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Coluna | O Tênis Dele

Sobre violência policial: Até quando vamos naturalizar que a cada 23 minutos no Brasil o capitalismo mata um jovem negro?

sexta-feira 15 de outubro de 2021 | Edição do dia

Foto: Imagem/Google

Passamos por certos tipos de traumas na vida que dependendo do nível de violência e brutalidade dificilmente vamos querer lidar de frente com o ocorrido. Não tenho a intenção e nem o domínio de aprofundar melhor tudo isso pelas óticas da psicanálise. De forma bem sincera, humilde e humana o presente texto tem a intenção de tornar visível aos olhos e a consciência humana o nível de degeneração da burguesia e constatar a profundidade da opressão capitalista e o sofrimento intencional causados em milhares e milhares de famílias pobres e negras, não só do país, mas em qualquer lugar do globo onde existe burguesia, propriedade privada e economia capitalista. Na sociedade capitalista mesmo após aos séculos de escravidão os negros seguem sem o direito a dignidade humana, sabe o mínimo? Até isso é negado o tempo todo ao conjunto dos negros e pobres e lamentavelmente te provarei isso da pior forma.

“Eu tenho um tênis aqui que pode servir em você, quer?
Quero tia!
Era do seu primo...”
Esse era me matou em algum nível por dentro...

Era do meu primo, se era é porque hoje não é mais e se hoje não é mais, qual é a explicação pra que não seja? Infelizmente não tem outra palavra a não ser o racismo, foi racismo, é e foi o racismo. Talvez eu nunca tenha olhado para um tênis com tanta angústia, toda vez que pensava na existência e na não existência do dono do tênis me causava um sentimento que é difícil explicar em palavras, pensei comigo, vou me preparar emocionalmente e psicologicamente para calçar esse tênis um momento, não sei quando, mas um momento eu vou calçar esse tênis. Ao invés de calçar o tênis quando me sentir suficientemente forte, calcei ele exatamente quando estava me sentindo fraca, frágil e humana, escolhi essas condições emocionais e subjetivas justamente pra eu não me esquecer que a origem da minha dor e de tantas outras famílias, parte da necessidade da burguesia pela existência constante da propriedade privada e o racismo necessário e operante para manutenção dos privilégios e os interesses da burguesia, mesmo que isso custe vidas, para burguesia não importa, ela apenas enxerga os lucros, aquilo que nos conhecemos com dinheiro, capital.

Pisei no chão com os mesmo pés que antes cabiam os pés do meu primo, por vários instantes escutei o som dos meus batimentos cárdicos tão alto nos meus ouvidos que ao fechar os meus olhos parece que quase pude ver o acelerar do meu coração. Abaixei a cabeça e olhei para o tênis e como pode um tênis significar tanta injustiça e opressão? Me deu vontade de parar todo mundo que passava do meu lado e dizer que não dar pra seguir a vida normal com o racismo e violência policial. Que tipo de sociedade é essa que mata jovens negros e pobres e depois obriga a gente suportar e seguir a vida? Marx e Engels em seus escritos a ideologia alemã apontaram que “as ideias da classe dominante são também as ideias dominantes de cada época” ou seja, a ideia dominante de uma época representa a classe que é potência material dominante da sociedade. A partir dessa contribuição fica evidente a origem e o caráter de classe da violência policial, porque lamentavelmente as ideias de nossa época é parte absoluta das ideias da classe dominante, são essas mesmas ideias que forçaram a naturalizar a morte de DG, Cláudia, Amarildo, Maria Eduarda, Marielle, João Pedro, Jenniffer, Agathá e tantos outros, entre esses outros o meu primo.

Os meus quatorze anos sendo moradora de favela fez de mim uma sobrevivente da violência policial, isso no sentido objetivo da coisa, mas no sentido ideológico, emocional e espiritual sinto que as balas da polícia me atingiram em algum nível, um nível que não é possível ver o sangue escorrendo ou meu corpo perfurado, é um nível mais profundo de violência subjetiva e moral e tudo tem uma origem e classe social. Pisar no chão com o tênis do meu primo não fez de me uma pessoa mais forte, me fez uma pessoa mais humana que nunca vai naturalizar a brutalidade do racismo e do capitalismo, não vou aceitar que a ideologia burguesa diga que meu primo procurou isso, ninguém nesse planeta procura morrer com um tiro de fuzil no abdômen e sem direito a médico, o pretinho morreu agonizando no camburão da polícia. Antes de pisar no chão com o tênis dele estava fraca, ao pisar no chão com o tênis dele, só sentir ódio, ódio de classe. Sigo carregando comigo esse ódio e a certeza mais absoluta: A BURGUESIA VAI PAGAR POR ISSO.

Sem dúvidas é triste usar um tênis que não é seu, principalmente, quando a ideia de um tênis remete a outros tênis, por exemplo, quem está usando o tênis da Agatha e da Jeniffer? Hoje não, mas em uma sociedade livre de classes e opressões todo jovem e criança não terão suas vidas arrancadas pelo racismo e o capitalismo, todos eles pisarão no chão com seus próprios tênis...




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