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EDITORIAL MRT | Qual é o papel da esquerda socialista brasileira frente às eleições na Argentina?

Foi um “ar fresco” na última semana, em meio à situação reacionária no Brasil, que setores de massa de trabalhadores e jovens brasileiros tenham se moralizado com o terremoto político da derrota macrista. Militantes do MRT que atuam em fábricas relataram que operários espontaneamente comemoravam, era a primeira vez que um assunto internacional aparecia na fábrica. O que isso indica do processo subjetivo dos explorados e oprimidos no Brasil e na Argentina e como a esquerda socialista brasileira deveria encarar esse processo?

segunda-feira 19 de agosto de 2019 | Edição do dia

O internacionalismo de Bolsonaro, da direita e dos “mercados”

Uma das coisas que Bolsonaro é bastante radical é no seu “internacionalismo de extrema direita”. Sua postura frente às eleições na Argentina é a continuidade do que mostrou desde o começo com seu alinhamento com Trump, o Estado de Israel e os representantes da extrema direita mundial que ele se esforça em articular. Mesmo que talvez saiba que o impacto é pouco, ou até negativo, ele segue em campanha pelo derrotado Macri e ameaça romper com o Mercosul, numa tentativa desesperada de reverter o resultado porque sabe a importância que tem para seu próprio destino.

Não somente Bolsonaro, mas a direita brasileira de conjunto com seu amplo arco de economistas e políticos neoliberais, se preocupam com os impactos na economia e política brasileira e o que a derrota macrista indica de potencial tendência no Brasil da experiência das massas com os ajustes neoliberais, que foi a marca do governo Macri e que foi massivamente rechaçado.

Todos apoiam, de Bolsonaro à direita “moderada”, o “golpe de mercado” que está fazendo o capital financeiro internacional insatisfeito com a derrota que sofreram nas urnas. A chantagem com o brutal “ataque especulativo” em curso é mais uma expressão do caráter decadente deste sistema e de sua aberta contraposição à vontade popular e como se trata de uma farsa a tentativa de identificar capitalismo com a “democracia” do voto.

Aqui no Brasil vimos o sequestro do direito a votar em quem quiser com a prisão do Lula. Na Argentina, ele vem com um brutal ataque especulativo para desvalorizar os salários e descarregar ainda mais a crise nas costas dos setores populares

O capital financeiro quer, com isso, tentar impactar no resultado.

O internacionalismo natural do proletariado e da juventude brasileira

Para os que vivemos numa situação reacionária como o Brasil, é particularmente importante a paciência com os processos subjetivos da consciência do proletariado e das massas. Parte dessa paciência vem quando se compreende o papel das direções majoritárias em controlar que este processo se desenvolva pela esquerda, mas também ao entender que esta consciência também é impactada, direta ou indiretamente, por processos subjetivos em outros países. Esse ponto de vista internacionalista é crucial para não cair nas pressões do ceticismo ao ver a desmoralização que vai se expressando no marco do golpe, do bolsonarismo e a série de ataques que estão passando sem luta no Brasil.

O que ocorreu essa semana com setores comemorando nos locais de trabalho as eleições na Argentina, foi continuidade do que se expressou quando se deu o principal combate de luta de classes nos últimos anos na Argentina.

Em dezembro de 2017, todos se recordam que a massa proletária brasileira seguia de forma entusiasmada a luta contra a reforma da previdência na Argentina, com um ativismo espontâneo que se expressava nas redes sociais em apoio, como se fosse uma luta sua. “Façamos como os argentinos” foi uma consigna que circulava amplamente, sem que no Brasil as direções canalizassem esse internacionalismo natural em qualquer tipo de ação e muito menos em lutas no próprio Brasil.

São novas expressões de que os processos de recomposição subjetiva da classe trabalhadora, com seus fluxos e refluxos, não respeitam as fronteiras nacionais. Trata-se não somente de algo que é histórico da nossa classe, mas que está num processo vivo em curso, e onde o processo na Argentina tem particular importância.

O movimento estudantil mostrou nos dias 15 e 30 de maio que ainda tem reservas importantes para combater, surpreendendo a todos com sua força. Apesar do refluxo atual que é bastante claro, devemos ver o que reflete de mais estrutural, seja se expressando em massa na rua ou não. São 8 milhões de estudantes universitários no país que não à toa Bolsonaro declara guerra, pois sabe que são potencialmente os que mais podem desatar processos de resistência, em particular os setores mais oprimidos, como as mulheres, os negros e LGBTs, que vem sendo a principal oposição ao bolsonarismo.

