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COLUNISTA | O que explica a força do centrão?

Sua força vem de artimanhas? Vem dos votantes “atrasados” como muito insistem defensores do PT? Vem da política de conciliação? Como esta força se relaciona com bases econômicas em mudança no país?

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

segunda-feira 8 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

A vitória do centrão na Câmara decepcionou aqueles que buscavam, mais uma vez, uma inexistente burguesia democrática no país que mais traficou escravizados negros. É preciso compreender porque se dão determinados fenômenos, o que faz que atores tivessem maior força. O entendimento é crucial para uma prática política superadora do atual estado de coisas.

Não abordaremos o enfraquecimento do Executivo diante de outros poderes, a dependência de Bolsonaro do centrão, a fraqueza de pilares partidários do regime de 88 e outros aspectos desenvolvidos por colunistas do Esquerda Diário. Aqui contribuiremos com um aspecto: a força do centrão no regime do golpe tem relação com bases materiais, sistematicamente fortalecidas desde os governos do PT.

Há outros entendimentos, mas os julgamos equivocados. Um deles atribui o sucesso do centrão à “sagacidade” de atores como Cunha, Lira ou do general comprador de deputados para Bolsonaro. Sem tirar seus méritos, o bom-desempenho na arte da chantagem, cooptação, enganação, ofusca as regras do jogo subjacentes. Se somente desejarmos atores bons nestas regras, já aceitamos o regime do golpe, posição oposta a esta coluna.

Outra ideia para a força do centrão associa o comportamento dos governantes ao atraso dos votantes, a culpa seria do “indivíduo alienado”. O indivíduo seria somente um eleitor, um não-ser até o momento que ocorre só a cada dois anos. Este balanço “passa um pano” na estratégia de conciliação, que deve ser repetida ad nauseam, só precisaria maior respaldo eleitoral para seu sucesso (sic), precisaria que o “indíviduo alienado” acorde e atue corretamente em 2022, aí, por mágica, o MDB, o centrão voltaria a seu lugar de aliado do PT. Trata-se, nesta tese derrotada pelos fatos, de fazer de tudo para que o DEM, PSDB, aceite a oposição em suas chapas ou mesmo que aceitem se submeter a chapas da oposição.

A questão aparece como “chapas” e não “programas”, afinal, não se deve assustar os pretendidos aliados. Melhor não falar contra privatização, em revogar reforma da previdência, trabalhista, só falar contra Bolsonaro e, de um jeito bem Doria. 57 anos depois, ainda respiramos o ar podre das teses do velho PCB que afirmava que o golpe de 1964 ocorreu por “excesso”, por falta de conciliação.

Em 1964 ou agora, em um regime que se consolida, é preciso entender os interesses de classe da burguesia e seus representantes para fazer política, real, concreta. Não adianta espernear contra a realidade e ficar à procura de uma burguesia democrática, industrialista, desenvolvimentista. No Brasil, a burguesia realmente existente é crescentemente rentista.

Vive de atividades parasitárias, financeiras ou outras. Extraindo o máximo possível de renda diferencial das profundezas de Minas Gerais, do Oceano Atlântico ou na maior produtividade mundial para soja – uma produtividade inseparável de depletar águas e usar todo arsenal tóxico de “defensivos agrícolas” (alguns deles derivados de armas químicas americanas contra os vietnamitas).

A soma de soja, milho, cana, boi, ferro, petróleo na economia nacional iguala ou supera (há nuances metodológicas de cálculo) o peso que tinha o café nos 30. Esse complexo de atividades rentistas, completamente vinculadas ao mercado financeiro nacional associa-se subordinadamente ao imperialismo que detém tecnologias, logística, e parcelas dos negócios físicos e financeiros das commodities brasileiras. A pujança das atividades conferem um dinamismo econômico a novas regiões do país, justamente onde as aprovações de Bolsonaro estão acima da média e onde prevaleceram políticos da direita tradicional, centrão, bolsonarismo.

A força destas atividades e dos políticos que as representam não caiu do céu. Foi construída com incentivo do PT: cargos (Kátia Abreu p.ex.), acordos políticos, e infinitos bilhões de reais do BNDES, do Plano Safra, etc. Alimentou-se o diabo e agora estranha-se os chifres que foram afiados primeiro por Temer e agora por Bolsonaro, Maia, STF e outros.

Diante desta base material podemos: 1) chorar e com nossa súplica esperar que alguém se emocione e surja um movimento “iluminista” ali onde só se vê depredação ambiental, trabalhistas ou, 2) apostar sistematicamente no desenvolvimento da organização da classe trabalhadora que estas atividades geram, batalhar por sua confluência com a classe trabalhadora das “velhas atividades”; tratar a classe trabalhadora como sujeito diário e não só por segundos a cada dois anos. Esse sujeito pode se tornar sujeito de “luta” como vemos em nossa história, mas pode mais, pode erguer um novo país, uma nova sociedade.

Esse segundo caminho, no qual apostamos, não será trilhado com Kátia Abreu, DEM, Doria, STF, mas contra eles e os que querem conciliar com eles. A conciliação só alimenta os inimigos. Este caminho alternativo será erguido pelas mãos das maiorias: trabalhadoras e sua maioria negra e feminina, fato ainda maior onde há desenvolvimento capitalista, que replica tudo que há de patriarcal e racista no capitalismo em geral e no brasileiro em particular. A luta contra o centrão, o bolsonarismo, o regime do golpe, é inseparável da luta revolucionária anticapitalista.




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