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Opinião | Os significados dos embates entre Lula e o Banco Central

Desde a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, no dia 1 de fevereiro, o presidente Lula vem fazendo diversas críticas ao presidente da instituição, Roberto Campos Neto, indicado por Bolsonaro. O centro do discurso de Lula é a decisão do BC de manter o patamar atual da taxa Selic, em 13,75% ao ano. Lula identifica que os juros altos atrapalham o crescimento econômico.

terça-feira 14 de fevereiro de 2023 | Edição do dia

A Selic começou a subir no primeiro semestre de 2021, e o ciclo atual de alta foi o mais brusco de todos os tempos. A justificativa do BC seria o combate à inflação, mas já foi discutido neste diário a farsa desta justificativa. Não sendo a aceleração da inflação brasileira causada pela demanda, e com o Real se desvalorizando ainda mais no período, não foi a subida da Selic que diminuiu a inflação.

No momento em que as taxas de inflação começam a cair nos países desenvolvidos, e que o Fed diminui o ritmo de suas altas de juros, o BC brasileiro justifica a manutenção da Selic no patamar atual por causa do “risco fiscal”, que poderia acelerar a inflação, após a PEC da Transição abrir espaço fiscal para o Bolsa-Família.

O que se coloca, porém, por trás dos juros altos segue sendo a transferência de recursos do Estado para os detentores privados da dívida. Segundo o próprio BC, 1% de aumento na Selic, ao longo de um ano, representa um aumento de R$ 36 bilhões na dívida pública, o que beneficia o mercado financeiro.

A aprovação da independência do BC, durante o governo Bolsonaro, representou a quase completa captura do BC pelo mercado, ainda que a instituição sempre tenha tido como papel principal favorecer este setor. Roberto Campos Neto, atual presidente com mandato até 2024, trabalhou por 18 anos no Santander antes de assumir o atual cargo, além de possuir mais de US$ 1 milhão em offshores nas Bahamas e nas Ilhas Virgens Britânicas. A chamada “porta giratória” do mercado financeiro para o governo, que sempre existiu, girou como nunca no governo Bolsonaro. Não é surpreendente, portanto, que a atual direção do BC aja para favorecer o setor de onde vieram, e para onde voltarão quando acabarem seus mandatos.

A autonomia do BC também foi questionada por Lula, o que prontamente gerou reações na mídia, no mercado e mesmo entre políticos, como Arthur Lira, que saíram em defesa de um banco central que seria “técnico” e não “político”. No entanto, o próprio governo disse que não vai rever a autonomia do BC.

Nesse sentido dos embates entre governo e BC, as declarações de Lula contra Campos Neto têm o objetivo primordial de abrir mais espaço fiscal para gastos do governo.

Com esse rearranjo, o governo poderia tentar acelerar o crescimento pela via de um novo “PAC”, buscando finalizar obras paradas, ampliar construções de rodovias e retomar o Minha Casa, Minha Vida, um dos principais símbolos sociais dos governos do PT - e aqui entra parte do fator político. Atualmente o Minha Casa, Minha Vida encontra-se praticamente parado após os cortes de 98% do orçamento do programa feitos por Bolsonaro.

A retomada do Minha Casa, Minha Vida pelo governo Lula-Alckmin pode simbolizar um “novo tempo”, como o PT e seus aliados da frente ampla têm buscado pintar, em que a economia, a responsabilidade fiscal e o social caminham juntos. No entanto - e aqui entra a segunda parte do jogo político do PT -, o próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faz sinalizações mais moderadas que aquelas feitas por Lula quanto ao Banco Central e a elevação da meta de inflação.

O PT busca alçar Haddad como moderado e ultra-responsável com os mercados, enquanto por outro lado mantém Lula protagonizando um maior embate com a Faria Lima e fazendo declaração à nação pelo desenvolvimento e crescimento social. No fim das contas, mesmo com a retórica de Lula, o que prima no governo é a responsabilidade com os mercados, no momento em que se discute uma nova regra fiscal para substituir o Teto de Gastos.

É certo que o resultado das disputas entre Lula e BC ainda não está dado, e também a concretização de um novo PAC depende tanto de acordos entre o legislativo quanto do interesse de pesos-pesados das burguesias nacional e imperialista. Mas entre disputas por um novo rearranjo econômico para hoje – que não siga à risca os ditames de alguém nomeado por Bolsonaro, tampouco tenha como preceito o arranjo lulista da primeira década do século com essas declarações, Lula busca não perder seu apoio social entre os trabalhadores a médio e longo prazo, enquanto vai forjando o “Haddad moderado” para ser seu sucessor em 2026, ainda mais palatável à burguesia.

Longe de um projeto desenvolvimentista, o que o governo busca para 2026 é um sucessor com responsabilidade para com os mercados e – tão ou mais importante para alcançar seu objetivo eleitoral –, com os votos de Lula, justamente aquilo que a terceira via não tem para se cacifar à presidência sem o PT.




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