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SEMANÁRIO

Golpismo, ameaças bolsonaristas e dos militares e a resposta autoritária do STF

Yuri Capadócia

Golpismo, ameaças bolsonaristas e dos militares e a resposta autoritária do STF

Yuri Capadócia

No último período vimos o tensionamento dos choques entre o bloco formado por militares e Bolsonaro de um lado e o STF de outro. Do Bolsonarismo e de seus filhos uma retórica golpista de bajuladores de Ustra. Dos militares a eles aliados ameaças ao Supremo. Mas também do Supremo uma defesa de medidas absolutamente autoritárias e arbitrárias. A medida que se aprofunda o confronto aberto entre os poderes, passa a ser crescentemente acompanhada das armas do arsenal autoritário de cada um dos atores. Essa escalada das tensões embaralha cenários, desde acordos precários e parciais até hipóteses disruptivas, impostas pela força ou sua ameaça forçando capitulações.

Bolsonaro e militares se imporão sobre o STF e governadores? O STF irá sangrar o bolsonarismo na opinião pública e criar base ou para conter ele e os militares, ou com sua ofensiva formular acordos entre a toga e a farda que contenham estes poderes para favorecer o papel do judiciário como arbítrio? Na ausência de resposta do movimento operário, golpeado pela ofensiva de capitalistas, pela aceitação e promoção de acordos pró-patronais pela burocracia sindical, permitem-se os atores sem voto da farda e da toga disputar quem irá tutelar um regime que, em suas disputas toma caras cada vez menos democráticas.

A medida que se acelera a crise orgânica no país, em que se exacerba as disputas autoritárias entre os poderes sem voto, mais se coloca a necessidade de respondermos a pergunta do revolucionário italiano Antonio Gramsci:

“ Como que são criadas essas situações de oposição entre representantes e representados, que do terreno dos partidos (organizações partidárias em sentido estrito, campo eleitoral-parlamentar, jornalístico) se reflete em todo organismo estatal, reforçando a posição relativa do poder da burocracia (civil e militar), da alta finança, da Igreja, e de todos organismos relativamente independentes da flutuação da opinião pública?” (Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere, Caderno 13 parágrafo 23).

As disputas autoritárias presente no dia a dia da crise política

Desde a semana passada vimos se escancarar a retórica agressivamente golpista dos filhos de Bolsonaro e ameaças do General Heleno ao STF em meio a uma disputa entre os dois candidatos a árbitro do degradado regime atual. A carta do general Heleno elevou o tom golpista, que foi corroborado pelo também general e ministro da Defesa Luiz Ramos e uma série de notas de apoio de militares da reserva, até a novidade do apoio do Clube Naval da Marinha. Porém, a ameaça aberta dos militares não foi suficiente para impedir que o STF, em particular o ministro Celso de Mello, liberasse quase na íntegra o vídeo da reunião ministerial (poupando atritos com a China que foram censurados) além de responder de advertir que o descumprimento de uma ordem do Judiciário configuraria crime de responsabilidade.

Nessa semana, não só o tom golpista prosseguiu, mas também se avançou em ações autoritárias. Na terça-feira vimos uma contundente ofensiva da Lava Jato carioca, buscando golpear um inimigo de Bolsonaro o não menos reacionário governador carioca Wilson Witzel. A ação, ordenada pelo juiz bolsonarista Marcelo Bretas, mostrou como a saída de Moro do governo não significou a perda definitiva de poder de fogo do bolsonarismo dentro do judiciário. Bolsonaro ainda conta com apoios no judiciário, como o próprio Bretas ou o procurador-geral Aras, que mesmo pressionado dentro do Ministério Público age como pode para blindar o presidente, de olho na recompensa da nomeação ao STF. Além do avanço da crescente ingerência de Bolsonaro sob a PF, jornalistas reportam que existiriam processos contra outros 7 governadores, mostrando a tentativa de avanço do poder pretoriano nas mãos do presidente e dos muitos generais no governo.

Do outro lado, o STF não tardou a responder a ofensiva, contra-atacando no dia seguinte, dando sua cartada com o arbitrário Inquérito das Fake News, em que o ministro Alexandre Moraes ordenou busca e apreensão nas residências de uma série de aliados bolsonaristas. Um processo que desde a origem emprega a máxima arbitrariedade do judiciário, quando em uma canetada Toffoli abriu um inquérito-julgamento para ser conduzido por Moraes sem ser incitado pela procuradoria abriu de ofício a investigação, montando a acusação para abarcar todos os inimigos possíveis do STF. Desde ali, o ministro passou a atuar sem nenhum disfarce tanto como inquisidor como julgador, numa ilegalidade que nem mesmo Moro se atreveu, dividindo as tarefas, ainda que orquestradas em conluio, com seu escudeiro Dallagnol.

