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ATOS BOLSONARISTAS | O que expressam os atos bolsonaristas no aniversário da morte de Marielle?

Em dia emblemático que marcou 3 anos do assassinato de Marielle Franco, uma ferida aberta do golpe institucional no país, apoiadores de Bolsonaro realizaram manifestações de extrema-direita em diversos Estados e capitais do país para afirmar a política negacionista do governo. Ao mesmo tempo as ruas foram deixadas livres para a extrema-direita por parte das centrais sindicais e dos partidos políticos como PT, PCdoB e até mesmo o PSOL. Quais as lições que podemos tirar desse processo?

João SallesEstudante de História da Universidade de São Paulo - USP

quinta-feira 18 de março de 2021 | Edição do dia

Foto: Bruna Costa / Esp. DP

No marco do pior momento da pandemia em nosso país, com escalonamento no número diário de mortos que chega agora em 3.000 vidas e do colapso do sistema de saúde, a extrema-direita bolsonarista protagonizou carreatas e atos expressivos em defesa da política negacionista do governo federal em pelo menos 11 estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, além do Distrito Federal.

É claro que com diferenças em tamanho, por exemplo em Brasília - aparentemente o mais expressivo - a carreata ocupou as 5 faixas da Esplanada dos Ministérios com centenas de veículos e carro de som, além da concentração de pessoas em torno da residência do governador Ibanês. Em Goiânia houve bloqueio de parte da BR - 153 nos dois sentidos por cerca de 10 Km com a presença de caminhoneiros. Em Mato Grosso houveram carreatas tanto na capital como em outras cidades, um Estado que vale a pena um olhar mais detido.
Mas o que podemos perceber é uma evidente maior força no eixo Centro-Oeste, seguidos pelo Sudeste, Sul e em menor escala no Nordeste (região de maior sentimento opositor ao bolsonarismo já de tempos)

Destrinchar o conteúdo dos atos nos permite ver também de maneira mais clara a composição social e inclusive os agentes “ocultos” que impulsionaram as manifestações bolsonaristas. O chamado “pra fora” por assim dizer girou em torno da crítica às medidas dos governadores de fechamento do comércio, decretos de “Lockdowns” e a decisão do STF no ano passado de garantir autonomia dos Estados e Municípios em relação ao Governo Federal na condução da crise sanitária. Mas em todos os atos o conteúdo se desdobra em defesa de intervenção militar no país, de ataque ao STF (Principalmente agora após decisão de Fachin de reabilitar Lula no jogo político), contra a prisão de Daniel Silveira (PSL-RJ), típicas pautas do setor de classe média (pequeno-burguês), pequenos e médios comerciantes bolsonaristas que expressam a face mais retrógrada e asquerosa da política, são os setores que defendem a continuidade das mortes dos trabalhadores porque se, por exemplo, suas empregadas morrem "simplesmente" contratam outra.

Mas só isso não explicaria a expressão considerável quase a nível nacional, existem aí setores burgueses “peso pesado” como o empresariado da logística e transportes e possivelmente também o Agronegócio que encontram no bolsonarismo e sua política agressiva de desindustrialização e reprimarização uma fonte de lucro recorde. Mas aqui é preciso fazer algumas ponderações importantes, evidentemente esse setores patronais não assumiram papel protagonista e nesse caso teriam “mexido seus pauzinhos” por de trás das cortinas. Isso sem dizer o Grupo Jovem Pan, que abertamente convocou e defendeu os atos, uma mídia com expressão maior na rádio que muitas vezes chega a superar índices do Ibope de emissoras gigantes como a Globo.

A presença de caminhoneiros nos atos de Goiânia e da composição majoritária de lojistas do varejo nos atos parece indicar o apoio da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) que com seu presidente José César da Costa participou junto à Bolsonaro do 1° Encontro da Frente Parlamentar Mista da Micro e Pequena Empresa em 2021 se alinhando na reabertura do comércio, acaudilhando os pequenos e médios comerciantes em torno disso e também buscando base no congresso para avançar com projeto de lei que enquadra os caminhoneiros como MEIs (Microempreendedores Individuais), uma linha direta com Bolsonaro por via desses setores de sua base social dura e reacionária presente nos protestos.

E aqui - tratando como uma hipótese provável - o recente posicionamento (16/03) da Aprosoja (Associação de produtores de soja do Mato Grosso) sobre a construção da Ferrogrão (EF-170) em que criticam a decisão monocrática do Ministro do STF Alexandre de Moraes de suspender a eficácia da lei que alterava os limites do Parque Nacional do Jamanxim, paralisando a obra. A associação recorreu a Augusto Aras da PGR para reverter a decisão do Ministro e parece deixar um tom velado de crítica a decisão monocrática de Fachin de reabilitar Lula:

A Aprosoja ainda vê com estranheza os posicionamentos monocráticos que os Ministros do STF vêm tomando ultimamente. “O STF está perdendo sua essência de órgão colegiado, com inúmeras decisões monocráticas proferidas ultimamente por seus Ministros. Entendemos que a independência judicial é um pré-requisito do estado de Direito e uma garantia fundamental de um julgamento justo, mas decisões importantes que impactam os setores econômicos e a sociedade, por bom senso, deveriam ser submetidas ao pleno colegiado do Tribunal”.

