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COLUNA | Não há dúvida jurídica

terça-feira 9 de março de 2021 | Edição do dia

A decisão de ontem do ministro do STF Edson Fachin de anular todas as condenações proferidas contra o ex-presidente Lula pela 13ª Vara Federal da Justiça de Curitiba, responsável pela Lava Jato, com o argumento que o julgamento não poderia ter sido feito pelo órgão e sim pela justiça federal do DF, gerou uma certa incógnita em muitos trabalhadores: os mesmos que prenderam Lula e patrocinaram juridicamente o golpe institucional de 2016 estariam agora revendo suas decisões jurídicas? Não soa muito estranho isso?

Sobre a decisão específica, vai ficando cada vez mais claro o seguinte: Fachin era um dos pilares da Lava Jato, seu relator e um dos frenéticos apoiadores de todas as decisões, incluindo a prisão do Lula. O ministro não “mudou de lado”, mas via que a derrota de Sérgio Moro poderia ser completa pelo outro julgamento que seria realizado, o da suspeição do juiz, explico: havia uma discussão na segunda turma (grupo de cinco ministros) do STF sobre a parcialidade de Moro, e muitos apontavam que haveria maioria por votar pela parcialidade, ou seja, pela suspeição do juiz e com isso o questionamento completo de todos os julgamentos realizados, o que significaria, em suma, a comprovação de que não houve um julgamento, mas uma verdadeira articulação política - quem aqui não se lembra do Power Point do Dallagnol?

A manobra jurídica de Fachin então é dizer que o processo foi julgado em “lugar errado”, pois se referia à Petrobrás, de modo que deveria estar com a justiça federal, o que (em hipótese) levaria a anular o próprio julgamento da suspeição de Moro, por essa questão processual. Ao que parece, deve dar errado, porque parece existir certo acordo entre alguns setores dos “de cima” para condenar o juiz manobreiro.

Se a intenção de Fachin vai se descortinando, então podemos debater a outra dúvida: mais isso vai garantir os direitos políticos de Lula ou pode ter alguma manobra que faça isso voltar atrás? Que muitos trabalhadores estejam refletindo sobre isso é algo natural, que os setores mais politizados estejam atentos aos rumos do regime político brasileiro. Mas essa dúvida foi incitada de uma maneira bem particular pelo PT, quando por exemplo sua presidente tuitou: “Estamos aguardando a análise jurídica da decisão do ministro Fachin, que reconheceu com cinco anos de atraso, que Sergio Moro nunca poderia ter julgado Lula.”. Existe certa armadilha na “análise jurídica” que podemos destrinchar.

O problema central é que não há dúvida jurídica: o que se escancarou mais do que nunca é que o golpe institucional de 2016 foi realmente um golpe, que a Lava Jato era uma operação realmente teleguiada pelo deep state norteamericano (sim gente, está mais do que claro que foi uma operação montada nos EUA), que a prisão de Lula era um dos objetivos dessa operação, que todo o julgamento foi político e articulado entre Lava Jato, instituições do golpe e grande imprensa (com destaque para Rede Globo), sob a batuta do capital financeiro. Se isso é assim, paremos para pensar: tem algum cabimento pensar, num regime político baseado em manobras e falcatruas como esse, que exista alguma “garantia jurídica” de se Lula será elegível ou não? Não soa uma questão fora do lugar se pensarmos “juridicamente”?

O STF em última instância pode no plenário revogar a decisão ou podem julgar e condenar novamente? Lamento dizer a todos que se iludam que a democracia está agora sendo reestabelecida em sua plenitude no país, mas sim, todo tipo de manobra pode ser feita no STF, no parlamento e no executivo resta dizer que estamos ainda no governo Bolsonaro.

A questão é estritamente política e a pergunta que deveríamos estar fazendo é: por que anularam os processos agora? O que isso indica politicamente? Conforme escrevemos nessa análise, entre os fatores que podemos destacar, estão a própria decadência da Lava Jato e a reorientação do imperialismo norteamericano agora com a presidência Biden, mantendo as intenções de subordinar o país, mas alterando a forma, afinal, os próprios democratas impulsionaram a Lava Jato (começou na gestão Obama), mas terminaram no seu “filho indesejado” Bolsonaro. Ao mesmo tempo que os ataques neoliberais da reforma trabalhista, previdência, teto de gastos etc. já passaram como boiada, já atingiram parte fundamental dos objetivos.

Mas além desses, existe um terceiro fator que queremos destacar: repararam que têm acontecido processos de luta intensos no nosso vizinho Paraguai contra o desemprego e a péssima gestão da pandemia? Não é a única: mobilizações intensas contra os militares em Myanmar, mobilizações contra a monarquia na Espanha, greve com repercussão contra as demissões da Total na França, lutas na Argélia contra o presidente Abdelmadjid Tebboune, entre outras. Essas lutas em geral não explicariam sem outros fatores, mas especialmente pelo fato de que o Brasil tem recrudescido a situação de calamidade na pandemia, com diversos setores no mundo inteiro discutindo como o país pode estar se tornando um “laboratório a céu aberto” de mutações da COVID, em meio a uma situação de crise econômica e desemprego enorme. Ou seja, somando a crise da Lava Jato, reorientação do imperialismo, fantasma de lutas radicais rondando até nossos vizinhos no Paraguai e uma péssima gestão da pandemia e uma economia em frangalhos, talvez pensar as formas de “contenção” no caso de explosões sociais no país volta a ser uma cartada dos de cima.

Assim, a questão não é jurídica, é política. A desgraça é que o PT chama de “jurídica” porque está estudando muito bem os acordos que podem fazer para se reintegrar a esse regime político herdeiro de um golpe....que serviu para implementar as reformas e ajustes (e também para prender o Lula!). Se os fatores de fundo são estruturais, não era o momento de chacoalhar? Não era o momento de retirar as teias de aranha dos sindicatos dirigidos pelo PT, PCdoB e outras centrais e escandalizar nas ruas com a tramoia revelada?

Alguns parlamentares e políticos do progressismo não se deram nem ao trabalho de refletir sobre o tema do por que da decisão, os fatores estruturais etc., de tão viciados na opinião pública, aproveitaram a primeira oportunidade para “comemorar” sem refletir. Chama a atenção que muitos desses jovens políticos são do PSOL, que suspostamente são críticos de esquerda do PT – e atuam dessa forma, cada vez mais longe de ver nas mobilizações da classe trabalhadora e os jovens a verdadeira resposta à situação.

Ou a gente tem que ter como “grande ambição” esperar até 2023, sim gente, 2023, daqui quase 2 anos, para “tirar o Bolsonaro”? Diante do escândalo revelado, a única alternativa que se coloca é a população trabalhadora entrar em cena e dar um basta. Para isso temos todos, em cada local de trabalho, em cada categoria, dar um xeque nas direções sindicais paralisadas esperando outra oportunidade para mostrar que são obedientes diante dessa elite podre e dizer, “basta, temos que nos mobilizar agora”. Se os de cima demonstraram fraqueza é hora de atuar.

O Paraguai é aqui.




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