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Precisamos falar sobre isso: produtivismo adoecedor na universidade
Gabriela Mueller
Estudante de História da UFRGS

Nessa semana, um estudante da engenharia foi encontrado morto nas proximidades do prédio da engenharia da UFRGS, dedico essa carta a ele, com profunda solidariedade a sua família, amigos e colegas.

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Foto: Camila Hermes/Agência RBS

Não foi o salto que tirou sua vida, mas sim esse sistema que isola, cobra, mutila e aliena. Já é quase impossível entrar na universidade federal, com todos os filtros raciais e sociais que evidenciam qual o lugar que essa sociedade dividida em classes quer para cada setor da juventude. Ao furar esse filtro, chega a batalha para comprovar a própria condição de existência, tendo que comprovar a cor da pele, comprovar inúmeros documentos de parentes que nunca estiveram presentes, tudo isso, muitas vezes, enquanto a família, os amigos, estão em outro Estado. Mas a batalha segue, afinal é muito difícil chegar em uma universidade federal. E como conciliar estudos com trabalho se não houver auxílio permanência, que é cada vez mais difícil de se conseguir? E se houver novamente desligamentos arbitrários por parte da reitoria interventora? A empolgação inicial da chegada é logo esmagada pela realidade da universidade de classes, que deixa muito claro, desde as condições materiais de se manter nela até as condições de acompanhar a carga de estudos, qual o lugar de cada um na academia pensada pela burguesia.

Ainda assim, a batalha por esse sonho tão difícil de atingir, segue. Noites em claro para aprender a matéria que o professor disse ser básica e que todos deveriam ter aprendido na escola. Engenharia é mesmo muito difícil, mas dizem que todo o sacrifício vai valer a pena, mas quando? quando essa cobrança interminável vai parar? Ao deixar a vergonha e medo de repreensão de lado para tirar uma dúvida na sala de aula, o professor responde: “Essa pergunta é horrorosa. Mostra que tu não entende porcaria nenhuma do circuito. Eu expliquei na aula passada, cheguei aos berros a dizer aqui que a fonte é independente, cacete” (trecho real tirado de uma notícia-denúncia na gzh). E os tantos casos de opressão na sala de aula? de machismo, racismo, transfobia, elitismo? E os trabalhadores terceirizados que todos os dias garantem, mesmo com pouquíssimos direitos e com baixos salários, que a universidade siga funcionando? que cada aluno possa se alimentar e que cada professor possa entrar numa sala de aula limpa, em um laboratório limpo? e mesmo assim, têm que se esconder para comer no banheiro porque não tem um espaço digno para isso?

Mais um jovem morreu dentro da universidade, e isso deveria ser o bastante para paramos tudo e refletir por que alguém com todo seu futuro pela frente sofre a tal ponto de perder as esperanças. A indiferença com a qual a universidade responde a esse caso, seguindo com sua programação normal de aulas, pesquisa, produção, provas e trabalhos é uma mostra de que estamos numa sociedade deformada, fruto de um sistema adoecedor para o qual o valor de um indivíduo é medido pelo quanto produz.

“Que tipo de sociedade é esta, em que se encontra a mais profunda solidão no seio de tantos milhões; em que se pode ser tomado por um desejo implacável de matar a si mesmo, sem que ninguém possa prevê-lo? Tal sociedade não é uma sociedade; ela é, como diz Rousseau, uma selva, habitada por feras selvagens” (Karl Marx, Sobre o Suicídio)

Ninguém havia dito que a universidade seria assim, chega momentos que o peito aperta tanto, com tantas cobranças inatingíveis, com um sentimento constante de nunca ser suficiente, que parece impossível suportar tudo, parece que, ao pegar a condução para a universidade, o coração dispara tão forte que vai saltar peito afora, o corpo quase colapsa de ansiedade.

Mas então, quem está doente? Sentimos no nosso corpo e mente os sintomas do apodrecimento de um sistema que já anunciou sua própria falência, que individualiza e embrutece os indivíduos, para que produzam mais tecnologia, mais riqueza e lucro para as empresas, de forma totalmente alienada e à serviço do lucro de empresários, para o qual a vida de um estudante não vale sequer um minuto de silêncio. Nos medicam com antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores de humor, mas não apresentam uma solução para o sistema que nos adoece.

Essa universidade é nossa, é da classe trabalhadora, e, portanto, quem deveria decidir o que e como deve ser ensinado, são os próprios estudantes e trabalhadores que fazem essa universidade existir. Quem deve decidir absolutamente tudo nessa universidade são os alunos e trabalhadores, erguendo uma força capaz de dissolver os órgãos burocráticos como conselhos universitários e reitorias, que desligam e atacam estudantes, que demitem terceirizados. Todo o conhecimento produzido por nós deve estar a serviço de melhorar a vida das maiorias, da classe trabalhadora, para acabar com as contradições e a destruição material e subjetiva que esse sistema miserável impõe, para acabar com todo o parasitismo da classe dominante sobre o que é produzido.

A universidade deve servir para explorar e desenvolver ao máximo nossas potencialidades, e não para sugar nossa vontade de viver. Toda a forma de ensino produtivista e hierárquica, com ordenamentos que punem os estudantes, com currículos que despejam uma carga absurda sobre as costas dos alunos, sobretudo dos que dividem seu tempo entre estudo e trabalho, tudo isso deve ser profundamente revolucionado para que o estudo não seja alienado nem fonte de cobrança e sofrimento, mas para que seja uma forma de libertação, construída pela e para as maiorias sociais.

É possível e necessária uma vida que valha a pena ser vivida, e, por isso, é preciso vingar todos que foram levados por esse sistema que arranca o direito ao futuro, seja com uma bala no peito, seja devastando das profundezas da psique o sonho de uma vida melhor. Arranquemos, com a força imparável da juventude aliada aos trabalhadores, o direito a uma sociedade livre do peso das opressões, livre do trabalho e do estudo alienante, da exploração, onde cada jovem, cada trabalhador possa desenvolver suas potencialidades artísticas e criativas até a milésima potência. Esse não é um sonho distante, e sim, uma necessidade que precisa ser construída desde hoje.

‘Sábios descem aos fundos dos oceanos e fotografam a fauna misteriosa das águas. Para que o pensamento humano desça as profundezas de seu próprio oceano psíquico, deve iluminar as forças motrizes, misteriosas, da alma e submetê-las a razão e a vontade. Quando acabar as forças anárquicas de sua própria sociedade, o homem integrar-se-á nos laboratórios, nas retortas do químico. Pela primeira vez, a humanidade considerar-se-á a si mesma como matéria-prima e, no melhor dos caso, como semi-fabricação física e psíquica. O socialismo significará um salto do reino da necessidade ao reino da liberdade, no sentido de que o homem de hoje, esmagado sob o peso de contradições e sem harmonia, abrirá o caminho a uma nova espécie mais feliz”’ TROTSKY, Leon. A Revolução de Outubro (Conferência) 1932

Batalhamos por uma sociedade em que as relações humanas sejam construídas por laços de confiança e solidariedade mútua, sem ser mediadas por cobranças, posse, sem que a solidão seja um peso individualizante e frio sobre os ombros das pessoas, como disse o poeta da revolução, Maiakovski, para
“[...] que o dia que o sofrimento degrada, não vos seja chorado, mendigado. E que ao primeiro apelo ’camaradas!’
Atenta se volte a terra inteira [...]”

 
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