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UFMG | Eleições DA FAFICH: qual entidade precisamos para fortalecer o movimento estudantil?

O Diretório Acadêmico da FAFICH (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas) está em período eleitoral. Estivemos afastados dos espaços presenciais da UFMG após mais de um ano e meio no qual a pandemia se arrastou pelo país com o negacionismo do governo Bolsonaro-Mourão e o descaso dos governos e dos empresários, de forma que para muitos estudantes essa vai ser a primeira experiência de escolha da representação do DA e dos debates envolvidos no movimento estudantil. Por isso, pensar qual entidade precisamos é essencial para que todos os estudantes sejam sujeitos não só nas eleições, mas na vida ativa da organização e dos posicionamentos políticos da nossa faculdade.

Elisa CamposFilosofia - UFMG

Mafê MacêdoPsicóloga e mestranda em Psicologia Social na UFMG

sábado 4 de setembro de 2021 | Edição do dia

Foto: Reprodução/UFMG

O governo Bolsonaro e Mourão se sustenta pelo apoio dos militares e do centrão, e apesar das inúmeras disputas entre os poderes, incluindo as absurdas ameaças golpistas, governadores, Congresso e judiciário terminam por se unificar ao governo quando se trata de atacar nossos direitos. Além das mais de 580 mil mortes pela pandemia, nosso país é atravessado por níveis de miséria, fome e desemprego históricos. A saúde e a educação não passaram ilesos dos ataques nem em em meio a pandemia, e as universidades e centros de pesquisa que poderiam reverter todo o seu incrível potencial para desenvolver iniciativas rápidas e massivas para o enfrentamento a Covid-19 sofreram ataques e cortes de verba que paralisaram atividades e ameaçaram o fechamento de universidades no país. A autonomia universitária foi posta em cheque com a nomeação de reitores interventores escolhidos por Bolsonaro e não pelas comunidades acadêmicas, mostrando as heranças das ditadura militar ainda presente nas estruturas de poder universitárias.

Neste cenário, uma ampla camada de estudantes e trabalhadores viram a necessidade de ir às ruas, inspirados nos colombianos que disseram que se um povo sai às ruas em meio a pandemia é porque o governo é mais perigoso que o vírus. Os estudantes, professores e técnicos da UFMG foram vanguarda das ruas em Belo Horizonte, aliás como sempre foram em processos de luta pelos direitos e em defesa da educação. A FAFICH, como centro das ciências humanas, além de se debruçar sobre a reflexão e a crítica da sociedade, também sempre é ponta de lança nos enfrentamentos ativos das ruas. Assim, as eleições do DA FAFICH que atravessam este contexto suscitam o debate sobre o papel de uma entidade estudantil que seja ferramenta de resgate desse sentido, pois cada vez mais se coloca a urgência de que não assistamos passivos à destruição do nosso futuro, e através da luta possamos arrancar nossas demandas, o que passa por fortalecermos o movimento estudantil em unidade com os trabalhadores, a população pobre, os indígenas e todos os setores oprimidos.

É a partir deste ângulo que nós da Faísca – Juventude Anticapitalista e Revolucionária, queremos debater com as chapas que se conformaram para as eleições do DA FAFICH, e convidamos todos os estudantes a refletirmos em conjunto. As campanhas eleitorais irão até o dia 09/09, haverá um debate entre chapas no dia 08/09, e a votação será no dia 10/09. Duas chapas se formaram: a chapa 1 – “FAFICH em movimento” é composta pelas organizações de juventude Afronte e Juntos (PSOL), Correnteza (UP) e MUP (PCB), que também são parte da atual gestão do DA e do DCE da UFMG. A chapa 2 – “Ainda nos cabe sonhar”, apesar de não declarado em nenhuma publicação, é construída pelo Levante Popular da Juventude e pela UJS (PCdoB), com apoio de correntes do PT, organizações que estão atualmente à frente da direção majoritária da UNE (União Nacional dos Estudantes), a entidade dos estudantes a nível nacional.

Escrevemos esse artigo como forma de contribuir com o debate sobre quais os desafios na construção da nossa entidade para fortalecer uma perspectiva de entidade como ferramenta de luta e organização dos estudantes. Fazemos isso a partir das experiências acumuladas no movimento estudantil da FAFICH, em especial com nossa participação à frente da gestão do Centro Acadêmico de Filosofia, o CAFCA, nos últimos anos.