Se nos 70 eram apenas algumas poucas centenas de milhares de universitários, concentrados em poucas capitais do sudeste e sul, foram chave na aliança operária e popular, imagine-se o potencial que tem agora.

Trata-se de uma geração que não carrega as derrotas do passado e que vem sendo vanguarda em processos de luta e de consciência pelo mundo, como se expressa com a simpatia ao socialismo que é majoritário nessa geração nos EUA. Por mais que é distorcida a visão que se tenha do socialismo, trata-se de algo histórico e valioso em particular por ser no coração do sistema capitalista. Foi essa geração juvenil a que também foi especialmente impactada entre as mulheres pela maré verde que se expressou com as ruas tomadas pelo direito ao aborto legal, seguro e gratuito. É também nesta geração que a FIT-U alcançou por volta de 12% dos votos na Argentina.

O medo da direita é que este processo na Argentina siga “contaminando” o Brasil, agora não pela direita, como foi a eleição do Macri, mas pela esquerda. Pode o proletariado e a juventude brasileira em breve rechaçar novamente nas urnas e nas ruas a política de ajustes e ataques? Em que momento estamos deste processo de experiência com essa “política econômica” de ajustes que cada vez mais setores vão aos poucos identificando com o golpe institucional? Vai dar lugar a quais fenômenos este processo de experiência com a Lava Jato, que perdeu muita popularidade com a Vaza Jato e as suas comprovações do que era sabido? São questões que não temos resposta ainda, mas que todos devem se colocar. Não está assegurado nenhum desenvolvimento à esquerda da situação, mas isso vai depender também de se os que se colocam no campo dos socialistas vão tirando as lições necessárias, incluindo o que este processo na Argentina nos coloca.

O internacionalismo do PT e dos conciliadores

Lula, o PT, PCdoB e todo tipo de partidos e direções de conciliação de classes no Brasil também comemoraram. Mas neste caso, não expressa o mesmo fenômeno progressista.

As direções reformistas tradicionais no Brasil sabem que o peronismo na Argentina é um nacionalismo burguês tradicional, o que para fazer uma analogia (com todos os limites que elas sempre tem), poderia-se dizer que é como se no Brasil o PT e PMDB fossem um mesmo partido.

Sabem que o peronismo argentino é algo que é ainda pior do que o “mal menor” no Brasil. O peronismo é maioria parlamentar na Argentina e votou os planos de ajuste de Macri. Não somente aceitaram os acordos com o FMI, mas já anunciaram várias vezes que manteriam o acordo e no máximo, em determinadas ocasiões, fala que vai tentar renegociar melhores condições. Estes setores conciliadores no Brasil sabem que Alberto Fernandez, que lidera a chapa de Cristina Kirchner como vice, representa a ala direita do peronismo, que é parte dos que vem descarregando a crise nas costas dos trabalhadores.

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É por estas questões que o voto massivo no peronismo, desta vez, foi muito mais um voto de rechaço ao macrismo do que um voto entusiasta no peronismo, que também tem seus desgastes importantes, tanto que nem podia apresentar diretamente Cristina.

Mas é coerente que o PT comemore acriticamente, pois assim como o peronismo na Argentina, querem alimentar ilusões de que pela via eleitoral é possível retornar ao período de crescimento econômico do lulismo e kirchnerismo de 10 anos atrás, que foi permitido por um crescimento econômico mundial extraordinário e que está mais do que claro que não vai voltar.

Ao contrário, o cenário mundial, assim como na Argentina e no Brasil, é de crise. E o PT e o peronismo já mostraram o que fazem em períodos de crise. No Brasil, os ajustes de Dilma foram a expressão mais clara, e não seria diferente se Haddad ganhasse, por mais que é claro que seria um governo bem diferente de Bolsonaro, motivo pelo qual nós do MRT inclusive votamos criticamente sem prestar nenhum apoio político e alertando sobre este aspecto e de que se tratavam de eleições manipulada.

Tanto lá como aqui, são essas as direções que controlam o movimento de massas para ter toda expectativa nas eleições e não responder no único terreno que é possível para que a crise não seja descarregada nas costas dos trabalhadores e do povo: na luta de classes. Agora, por exemplo, frente ao brutal ataque especulativo que acaba com o poder de compra dos salários, se negam a qualquer mobilização.