Projetos autoritários em choque: entre soluções de força e acordos precários

As armas mostradas de cada lado representam o nível de autoritarismo a que esses atores do regime se propõe. Nesse contexto, embaralham-se cenários, em que soluções mais disruptivas com soluções de força imposta por um dos atores não é de se descartar. Um primeiro cenário de que tratamos aqui seria do bolsonarismo seguir seu curso de desestabilização do governo carioca, se valendo da capacidade de influência que possuem no Rio de Janeiro por meio das milícias. O caos produzido no estado justificaria novamente uma intervenção militar fortalecendo os poderes de repressão do Executivo, tanto de Bolsonaro quanto dos militares.

Outro cenário, seria de que na continuidade dos choques com o Judiciário, ganhasse força a orientação já discutida entre presidente e ministros de desobedecer as decisões do STF, acarretando numa ruptura institucional e numa espécie de golpe branco, sem tanques, sem rupturas mas que encolhesse radicalmente o poder do STF e fortalecesse sobremaneira o Executivo (deixando em aberto para depois militares e Bolsonaro conflitarem em quem manda no Planalto). Tal cenário também implicaria no fortalecimento dos militares, e conduziu à inevitável resposta do Supremo, que colocou suas divergências de lado para defender seu poder contra as investidas dos atores do Executivo central, através das conduções coercitivas que levaria a defesa dos generais palacianos por meio da força.

Esses são os cenários mais extremos de evolução dos conflitos. Entretanto, o fato mais recente,- o depoimento de Weintraub que acatou a decisão judicial indo até a PF para depor, ao mesmo tempo em que se negou a falar, mantendo o silêncio- demonstra a possibilidade de respostas parciais. Em torno dessas resoluções parciais para a crise política do regime advogam atores como Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e os empresários interessados na estabilidade para assegurar em primeiro lugar a reabertura da economia.

Entretanto, o impasse na correlação de forças entre essas duas alas impõe que mesmo na hipótese desses cenários menos extremos, se derão medidas autoritárias dos dois lados na tentativa de um bloco se sobrepor ao outro. Os generais não querem perder o protagonismo que já vinham angariando dentro do governo Bolsonaro, mas que escalonou em meio a pandemia fortalecendo-os como árbitros. Por isso incrementam seu comprometimento com o bolsonarismo e atuam junto para responder aos demais atores do regime que queiram diminuir o poder do Executivo. Do outro lado o STF age para ser novamente a mão autoritária do regime, a frente da condução dos interesses burgueses nacionais e imperialistas no país, papel que tiveram durante o golpe institucional e até as eleições, com a prisão e posterior proscrição de Lula, dois momentos em que sequestraram o sufrágio universal. Esse confronto atual assinala a ruptura dessa coalizão golpista, que passado o golpe se mostra incapaz de acomodar os interesses materiais divergentes das novas e velhas frações de classe.

O imperialismo e as patronais como fator de instabilidade

Os interesses empresariais de abrir a economia mesmo em meio ao pico pandêmico demandam uma concentração de forças dos agentes do regime, numa operação coordenada com o foco de impor essa política genocida de assegurar em primeiro lugar os lucros da burguesia em detrimento das vidas dos trabalhadores. Um operativo coordenado para responder aos inevitáveis choques da classe trabalhadora com tal política genocida.

A própria explosão da fúria negra que vemos nos EUA, com um novo levante do movimento Black Lives Matter (“Vidas Negras Importam”) mostra as tendências da luta de classes em meio a pandemia. Não à toa, são os negros que protagonizam esse levante incendiário no centro do imperialismo, afinal são eles o setor mais impactado pelo coronavírus, não por qualquer fator biológico apenas pelo racismo estrutural da sociedade norte-americana que relega aos negros as piores condições de vida, com trabalhos precarizados, ou mesmo desempregados, e com pior assistência médica.

No Brasil, o segundo país mais negro fora da África, se coloca fortemente essa tendência. À semelhança do estado racista estadunidense a polícia brasileira prossegue com seu genocídio da juventude negra; por aqui também são as populações negras as mais expostas a letalidade do vírus pelo racismo estrutural.Os olhos da burguesia brasileira se voltam com medo para a irrupção negra nos EUA, temendo a ameaça desse novo contágio.

Bolsonaro, em particular, certamente acompanha com ainda mais temor, de que essa contestação ao racismo do Estado, mas particularmente a contestação ao discurso racista explícito de Donald Trump, golpeie as perspectivas eleitorais de seu suserano, deixando a ele numa posição mais débil sem o apoio do imperialismo norte-americano. As incertezas em relação ao futuro político dos EUA impactam no jogo político aqui no Brasil. De um lado, colocam um freio para o STF avançar mais decididamente contra Bolsonaro. De outro, obrigam que Bolsonaro busque se consolidar mais, ter mais autonomia, diante da possibilidade da perda de um pilar.

