadas sem sequer necessidade de aprovação dos sindicatos. As jornadas intermitentes também serão uma mão na roda para os empresários principalmente nesses períodos de baixa produção, afinal com isso podem chamar e pagar funcionários para trabalhar apenas quando convém.

Há enormes ataques em outras MPs aprovadas nas últimas semanas também, como a 945 para trabalhadores portuários avulsos, que estabelece a possibilidade de o órgão gestor contratar empregados por prazo de até 1 ano para trabalhar nas hipóteses de paralisação dos serviços portuários por, dentre outros motivos, expressamente "greves, movimentos de paralisação e operação-padrão". Ou seja, a legalização do “fura-greve”.

Os “novos vulneráveis”

Em 2015, a indústria concentrava apenas 10% de informalidade do trabalho no setor, fato que, pra economia brasileira, marcada pela informalidade do trabalho, é um percentual bastante baixo. Além disso, o salário médio do trabalhador industrial no Brasil era de R$ 2629,00 (acima da média salarial nacional). Um dos objetivos da reforma trabalhista era diminuir salários e direitos do setor formal da indústria, considerados pelos empresários internacionais “privilegiados demais”. Com esse rebaixamento de salários massivo e retirada de direitos durante essa crise, isso parece acelerar como nunca nos últimos meses. [7]

Pesquisadores divulgaram nos últimos dias uma análise [8] sobre os grupos mais vulneráveis do ponto de vista não apenas de saúde mas também econômico diante da pandemia. Um dos grupos apontados, equivalente a 46% da força de trabalho, é o de trabalhadores como os da indústria não essencial, que apesar de terem vínculos formais e mais estáveis, atuam em setores prejudicados por não terem sido considerados essenciais pelas políticas de combate ao coronavírus ou por terem sido especialmente afetados pela paralisia da economia, sofrendo rebaixamento de salários ou demissões.

A pesquisa aponta como mais vulneráveis o grupo de mulheres e negros em setores instáveis e informais, entretanto a participação de homens e mulheres brancas nesse outro grupo vulnerável apontado, que os pesquisadores classificam como "novos vulneráveis", mostra um importante alerta: é sintoma que a crise chegou a setores mais amplos do que aqueles que eram tipicamente precarizados. Essa contrarrevolução trabalhista terá de se haver com grandes processos de luta de classes para poder impor-se, e a pandemia do coronavírus tende a trazer essas contradições à tona.

Diversos setores precários se insurgem, principalmente os que estão na linha de frente, como os inúmeros protestos de trabalhadores da saúde que ocorrem por todo o Brasil. É urgente criar uma coordenação nacional de trabalhadores eleitos pela base, que possa pressionar as grandes centrais sindicais, como a CUT e a CTB, para que impulsionem e unifiquem essas lutas, em vez de ficarem na postura passiva e traidora de negociar acordos com base a essas MPs em todo país. É preciso que exijam uma contundente lei contra as demissões, a revogação dessas MPs e a paralisação com licenças remuneradas para todos os setores não essenciais.

Longe de nos curvarmos à passividade em períodos não revolucionários como fazem essas centrais, é necessário que nos apoiemos no legado de Trótski e Gramsci que entendiam toda a importância dos meios defensivos para perfurar a casca da democracia burguesa e avançar a consciência dos trabalhadores à ruptura das ilusões com a mesma. Para isso, levantavam a consigna da Assembleia Constituinte, buscando exigir os elementos mais democráticos presentes no período da democracia burguesa como forma de ganhar uma parcela cada vez maior da classe operária para um programa revolucionário.

Diante dessa completa degradação dos direitos trabalhistas constitucionais e da democracia, tutelada pelos militares e outros setores sem voto como o STF, se faz cada vez mais necessária a reivindicação de derrubar Bolsonaro, Mourão e os militares, impondo pela luta uma assembleia constituinte, com representantes eleitos e revogáveis, que possam revogar esses ataques e decidir quais são as medidas que realmente precisamos. Quem sabe assim possamos avançar para uma sociedade controlada pelos trabalhadores e não pela irracional “contabilidade” dos capitalistas, nas palavras de Trótski:

“Aos capitalistas, principalmente os de pequena e média envergadura, que às vezes propõem abrir seus livros de contas diante dos operários - sobretudo para Ihes mostrar a necessidade de diminuir os salários - os operários devem responder que o que Ihes interessa não é a contabilidade de falidos ou semifalidos isolados, mas a contabilidade de todos os exploradores. Os operários não podem nem querem adaptar seu nível de vida aos interesses de capitalistas isolados e vítimas de seu próprio regime. A tarefa consiste em reconstruir todo o sistema de produção e distribuição sobre princípios mais racionais e mais dignos. Se a abolição do segredo comercial é a condição necessária ao controle operário, este controle é o primeiro passo no caminho da direção socialista da economia.”

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    Bianca Rozalia Junius

    Equipe do podcast Peão 4.0 e militante do MRT
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