E o internacionalismo dos que se reivindicam socialistas?

É natural que entre as massas brasileiras pouco se conheça da Frente de Esquerda e dos Trabalhadores – Unidade, que foi a chapa presidencial encabeçada por Nicolás del Caño, do PTS, partido irmão do MRT na Argentina.

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É natural também que o reformismo tradicional só exalte o peronismo e não aponte qualquer uma das suas contradições. O que não é natural é que os setores da esquerda que se reivindicam socialistas no Brasil tenham seguido acriticamente essa linha, como foi o caso de importantes alas do PSOL, da Unidade Popular (ex PCR) e do PCB. Também não é natural que outros setores simplesmente se calem frente às eleições argentinas. Mais pitoresco foi Marcelo Freixo apoiando o MAS, que teve 4 vezes menos votos que a FIT e foi uma candidatura sectária que se negou a unificar com a FIT. Apenas um setor minoritário, ligado às tendências trotskistas que compõe a FIT-Unidade, como o MES e a CST do PSOL, reivindicaram a FIT junto a outros setores isolados dentro do espectro trotskista brasileiro.

A FIT-U (pela sigla em espanhol) é composta pelo PTS, Partido Obrero, Izquierda Socialista e nesta eleição teve adesão do MST, ficou como a quarta força política na eleição, mantendo a localização que conquistou durante anos apesar da eleição ultra polarizada entre macrismo e peronismo. Tivemos uma votação pra presidente que representa mais de 5 vezes proporcionalmente os votos que teve Guilherme Boulos, acima também do que o PSOL alcançou com Plinio de Arruda Sampaio ou Luciana Genro. Tem mais de 40 parlamentares pelo país e inserção orgânica no movimento operário e popular e que foi parte ativa por baixo de todos os principais processos de luta de classes. Tem peso superestrutural maior que o do PSOL no Brasil, praticando um parlamentarismo revolucionário ligado à luta de classes e no enfrentamento com a burocracia sindical. É uma esquerda militante que já chegou a encher um estádio de futebol com 20 mil pessoas no ano passado.

Mas para além do tamanho e inserção orgânica, ainda modesta para os objetivos socialistas que nos colocamos, a principal novidade da FIT é que se trata de um polo de independência de classe, que não existe igual na esquerda mundial. A estes setores da FIT e à vanguarda do país, o PTS está dirigindo um chamado a um Partido Unificado da Esquerda Revolucionária e Socialista.

O que explica que setores que se reivindicam socialistas no Brasil comemoravam amplamente e faziam campanha quando se tratavam de organizações como o Syriza ou o Podemos, que já mostraram que quando assumiram o poder repetiam os erros do reformismo tradicional, mas se negam a apoiar a FIT e preferem seguir o nacionalismo burguês peronista?

Os que se reivindicam socialistas deveriam ter claro que nas eleições o nosso papel não é apoiar acriticamente o peronismo na Argentina e o “mal menor” na administração do Estado Burguês. Um argumento utilizado corretamente para justificar o voto em Guilherme Boulos, o que nós do MRT também o fizemos (ainda que criticamente).

A tarefa dos socialistas no terreno parlamentar e eleitoral é como uma intervenção preparatória para ganhar setores de vanguarda que assimilem parte do programa e da estratégia socialista para que, em momentos de radicalização política e experiência com as direções reformistas, possam confluir com setores de massa que girem à esquerda.

Na Argentina, a novidade histórica é que pela primeira vez em 70 anos de peronismo, haverá um polo de independência de classe pela esquerda pra quando estas aspirações das massas que se expressaram de maneira distorcida via voto no peronismo, se chocarem com a continuidade da situação de miséria e crise que o peronismo será incapaz de superar pelos seus acordos com o FMI e os capitalistas.

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A esquerda que se reivindica socialista no Brasil deveria não somente comemorar o resultado da FIT, mas apoiá-la e cumprir um papel pedagógico no Brasil de explicar o que é o peronismo e o que está por vir

A negativa em valorizar o processo da FIT e evitar aprender dessa experiência somente se explica pelo mais puro e cristalino sectarismo (que tem sua contracara oportunista no apoio ao peronismo), o que deve ser superado para ligar a vanguarda brasileira a este processo, evitando que justamente a esquerda socialista, em particular os setores do trotskismo, que são os que mais deveriam ser internacionalistas, fiquem para trás neste terreno até do reformismo e do bolsonarismo, que estão praticando cada um seu próprio internacionalismo.

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