A Chapa 2 para as eleições da FAFICH defende em sua página do Instagram uma concepção de entidade que serve meramente para que as demandas dos estudantes sejam levadas para as reuniões com a diretoria, subordinando nossas iniciativas às vias institucionais de atuação, espaços dirigidos por integrantes da burocracia universitária ligada a Reitoria que impedem o avanço das nossas pautas e onde os estudantes têm o menor peso de decisão ainda que sejamos a maioria da comunidade. As organizações que constroem a Chapa 2, Levante, UJS (PCdoB) e PT, já foram responsáveis na FAFICH e na UFMG por levarem a frente gestões de entidades completamente despolitizadas e afastadas dos estudantes, como foi durante o golpe institucional de 2016 e nas ocupações secundaristas em que os chamados a organização tiveram que partir de forma independente pelos estudantes, pois as entidades dirigidas por essas organizações ficaram completamente paralisadas frente a disposição de luta dos estudantes. Além de que em questões importantíssimas como a Reforma da Previdência ou o perdão das dívidas das igrejas, os governadores e alguns parlamentares do PT e do PCdoB votam junto do governo Bolsonaro contra os interesses dos trabalhadores e da população, e hoje, na UNE, se esforçam em separar as lutas de estudantes e trabalhadores apesar de serem direções majoritárias de ambos os setores.

Essa é uma primeira diferença importante que temos sobre qual a concepção de movimento estudantil. Acreditamos que nesse sentido é muito importante que a Chapa 1 esteja defendendo que “a entidade não se restringe somente ao papel formal de representação, mas também deve estar à serviço da mobilização permanente do corpo discente para as lutas e desafios do nosso tempo”. Partimos disso para apontar outros elementos que consideramos fundamentais para fortalecer a unidade de todos os estudantes que veem a necessidade da construção de um movimento estudantil combativo e de esquerda na FAFICH. Em primeiro lugar é chamativo que nas páginas do Instagram das chapas concorrentes apareça menos na Chapa 1 publicações que envolvam a denúncia do governo Bolsonaro e do ministro da Educação. Essas pautas precisam ser tomadas de forma profunda pela Chapa 1, em função de fomentar a organização dos estudantes, sem cair em fórmulas abstratas da luta, mas sim com um conteúdo político que expresse a fortaleza da tradição do movimento estudantil da FAFICH.

A Reitoria da UFMG já organiza o Ensino Híbrido Emergencial, que significará o retorno parcial das atividades no campus, e para isso atropela as demandas dos estudantes por assistência, distribuição de EPI’s, e inclusive tenta atacar as entidades estudantis estipulando que para termos nossos espaços físicos precisemos estar regularizados em cartório, o que exige um dispêndio imenso de força e fere a legitimidade das eleições pelas entidades. Além de que, na FAFICH, a diretoria junto a Reitoria avançam para colocar catracas em nosso prédio, uma medida absurda e racista que concretamente serve à elitização da nossa faculdade, e pode impedir vendedores ambulantes, inclusive os que são parte da comunidade a muitos e muitos anos, de circularem pelo prédio. Ao contrário da política de subordinação das entidades aos moldes da burocracia universitária como é a concepção da chapa 2, a defesa dos nossos espaços físicos sem catracas como já defende a Chapa 1, deve ser motor da organização dos estudantes pelas bases e de forma ampla, além da legitimidade de todos os Centros Acadêmicos do prédio e das demandas relacionadas ao retorno presencial, e não de tentativas de negociação de cúpula com a Reitoria como fazem os mesmo movimentos da Chapa 1 através do DCE (Diretório Central dos Estudantes da UFMG), em que estão como gestão.

Não podemos ver se repetir o erro de confiar que, na luta contra os cortes do MEC e do reacionário Milton Ribeiro, a Reitoria irá ceder nas nossas demandas. Como por exemplo em relação à transparência dos termos da assistência estudantil, hoje controlada pela FUMP, uma instituição que se diz sem fins lucrativos mas que esconde dados, e inclusive já publicou dados errados sobre o orçamento público da assistência, andando sempre de mãos dadas com a Reitoria. Inclusive o fim da FUMP já foi uma demanda abertamente levantada pelo movimento estudantil da FAFICH, que pouco a pouco foi sendo abandonada em troco de um convívio mais pacífico das organizações de esquerda com a burocracia universitária que administra a crise imposta pelo governo. Ou como, em outro exemplo, foi com a imposição do Ensino Remoto Emergencial (ERE), em que não foi levado adiante pelo DCE nenhuma política que envolvesse o conjunto dos estudantes para decidirem sobre o ERE, e que naquele momento se colocavam em maioria contrários a esse modelo de ensino que adoeceu mentalmente estudantes, professores e trabalhadores por sobrecarga, em meio a uma pandemia em que a UFMG poderia cumprir o papel de se ligar às demandas mais urgentes da população ao invés de cumprir um calendário sem sentido imposto pelo MEC de Bolsonaro com um ensino imensamente prejudicado. Cada uma das nossas demandas não serão dadas de mão beijada pela Reitoria por fora de fomentar nossa mobilização para intervirmos e decidirmos sobre elas.

