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CONVENÇÃO CONSTITUINTE | Convenção Constituinte no Chile e a luta por uma assembleia constituinte livre e soberana no Brasil

Ítalo GimenesMestre em Ciências Sociais e militante da Faísca na UFRN

quinta-feira 20 de maio de 2021 | Edição do dia

Bolsonaro protagoniza a condução do país para chegar em 450 mil mortes pela COVID e uma “pandemia” de trabalho precário, desemprego, fome e desmantelamento das universidades públicas. Amigo do presidente chileno Sebastián Piñera, ambos compartilham o saudosismo do período das ditaduras militares na América Latina, onde as burguesias nacionais desses países garantiram na bala os interesses do imperialismo contra as massas. No Chile, o período militar significou fazer do país um laboratório internacional do neoliberalismo, privatizando estatais, as aposentadorias e retirada de direitos trabalhistas. Paulo Guedes trabalhou no Chile nessa época e defende esse modelo para o país.

A classe trabalhadora e a juventude, em especial das mulheres, negros e LGBTs, estão pagando os custos da crise ao redor do mundo, onde os capitalistas e os governos atuam para salvar seus lucros, e não as nossas vidas da pandemia. No Brasil, Bolsonaro e Guedes não são os únicos responsáveis por isso. Todo o regime do golpe institucional, que teve início em 2016 para aprofundar os ataques dos governos do PT. O STF, o Centrão, com apoio da Globo defendem sucatear o SUS para pagar a dívida pública com a lei do teto de gastos. Disseram que a Reforma Trabalhista iria criar empregos, criando um país de informais e desempregos que tiveram que se virar para não morrer de fome na pandemia.

Portanto, viemos defendendo nesse diário que o impeachment, e por consequência, a CPI da COVID contra Bolsonaro, não têm objetivo de salvar vidas, quem dirá dar resposta aos problemas sociais da crise. Têm a função de preservar o regime do golpe institucional, todo seu legado econômico e repressivo, da qual Bolsonaro faz parte, por mais que façam oposição discursiva com ele. Manterá intacto o avanço autoritário que impôs uma tutela militar e judicial sobre os novos governos, uma nova Lei de Segurança Nacional (pseudo)democrática que mantém heranças repressivas da ditadura. Um avanço que está a serviço de seguir com novas reformas, privatizações e ataques às condições de vida. Teria como resultado Mourão na presidência, e por hora serve aos fins políticos desse regime de desgastar Bolsonaro e canalizar para eleições de 2022 o descontentamento social crescente.

Como alternativa, nós do Esquerda Diário sempre defendemos uma saída política que seja pelo Fora Bolsonaro, mas também Mourão, os militares e todos os atores desse regime reacionário do golpe de 2016. Ou seja, que não basta mudar os jogadores ou políticos da vez, mas todas as regras do jogo político que exclui cada vez mais as maiorias populares, trabalhadoras e pobres das principais decisões que dizem respeito às suas vidas e ao futuro das novas gerações nesse país, em favor do que querem meia dúzia de empresários brasileiros e das potências centrais do capitalismo. Por isso defendemos nos locais de trabalho, estudo e moradia construir uma mobilização nacional massiva nas ruas contra os ataques capitalistas aos trabalhadores e a juventude e que exija a convocação de uma nova Constituinte, que seja livre e soberana.

O Chile nos ajuda a entender por que a defesa da proposta de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana é a uma que aponta uma saída revolucionária para o governo Bolsonaro/Mourão e o regime do golpe.

Em 2019 começaram a acontecer manifestações radicalizadas contra o aumento dos transportes no Chile, que se transformou em uma rebelião de massas nas ruas. Os chilenos começaram a dizer “não são 30 pesos, mas 30 anos”. Ou seja, passou a ser uma rebelião que queria o fim de toda herança neoliberal e repressiva da ditadura de Pinochet ainda vivas, como na privatização do sistema de saúde, das universidades e da previdência social.

Foram meses de lutas radicalizadas nas ruas, com milhares de jovens se enfrentando contra o aparato repressivo da polícia, que cometeu uma série de prisões arbitrárias, abusos sexuais e morte de manifestantes. Os momentos mais agudos se deram com a entrada em cena dos trabalhadores, que protagonizaram uma forte greve geral pela queda de Piñera.

Diante de uma profunda crise, o governo Piñera convocou a chamada Convenção Constituinte, com objetivo de canalizar o ódio social das ruas para o interior do próprio regime pinochetista. Uma convenção anti-democrática desde a sua convocação: restringia o direito a voto a menores de 18 anos para impedir que se expressasse na votação a rebeldia da juventude que protagonizou a revolta; garantiu impunidade para os crimes repressivos de Piñera e da polícia; permitia que 1/3 dos votos fosse suficiente para vetar toda iniciativa fundamental, o que privilegiava as forças da direita e de todo o regime. Portanto não se tratou de uma convenção nem livre, nem soberana: sua função é apenas redigir a nova constituição, e os poderes constituídos é que supervisionariam e teriam o direito de chancelá-la, ou não.

Fizeram parte do desvio desse processo os partidos reformistas do regime, como a Frente Ampla e o Partido Comunista stalinista, que defenderam a Convenção Constituinte ao lado de Piñera. A Frente Ampla chegou a votar a favor das leis criminalizantes de Piñera contra as manifestações, depois de assinar um “Acordo pela Paz” que permitia que o assassino Piñera seguisse na presidência. Através da Central Sindical CUT, o PC atuou para evitar que a greve geral do dia 12 de Novembro tivesse continuidade, o que poderia ser fatal para Piñera e para sua tentativa de salvar o regime. A paralisação nacional puxada pelos portuários no dia 30 de Abril de 2021 a CUT cumpriu novamente esse papel, em meio à campanha eleitoral da Convenção Constituinte.

