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Sepé Tiaraju – ou Djekupé A Djú – liderou a resistência dos povos indígenas ao tratado de Madrid, entre Espanha e Portugal, que levaria ao deslocamento forçado de uma população de dezenas de milhares de pessoas na região das Sete Missões Orientais, que hoje integra o estado do Rio Grande do Sul. Foi assassinado numa emboscada em 07 de fevereiro de 1756, e dois dias depois o exército Guarani foi massacrado pelas tropas luso-espanhóis na batalha ou massacre de Caiboaté, com mais de 1500 mortos.

Thiago FlaméSão Paulo

domingo 7 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

Crédito da ilustração: Sandro Andrade/ ilustração feita para o livro ‘Sepé Tiaraju’, de Luís Rubira. Livro publicado pela Fundação Callis

Apesar de pouco conhecido para a maioria dos brasileiros, a figura de Sepé Tiaraju está incrustrada na história de resistência do povo Guarani e todos os povos indígenas. Envolta em inúmeras lendas populares, se trava uma grande disputa histórica em torno da sua figura heroica. Nesses mais de 260 anos, desde o primeiro momento os colonizadores e a igreja tentam, não apagar, pois seria impossível, mas assimilar a figura de Sepé Tiaraju. No Rio Grande do Sul, além de uma cidade chamada São Sepé, e um rio com o seu nome, foi declarado “herói guarani missioneiro rio-grandense”. Há poucos anos, em 2015, o Paço Municipal da prefeitura de Porto Alegre passou a se chamar Sepé Tiaraju. Também está em curso, desde o ano passado, seu processo de canonização pela Igreja Católica.

É comum na literatura sobre o tema as missões serem tomadas do ângulo que a via Voltaire, como uma grande obra humanitária e muitos ressaltam os elementos coletivistas das reduções jesuítas, a ausência de propriedade privada, o sistema de educação e outros pontos. Eram, no entanto, parte da estratégia de ocupação territorial da coroa espanhola. Expressavam uma estratégia de colonização alternativa, que não passava pela escravização dos nativos, por isso viviam em pé de guerra com os bandeirantes paulistas e colonos da região. Foram tolerados pelos espanhóis enquanto foram úteis. As missões chegaram a reunir povoados que somavam mais de 140 mil indígenas, sobretudo Guaranis. O objetivo dos jesuítas era assimilar culturalmente os índios e inserir entre eles a propriedade privada, o que nunca conseguiram. Além disso, ainda que os postos como o de corregedor – uma espécie de prefeito - fossem votados e se sobrepusessem sem eliminar a estrutura tribal, eram os padres que aplicavam os castigos, que exerciam o poder de justiça. Não existia pena de morte nas missões, mas sim a pena de banimento, prisão perpétua e açoites.

A chamada Guerra Guaranítica durou entre 1753 e 1756. Sua origem está no tratado de Madrid de 1750, em que a coroa portuguesa e espanhola trocam o território da Colônia de Sacramento pelo das Sete Missões, que passaria das mãos da Espanha para Portugal. Essa região das Sete Missões era, no entanto, fortemente povoada e o tratado previa a remoção de uma população de 30 mil índios, na maioria Guaranis.

Sepé Tiaraju era ao mesmo tempo conhecido como cacique, corregedor de São Miguel e alferes-mor (um cargo militar). Quando a monarquia espanhola e a ordem dos jesuítas determinaram a transferência das missões em cumprimento ao tratado, foram os povos indígenas que se sublevaram, arrastando alguns padres consigo. A frase que marcaria a declaração de guerra de Sepé Tiaraju, que se tornou o líder inconteste da sublevação Guarani, “essa terra tem dono”, ainda ecoa nas lutas dos povos indígenas e camponeses do Brasil. Sepé morreu em uma emboscada dois dias antes da batalha decisiva desta guerra. A batalha de Caiboaté, chamada por muitos historiadores de massacre por que do lado Guarani morreram 1500, enquanto o exército colonizador teve somente 10 baixas. Nessa batalha foi abandonada a tática de Sepé que se pautava por evitar enfrentamentos diretos contra um exército que era o dobro do seu, e o exército indígena adotou a tradicional formação em meia lua para o combate, tendo sido cercado e dizimado.

O tradicionalismo gaúcho foi pioneiro em tentar assimilar a história e o mito de Sepé aos chamados valores tradicionais da cultura gaúcha. Alguns se animaram a chamar Sepé de o “primeiro caudilho gaúcho”, apresentando o líder guarani como um índio cristianizado e catequizado. Porém as contradições desse relato são inúmeras e na década de 1950 foi negado o título de herói gaúcho para Sepé, sob a alegação de que ele combateu contra os portugueses e se tivesse triunfado a região das Sete Missões não teria sido integrada ao Continente de São Pedro, na área que hoje corresponde ao estado do Rio Grande do Sul, pois este certamente não seria o seu plano. É verdade. Sepé lutou e morreu combatendo o exército coligado de Portugal e Espanha, em defesa do seu povo. A erva mate produzida em grande escala nas missões pode ter se tornado parte da identidade do gaúcho, mas para assimilar o guerreiro Guarani é preciso antes desfigura-lo completamente.

No inicio deste século, quando o MST desencadeou uma série de protestos da região de São Gabriel intitulando esses movimentos de Sepé Tiaraju em homenagem ao guerreiro indígena e tomando para si a frase “essa terra tem dono”, os latifundiários da região desencadearam uma ofensiva nos jornais locais ironizando que o MST apresentava Tiaraju como um “Che Guevara de cocal”, quando na verdade seria um índio catequizado que lutava em defesa da propriedade da terra e também tomaram para si a frase “essa terra tem dono”.

O estudioso guarani Werá Tupã recupera a história de Sepé Tiaraju através da memoria oral da comunidade Guarani – aliás ele aponta uma correção no próprio nome do guerreiro, que seria na verdade Djekupé A Djú, que significa “guardião do cabelo amarelo”. Segundo o relato Guarani, Sepé não era Guarani, teria nascido em uma aldeia que foi devastada pelos colonizadores e adotado por uma importante família Guarani, que o criou para ser pajé até que ele se revelasse como um grande guerreiro. Tampouco ele teria sido criado pelos jesuítas, ou adotado a fé cristã.

“Essa terra tem dono” vai continuar ecoando ao longo dos tempos como o grito de guerra dos povos indígenas contra os invasores europeus. Se os latifundiários de hoje são herdeiros dos escravocratas espanhóis e portugueses que se juntaram para massacrar a resistência Guarani e de tantos outros povos, Sepé Tiaraju, ou melhor, Djekupé A Djú, segue vivo na luta dos povos indígenas e camponeses pela posse da terra que é sua, contra a usurpação de grileiros e latifundiários pela mais do que nunca aliados aos capitalistas da Faria Lima e da Bovespa.

Bibliografia Consultada:

Uma utopia possível: missões Jesuíticas em Guairá, Itatim e Tape, 1609-1767, e seu suporte econômico-ecológico

Guaranis desmentem livros e revelam nova história

O mito de Sepé Tiaraju: etnografia de uma comemoração

CONQUISTA DOS SETE POVOS DAS MISSÕES ORIENTAIS

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