O regime pós-golpe e o desalinhamento dos interesses materiais

O golpe institucional no país mobilizou uma ampla coalizão de atores institucionais e não institucionais, como o Congresso, a Mídia, a burguesia nacional, capitaneados pelo Judiciário que mobilizou uma numerosa base social da pequena burguesia, tudo orquestrado pelos interesses imperialistas, para implementar uma agenda de maiores ataques contra a classe trabalhadora e o rebaixamento da economia nacional, através de privatizações e desmonte das “global players” que vinham ganhando margem de manobra no mercado internacional.

Entretanto, é preciso destacar que a conformação dessa frente ampla de golpistas e sua ruptura com o hegemônico projeto de conciliação petista não significa que ele não estivesse contemplado nesse projeto. Sob os anos de gestão petista foram gestadas essas transformações econômicas, sociais e demográficas que irão desembocar na atual degradação do regime. O peso desproporcional que as commodities assumiram na economia nacional, com o agronegócio à frente se expandido pelo interior do país, mas também com crescimento das exportações de minério de ferro e petróleo; o lucro recorde dos bancos, sempre reivindicado por Lula, símbolo da crescente financeirização que alimentou o precário consumo das chamadas novas classes médias; mostram como o PT fomentou o desenvolvimento dessas forças que posteriormente se voltariam contra ele. Bolsonaro explicitamente busca dialogar com setores pequeno-burgueses que cresceram durante os anos lulistas, sejam eles as polícias e forças militares que aumentaram em orçamento e efetivo, caminhoneiros, subsidiados desde o governo Dilma, mas também salões de beleza, barbeiros, academias.

Para se aprofundar na reflexão sobre o desenvolvimento histórico dessas novas frações de classe, recomendamos esses textos anteriores deste suplemento: Quais heranças do lulismo explicam o bolsonarismo? e O PT plantou e Bolsonaro colheu: agronegócio e classes sociais no interior do país

A emergência desses novos atores também modificou o mapa das relações de poder do país. Esses setores dotados de uma capilaridade nas cidades puderam em momentos decisivos se associar ao capital financeiro e acelerar os desfechos em 2016 e 2018, mas agora com indefinições no horizonte dos contornos da luta de classes nos EUA, de quem resultará vitorioso naquela eleição, há dificuldade de um setor impor sobre outro. Os setores sociais burgueses e pequeno-burgueses que se desenvolveram, desafiam uma hegemonia anterior que não se sustenta mais, mas não terminam de se impor, e particularmente no caso de caminhoneiros, pequenos proprietários, estes sentem-se sistematicamente sub-representados e buscam e tendem a atuar com uma lógica “anti-sistema” para fortalecer seu poder político, aumentando sua representatividade. Mais do que pela via do sufrágio a forma encontrada por esses setores para deslocar o poder das mãos dos setores tradicionais estabelecidos da política brasileira foi por meio das instituições sem voto. Como vemos na desproporção de personagens oriundos da região sul tanto no judiciário quanto dentro das Forças Armadas, instituição que foi ponto central do golpe.

Novamente recorremos a Gramsci ao tratar especificamente dos estratos burocráticos, civis e militares, ele se indaga: “A primeira investigação a fazer é esta: existe em um determinado país um estrato social difuso para o qual a carreira burocrática, civil e militar seja um elemento muito importante da vida econômica e de afirmação política (participação efetiva no poder, ainda que seja indiretamente por “extorsão”?”. Feito isso afirma que a tendência a difusão desse estrato se altera e cumpre um papel decisivo no desfecho das crises orgânicas quando “o processo se acelera quando a “vontade” específica desse grupo coincide com a vontade e os interesses imediatos da classe alta; não somente o processo se acelera, mas também se manifesta imediatamente a “força militar” desse estrato, que uma vez organizado dita lei às classes altas, ao menos no que diz respeito à “forma” da solução e não a seu conteúdo”. (Cadernos 13, XXIII).

Durante as eleições de Bolsonaro vimos novamente a conformação dessa frente ampla da burguesia para eleição desse herdeiro indesejado do golpe. Entretanto, desde a eleição de Bolsonaro e a implementação de seu governo vimos também com passou a prevalecer no regime brasileiro as disputas entre os setores da velha e da nova direita, símbolo das pressões materiais divergentes a que atendem essas forças não assentadas no regime pós-golpe.

Precisamente, na exacerbação do conflito entre esses dois pólos contraditórios de interesses que podemos situar a tendência atual a maiores choques autoritários entre os poderes.

Todas essas disputas entre projetos autoritários de poder, entre os diferentes atores do regime e os interesses materiais a que respondem, recolocam a importância da emergência de um projeto alternativo da classe trabalhadora frente ao aprofundamento da degradação da democracia brasileira. Para além de uma resposta anti-governo, que passa pelo Fora Bolsonaro e Mourão, é preciso apontar uma saída independente dos trabalhadores para a crise de regime. Contra a imposição desses poderes autoritários sem voto, são os trabalhadores que precisam decidir. Por isso, nesse momento defendemos a consigna de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que permita aos trabalhadores atuarem não só sob as peças do jogo, mas sob suas regras como um todo para avançar por um governo operário rumo ao socialismo.


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