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Pixo x Grafite: Entre a arte e a ilegalidade

Gabriel Brisi

Arte de @doca.colaria

Pixo x Grafite: Entre a arte e a ilegalidade

Gabriel Brisi

No coração da maior cidade do país, o colorido nas paredes quebram a paisagem cinza que toma a vista de todos que passam por ali. Entre grafites e pixos, reconhecemos obras mais diversas, desde os enormes murais do Kobra, passando pelas obras dos Gêmeos, até os letreiros preto fosco no alto dos prédios. Formas de gritar no meio do caos urbano “eu existo, eu faço, eu interfiro”.

Pintar os muros e as paredes é uma prática muito antiga da humanidade, desde a pré-história, passando pela antiguidade onde foram encontradas pichações em Pompeia que falavam sobre homossexualidade, cabelo nas partes intimas entre varios outros habitos sexuais. Chegando à Maio de 68, com grande efervescência política da juventude e dos trabalhadores que lutavam tanto contra o capitalismo, mas também contra a burocracia da URSS, em vários muros eram vistos declarações políticas sobre a situação da época.

Com esse espírito o grafite surge como parte da tríade que compõem a cultura hip-hop, junto ao RAP (rhythm and poetry) e ao Break, nos guetos de Nova York. Chega no Brasil por volta dos anos 70, já chega contestando o regime militar, um movimento ligado diretamente às periferias das grandes metrópoles do país e a população oprimida, o grafite já chega criminalizado e marginalizado.

Leia mais em: Breve história do pixo

Porém, definir o que é grafite e o que é pixo é decidir aquilo que é arte e o que é crime, um debate que só tem a favorecer a burguesia que pode trancafiar a cultura em seus museus distanciando cada vez mais a classe trabalhadora e a periferia do consumo da mesma. Criminalizar um dos dois é uma forma de tentar calar e oprimir mais a voz dessa parcela da sociedade, usando a legalidade para censurar a arte.

Segundo a Lei 9.605/98 no artigo 65 as pichações fazem parte dos crimes contra ordenamento urbano, patrimônio cultural e meio ambiente. Com pena prevista de 3 meses a 1 ano, além de pagamento de multa, que pode variar o valor dependendo do local onde for feito. Já o grafite, segundo o parágrafo §2, não é considerado crime caso tenha o objetivo de valorizar um patrimônio, seja ele público ou privado, desde que a prática seja aprovada pelo proprietário, no caso de um bem privado, ou pelo órgão responsável, se for um bem público.

Os Gêmeos:

Os irmãos Gustavo e Otavio Pandolfo, nasceram na cidade de São Paulo no dia 29 de março de 1974. Os artistas que assinam suas obras como “Os Gêmeos” foram fortemente influenciados pelo movimento hip-hop que ganhava amplitude ali nos anos 80, começando como dançarinos de break logo fizeram seus primeiros trabalhos como grafiteiros. Com o passar dos anos os artistas desenvolveram um estilo único e inconfundível, tornando-os referências na cena da arte de rua pelo mundo, sendo convidados para fazerem murais por todo o mundo.

Em 2007, quatro artistas brasileiros foram convidados pelo conde de Glasgow (na Escócia) para grafitar a fachada do castelo de Kelburn. Entre eles Os Gêmeos, mas também Nina Pandolfo e Francesca Nunca.

Mas alguns anos depois os artistas foram alvos da lei “Cidade Limpa”, sancionada pelo então prefeito de São Paulo Gilberto Kassab. Um mural de 700 metros na avenida 23 de Maio, que continha obra dos irmãos grafiteiros, foi totalmente pintado de cinza, alegando que a arte de rua seria poluição visual. O caso é muito bem contado no documentário independente “Cidade Cinza”, disponível gratuitamente no YouTube.

Um novo capítulo na censura da arte de rua:

Em 2017 a repressão e a censura à arte rua ganharam um novo capítulo e novas caras, o então prefeito de São Paulo, João Doria colocou uma nova lei em prática, agora era a vez do “Cidade Linda”, com o mesmo discurso de embelezar a cidade e uma política higienista, Doria apagou o maior mural de grafite da américa latina sem nenhum embasamento ou provas, o caso se deu novamente na avenida 23 de Maio.

Inspirado em Doria, o prefeito Alexandre Kalil de Belo Horizonte usou dos mesmos argumentos para definir o que é arte ou não. No histórico da gestão de Kalil já houveram outras ações de caráter higienista, como a retirada de vendedores ambulantes do centro da cidade. A repressão a pixo é conhecida pelos artistas de BH, com a prisão de Goma dentro de sua loja em 2016 e o apagamento dos escritos e investigação de Felipe Arco.

Goma:

O mais famoso pichador de Belo Horizonte, conheceu o pixo aos 12, 13 anos, quando ficou sabendo, por comentários na escola, sobre pichadores que tinham pintado uma estátua na praça da Liberdade. Em uma entrevista ao jornal “O Beltrano", Goma fala sobre a importância do pixo para a juventude periférica mostrar que existe.

“A gente não tinha nenhuma forma de mostrar que existia, de dar um grito. O rico mostra que existe no seu carrão importado, nas grandes empresas, fazendo propaganda pela cidade. Para nós, o que tinha era a pixação mesmo. Dar meu grito fazendo pixo, nos lugares difíceis, nos topos dos prédios. Deixar as pessoas curiosas. Como que eles subiram? Como chegaram naquele topo? Marcar minha existência na Terra, mostrar que passei por ali. Se eu morrer, daqui a 50 anos vai ter pixo meu espalhado por aí.”

Em 2016, João Marcelo Ferreira Capelão, o Goma, foi preso arbitrariamente por pichação, apologia e incitação ao crime e associação criminosa em 2016, por supostamente ter participado da pichação da Igrejinha. Os artistas e simpatizantes da cena de BH, colocaram na época que foi um golpe brutal e a prisão de Goma teria sido armada para ficar de exemplo. O artista passou mais de cem dias na prisão, mesmo após a confissão de outro pichador, mostrando o caráter ideológico da prisão de Goma, que na época tinha parado de fazer pixos.

A ilegalidade da arte:

Vemos que o papel dessas leis, não é para definir o que é arte ou não, mas sim censurar quando quiserem a juventude que nos muros gritam por não se satisfazerem com o que a eles é dado, muito menos ao que é tirado.

Enquanto Goma era preso em Belo Horizonte, enquadrado na lei de crimes ao Meio Ambiente, o presidente da Samarco seguia livre, após o rompimento da barragem do Fundão em Mariana. O fato de ambos os casos terem sido analisados pelo mesmo promotor, Marcos Paulo de Souza Miranda, escancara o papel desse judiciário, que é reprimir a juventude e a classe trabalhadora, enquanto mantém impune os grandes empresários capitalistas.

Leia mais em: A perseguição a arte negra no país de Dórias

Por isso não podemos cair na falácia dos julgamentos da arte. Goma, que é declaradamente pichador, foi preso por um crime que nem cometeu, Os Gêmeos, grafiteiros reconhecidos mundialmente, que hoje tem sua arte exposta na pinacoteca de São Paulo teve sua arte apagada dos muros da cidade. Esse papel só tem serventia à burguesia que reprime os artistas de rua e ao mesmo tempo trancafiam a arte nos museus distanciando cada vez mais a classe trabalhadora e a periferia do seu direito à cultura.


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Gabriel Brisi

Estudante de Ciências Sociais - Unicamp
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