É possível que aos sojeiros fosse interessante alentar as manifestações da extrema direita como forma de pressão ao STF para que revisse a decisão de Moraes, considerando que apesar de o chamado dos atos ter sido em primeiro grau contra os “Lockdowns” e os Governadores, os ataques ao STF foram parte integral dos atos bolsonaristas. Levando também em consideração que apesar das medidas restritivas esse setor econômico segue com suas atividades quase que a todo vapor, evitam o desgaste de um posicionamento mais contundente pela reabertura como faz a CNDL, ao mesmo tempo em que surfam nesse elemento “secundário” dos atos para garantir seus interesses e se manterem também junto a Bolsonaro nesse momento.

Bolsonaro por sua vez articula de maneira habilidosa uma série de golpes contra os atores do Bonapartismo Institucional e, mesmo na defensiva, é capaz de manter um nome seu no Ministério da Saúde após a saída de Pazuello e se mantém no jogo político se aproveitando do cenário de crise econômica para sustentar o discurso negacionista de abertura e tentar jogar a bomba no colo de seus adversários.

Dito isso é importante vermos que, apesar desse possível alinhamento de “oportunidade” em sustentar a política de Bolsonaro durante a pandemia contra os atores do Bonapartismo Institucional (STF e Governadores em especial) as próprias tendências internas dos setores burgueses de peso e da base social pequeno-burguesa bolsonarista parecem caminhar em sentido de ruptura. Um exemplo disso seria a solução da Aprosoja para diminuir custos de transporte e exportação das safras apostando na construção da Ferrogrão, uma opção frente ao aumento de preço dos combustíveis sem que precisem se apoiar na mobilização dos caminhoneiros nesse momento. Podemos ver no próximo período uma tensão da classe dominante com Bolsonaro e sua base, quiçá rupturas mais expressivas.

Ao menos isso é o que expressou a Valor Econômico em recente artigo, mostrando como principalmente nos centros urbanos a combinação do desgaste do governo devido a catástrofe sanitária e seu negacionismo junto ao “Fator Lula” tem gerado uma relocalização do empresariado urbano, e sobretudo das finanças. O medo de que estourem situações de revolta e radicalização como resposta à crise sanitária agravada pelo Bolsonarismo tem feito circular em grupos desses setores mensagens e vídeos que vão desde críticas mais pontuais até mesmo na discussão sobre o impeachment do Presidente.

Chegamos aqui em conclusões importantes para além do que representaram os atos da extrema-direita no último domingo, isso porque era também um dia onde a esquerda deveria ter demonstrado força nas ruas exigindo justiça pela Marielle e também por um plano de emergência para combater a pandemia que dizima os trabalhadores mais e mais a cada dia. E por que razão isso não aconteceu? O bolsonarismo viu o caminho livre para sua política genocida.

A extrema direita terá caminho livre até 2022?

O cenário político nacional tem sido tomado pelo retorno de Lula no jogo político e embaralhou novamente as cartas do regime político golpista, todos agora fazem seus cálculos tendo em vista 2022 e o processo eleitoral, isso no caso da burguesia brasileira e internacional, mas também das burocracias sindicais e políticas do PT e do do PCdoB. Os únicos que amargam as consequências atuais e imediatas das crises sanitária e econômica são os trabalhadores que se vêem espremidos entre morrer pelo vírus ou pelo desemprego e fome que crescem cada vez mais.

Nesse sentido é preciso dizer com todas as letras o absurdo que representa a paralisia das centrais sindicais da CUT e CTB que parecem estar quarentenadas a mais de um ano e agora pedem para que os trabalhadores aguardem pacientemente o ano de 2022 para derrotarem Bolsonaro nas urnas. Até 2022 quantas centenas de milhares de vidas teremos perdido? Não podemos esperar!
Isso inclusive porque como bem vimos a extrema-direita não espera 2022 e mostra sua cara nojenta e reacionária agora para descarregar em nossas costas o custo da crise aumentando o lucro dos capitalistas.

Por que Lula não se dirige às centrais sindicais para organizarem a luta dos trabalhadores imediatamente? Estamos em meio a um cenário de calamidade e duros ataques.
É preciso organizar urgentemente assembleias nos locais de trabalho, com todas condições sanitárias necessárias e virtualmente nos lugares onde é preciso, esse é o primeiro passo para que possamos nos enfrentar com essa situação de conjunto: apostar na auto organização dos trabalhadores e em sua mobilização independente junto aos setores oprimidos da sociedade.

Somente assim é que podemos colocar de pé um plano de emergência para combater as crises sanitária e econômica batalhando pela produção e disponibilização de vacina para toda a população com a quebra de patentes das grandes indústrias farmacêuticas; pela disponibilização de auxílio emergencial de pelo menos um salário mínimo chegando imediatamente a todos que precisem; a reconversão da indústria para produção de respiradores, leitos de UTI e insumos para combater a pandemia e a paralisação imediata de todos os serviços não essenciais com remuneração e proibição das demissões.

Um plano desses só pode ser conquistado no marco de uma forte mobilização da nossa classe contra o Bolsonaro, Mourão e os militares negacionistas do governo, mas também contra o conjunto do regime político golpista (STF, Congresso e Governadores) que mantém os trabalhadores nessa situação de miséria e exploração para aumentar o lucro dos parasitas capitalistas.

Para que se faça valer a vontade e a soberania popular em ditar os rumos de combate às crises é preciso mudar as regras do jogo e não meramente seus jogadores, impondo uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana que possa chocar essas medidas com o lucro em defesa de nossas vidas, avançando para um governo dos trabalhadores em ruptura com o capitalismo que apodrece e recaí em ruínas sobre nossas costas.




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