Mesmo expressando um enorme desvio da rebelião nas ruas, as eleições da Convenção Constituinte representaram um fracasso da direita representada nos partidos tradicionais que alteram o poder no Chile nas últimas décadas. Sequer conseguiram alcançar 1/3 dos parlamentares que redigirão a nova carta constituinte, necessários para terem poder de veto. A maior votação para os líderes independentes das Listas del Pueblo expressou, ainda que de maneira distorcida, a continuidade do rechaço às velhas representações do regime, ainda que expressem o mesmo programa semelhante ao da coalização conciliadora do PC e da Frente Ampla.

Ao mesmo tempo, se destaca a votação que tiveram os candidatos da “Lista Trabalhadores Revolucionários”, que no centro da rebelião mineira, a região de Antofagasta, conseguiu cerca de 20 mil votos para a candidatura de Lester Calderón para o governo regional, cuja eleição acontecia de maneira simultânea à da Convenção Constituinte. Ficando em quarto lugar, o jovem trabalhador industrial e militante do PTR (Partido dos Trabalhadores Revolucionários, organização irmã do MRT no Brasil, e que impulsiona o La Izquierda Diário no Chile).

Também foi eleita pelo PTR a médica do Hospital Regional, Natalia Sanchez, para o cargo de vereadora da comuna de Antofagasta. Ela que foi uma das organizadoras das brigadas de socorro do Comitê de Emergência e Resguardo durante a rebelião popular de 2019.

Foram candidaturas que se colocaram em suas campanhas a defesa de retomar as mobilizações de 2019 para levar até o final a luta contra o regime de Pinochet, defendendo o Fora Piñera e uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana, denunciando caráter nada livre, nem soberano da proposta de Convenção Constituinte em curso.

Essa proposta significaria impor o fim das funções do presidente e a dissolução do Congresso e tribunais superiores em uma Câmara Única de deputados constituintes eleitos por sufrágio universal, responsáveis por discutir a redação de uma nova Constituição. Dentro dos limites de uma democracia a serviço dos patrões, essa proposta é a mais democrática para discutir todos os problemas do país, que só podem ter solução enfrentando os interesses capitalistas e revogando todo legado neoliberal que arruinou a vida das massas.

Nesse sentido, a defesa da Assembleia Constituinte Livre e Soberana expressa o anseio de derrotar o regime de Pinochet despertou no Chile, e que se enfrenta com o desvio da Convenção Constituinte controlada do potencial da rebelião das ruas para dentro do regime, salvando as heranças da ditadura.

Por isso enfrentaria a resistência dos capitalistas, e permitiria aos amplos setores fazerem uma experiência com os limites da democracia burguesa, e avançar para a conclusão da necessidade de generalizar e massificar os mecanismos de auto-defesa e auto-determinação das lutas, como se deu de maneira embrionária com o Comitê de Emergência e Resguardo, ou ainda nos Cordões Industriais dos anos 70, capazes de impor um governo de trabalhadores de ruptura com capitalismo.

Essa perspectiva de superar o legado repressivo e neoliberal do regime chileno precisa servir de exemplo para as lutas que precisam se desenvolver aqui no Brasil. A defesa de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana também aqui é a única alternativa independente de combate a Bolsonaro, mas também a todos os políticos, juízes e militares que impuseram o regime do golpe institucional, são responsáveis por ele e sua tragédia, mas que agora tentam nos enganar com propostas como a CPI da COVID e o impeachment de que são aliados na luta contra ele.

E é também a única proposta que busca desenvolver as aspirações democráticas de amplos setores, impedindo que seja canalizada pela política de conciliação petista, que busca voltar a governar com os golpistas e para os capitalistas em 2022. Lula já promete que irá avançar as privatizações e perdoa os militares, o Centrão e o STF, que aceita governar sob sua tutela, mesmo que tenham levado o país à calamidade que estamos vivendo. A defesa CPI da COVID e o impeachment são complementares a essa estratégia eleitoral, garantida pelo papel de contenção das burocracias dos sindicatos da CUT e CTB, mas também das entidades da UNE, que atuam para conter e isolar todas as expressões de resistência aos ataques que surge.

Vergonhosamente toda a esquerda, do PSOL, PSTU junto com os stalinistas do PCB e da UP, se adaptam profundamente a essa política do PT e suas burocracias, alinhada com os golpistas do STF e do Centrão, apoiando as iniciativas de frente ampla pelo impeachment até mesmo ex-bolsonaristas como Joice Hasselmann e Alexandre Frota.

Em uma nova Constituinte imposta pela luta, será possível debater para amplos setores populares a necessidade de revogar cada reforma que foi aprovada pelo governo Temer e Bolsonaro, cada corte nas universidades, na saúde e educação, e avançar em medidas que rompam com a propriedade dos capitalistas. O não pagamento da dívida pública, nacionalização e redistribuição das terras como parte de uma reforma agrária radical, que garanta alimento para a população e terra aos indígenas e camponeses, dentre outras medidas que só derrubando esse regime através da força da nossa classe. Em toda a América Latina, lutamos por governos de trabalhadores de ruptura com os capitalistas, rumo a uma República Socialista de Estados Latino Americanos, varrendo todo domínio imperialista dos nossos territórios, como parte da batalha pela superação do capitalismo em cada canto do mundo.




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