Além disso, não podemos nunca nos furtar da defesa dos trabalhadores terceirizados, em maioria mulheres negras que entram pela porta dos fundos da universidade e não tem acesso a ela, as quais a Reitoria também mantém com os piores salários e condições de trabalho. A Faísca sempre convocou a que o movimento estudantil levantasse a necessidade de que os terceirizados sejam efetivados para terem direitos como qualquer outro trabalhador da universidade, e sem concurso público, pois as trabalhadoras que já cumprem seu papel todos os dias não precisam provar sua competência em fazê-lo, e sim terem seus direitos mínimos de estabilidade garantidos. Convocamos a Chapa 1 para esta defesa, pois não pode ser que em uma faculdade em que estudemos as consequências históricas da colonização e da escravidão no país convivamos com essa realidade racista.

Outro elemento político central que aparece na campanha eleitoral é que ambas as chapas clamam por unidade para enfrentar o governo Bolsonaro. Mas qual unidade e com quem ela seria? A resposta para esse segundo elemento político não aparece em destaque.

Pois apesar de separadas em duas chapas, os posicionamentos dos partidos envolvidos em ambas se unificam no programa político que foi levantado por todo o último período sobre o impeachment de Bolsonaro, que levou a que a dita unidade se desse com figuras reacionárias da direita. Pois o programa por impeachment significou, em última instância, que todos as organizações tanto da Chapa 1 quanto da Chapa 2 se reunissem com figuras como Kim Kataguiri (MBL) ou Joyce Hasselmann (PSL, ex partido de Bolsonaro) para pedir “pelo amor de Deus” a que Arthur Lira, presidente da Câmara e cacique do centrão, levasse a frente o processo institucional típico da democracia burguesa que, concretamente, daria o lugar do sujo Bolsonaro ao mal lavadíssimo Mourão, general defensor da ditadura militar. O que, inclusive, Lira nunca fez e nem fará, pois está resguardado pelos orçamentos secretos que mantém os bolsos do centrão cheios no meio da tragédia que a população vive cotidianamente, além de que a relativa estabilidade do governo permita que as privatizações como a da Eletrobrás e dos Correios avancem, assim como os ataques aos direitos trabalhistas de todo tipo, ou os cortes estrondosos na educação com a manutenção da PEC55 do Teto de Gastos e a flexibilização das leis ambientais de mãos dadas com os jagunços do agronegócio e do latifúndio, que oprimem os povos indígenas.

Nós da Faísca colocamos em todos os espaços do movimento estudantil na UFMG e nacionalmente a necessidade que as correntes de esquerda não confiassem na saída institucional do impeachment e se colocassem com toda sua força por Fora Bolsonaro e Mourão, através da nossa força nas ruas, em unidade com os trabalhadores que irromperam em greves parciais, como a exemplar luta contra a escravista MRV em Campinas (SP) ou a atual greve dos metalúrgicos da Sae Towers em Betim (MG) e dos rodoviários da Carris em Porto Alegre (RS), como pontos de apoio para a coordenação de um plano de lutas que pudesse paralisar o país em uma greve geral que barrasse os ataques em curso. Essa é a unidade que acreditamos ser a única que realmente pode enfrentar o governo Bolsonaro-Mourão.

Nesse meio tempo, o PT, que é parte da direção majoritária da UNE e também direção dos maiores sindicatos e movimentos sociais do país - e tem, portanto, uma enorme influência sobre amplos setores - entrou em franca campanha eleitoral para 2022, apostando que através da administração da cada vez mais degradada democracia brasileira será possível construir um “Brasil feliz de novo”, com Lula voltando a girar o país em busca de acordos com os partidos que votam hoje a favor de ataques do governo Bolsonaro, de mãos dadas a figuras históricas da direita, como FHC (PSDB), Sarney (MDB), viúva da ditadura militar, e uma lista cada vez pior. Esse falso discurso que basta votar em 2022 para reconstruir o Brasil é parte do que defendem as organizações que compõem a chapa 2 e se trata de uma grande ilusão. No marco de uma crise econômica, política e social sem precedentes, um governo do PT não se proporia a revogar os ataques implementados pelos empresários capitalistas nacionais e imperialistas, além de esconder os ataques que também foram protagonistas em fazer quando foram governo por mais de 13 anos, rifando nossos direitos para os representantes do agronegócio, das igrejas e das forças repressivas, o que teve como final trágico o golpe institucional de 2016 dado pelos mesmos setores com que se aliaram (é preciso lembrar que Temer não caiu do céu ou veio do inferno como seria mais próprio dessa figura, mas sim era vice-presidente).

Como consequência dessa busca por alianças eleitorais com a direita, o PT não girou suas forças para garantir a unidade de estudantes e trabalhadores nas ruas contra o governo Bolsonaro, política que também seguiu o PCdoB, que recentemente em Betim chegou ao cúmulo de apoiar a prefeitura do milionário prefeito Mediolli contra a greve dos professores. Apesar de terem sido pressionados pela disposição de luta que se expressou no último período para convocar atos nacionalmente, o fizeram de forma espaçada e nos finais de semana, sem organizar pelas bases das universidades e locais de trabalho espaços democráticos (como assembleias) que pudessem decidir sobre os rumos da luta, o que levou a que, nas palavras de um dirigente da CUT, os atos “perdessem a tração" com o tempo. Essa visão que separa as lutas, mantendo cada uma isolada sem construir uma unidade real entre a classe trabalhadora, a juventude e os movimentos sociais é a que os movimentos que constroem a chapa 2 levam a frente por todo país e não podemos permitir que ganhem terreno em nosso DA.

Contra essa traição da nossa luta a esquerda precisava levantar um programa independente, mas como dissemos anteriormente, esteve unificada ao petismo em torno do posicionamento político comum do impeachment, alimentando confianças no Congresso e no STF junto a direita, se recusando a aprovar chamados para que a UNE e as grandes entidades sindicais como a CUT e a CTB saíssem da sua campanha eleitoral para organizar um plano de lutas desde a base de cada universidade e local de trabalho. E esse é o principal debate político que fazemos com a Chapa 1. Pode ter passado despercebido pela maioria dos estudantes, inclusive pelos que lêem agora este texto, mas apesar do discurso sobre unidade houve uma divisão interna entre as organizações que hoje compõem essa chapa. O fato é que no primeiro momento o Correnteza (UP) não confirmou a unidade com Afronte e Juntos do PSOL para a Chapa 1, e frente a isso essas duas últimas juventudes chamaram pela unidade através de justamente dizer que não importam as diferenças políticas diante da conjuntura nacional. Achamos que a falta de um espaço unificado, uma plenária ou uma reunião, organizado pelo conjunto das forças da esquerda radical que atuam na FAFICH junto a todos os estudantes independentes que querem construir o DA, impediu que se consolidasse uma potente discussão que se unificasse pelo conteúdo dos posicionamentos e propostas da chapa envolvendo todos esses setores, ao invés de acordos internos entre as correntes cujo conteúdo os estudantes em geral não puderam ter acesso.

Nós da Faísca queremos fortalecer nossas entidades estudantis para que elas sejam ferramentas de luta dos estudantes. Queremos entidades vivas onde cada jovem que vê seu direito à educação ameaçado e seu futuro sendo destruído por esse sistema capitalista de miséria possa também se ver como agente de transformação dessa realidade, em unidade com a classe trabalhadora e os movimentos sociais, como a impressionante mobilização dos indígenas que estão em pé de guerra com o regime racista e colonialista brasileiro, ou os trabalhadores que entram em greve na luta por seus direitos, enquanto os patrões lucram cada vez mais na pandemia. Queremos uma unidade construída em base a todos os estudantes como sujeitos políticos, com debates democráticos e profundos que permitam, apesar das diferenças, que possamos avançar no objetivo comum de luta contra os que nos atacam. Lutamos por assistência estudantil para toda a demanda, pela defesa das cotas e pelo fim do vestibular para abrir a universidade a toda a juventude negra, indígena, pobre e trabalhadora, pela revogação do Teto de Gastos e de todos os cortes na educação, entre tantas outras pautas. Nos inspiramos nos vários exemplos de luta dos trabalhadores como é hoje a greve dos metalúrgicos da empresa Sae Towers de Betim, ao lado de BH, para a qual convidamos ambas as chapas e todos os estudantes, entidades e movimentos a oferecerem solidariedade ativa.

Saiba mais: Participe da campanha de apoio à greve da Sae Towers feita pelos estudantes da UFMG

Por essas questões levantadas aqui, a Faísca não constrói nenhuma das duas chapas, mas seguimos como parte dos estudantes que querem um DA de luta e que estarão lado a lado em cada processo por nossas demandas. Acreditamos que seria um retrocesso para o movimento estudantil da FAFICH se aqueles que nacionalmente são responsáveis por dirigir nossas entidades de forma absolutamente burocrática, como são as organizações que compõem a chapa 2, estivessem em nosso DA. Por isso, apesar das nossas diferenças, chamamos voto crítico na Chapa 1 – “FAFICH em Movimento”, e nos propomos a debater fraternalmente as propostas que apresentamos nesse texto com todos aqueles que constroem e apoiam essa chapa, como forma de fortalecer a possibilidade de construção da unidade entre todos os lutadores de esquerda dentro da nossa universidade, uma questão que se coloca ainda mais fundamental diante dos desafios da nossa geração.




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