×

França | As ruas voltam a expressar o descontentamento com Macron, enquanto centrais sindicais buscam o diálogo

Apesar da queda no tamanho dos atos, a mobilização está muito longe do fim, com centenas de milhares de manifestantes nas ruas em toda a França. Enquanto seguem os protestos após mais de 54 dias da aprovação da reforma da previdência de Macron, os sindicatos já não escondem mais sua disposição em virar a página, voltando a colocar o “diálogo social” no centro.

quinta-feira 8 de junho de 2023 | Edição do dia

Na última terça-feira (6), mais de 300 mil pessoas se manifestaram em Paris, 50 mil em Toulouse e Marselha, 20 mil em Nantes, 10 mil em Rennes, Grenoble e Le Havre, 6500 em Nice e outros milhares em várias cidades. A análise sobre esta nova jornada de luta pode enxergar um copo meio cheio ou meio vazio. É preciso dizer que o número de manifestantes foi muito menor que em ocasiões anteriores e que a greve foi bastante débil, de modo que a mobilização neste 6 de junho foi marcada pelo menor nível de participação desde o início dos protestos, em janeiro, contra a reforma da previdência imposta pelo presidente Emmanuel Macron. Isto é expressão da falta de continuidade que as direções das centrais sindicais impuseram ao movimento.

As direções das centrais sindicais desejam que o 6 de junho seja a última jornada de luta, mas o descontentamento na base segue

Com 900 mil manifestantes em toda a França, segundo a CGT (Confederação Geral do Trabalho), o nível de adesão segue sendo elevado. Ainda mais levando em consideração que se trata da 14a jornada de protestos a nível nacional e intersetorial, quase cinco meses após o início do movimento. Em outras palavras, a magnitude da mobilização segue sem precedentes, muito acima, por exemplo, da última jornada de luta contra a reforma previdenciária em 2010, quando, segundo o ministério do Interior à época, 52 mil pessoas foram às ruas.

Apesar de uma menor participação nas greves do que a prevista, em consonância com o declínio da paralisação nos setores do transporte, a situação ainda não retornou à normalidade. No transporte aéreo, foi cancelado um terço dos voos do aeroporto de Paris-Orly, enquanto os trabalhadores dos setores de eletricidade e gás convocaram uma série de ações. Na região parisiense, a CGT Énergie (sindicato dos trabalhadores do setor de energia) realizou vários cortes de luz na manhã de terça-feira, direcionados particularmente às sedes do Canal+, Orange e Microsoft. A poucos quilômetros de distância, os grevistas das empresas de transporte público invadiram os edifícios do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris, aos gritos de “sem aposentadoria, não há Olimpíadas”.

Apesar de tudo isso, as direções das centrais sindicais agrupadas na Intersindical francesa preferem enxergar um copo meio vazio, para virar a página da luta contra a reforma da previdência. Após ter sido o principal dirigente da manifestação, um mês e meio depois da jornada do 1o de maio, Laurent Berger (líder da conciliadora Confederação Francesa Democrática do Trabalho) defendeu que a mobilização da última terça-feira fosse a “última manifestação, neste formato, sobre o tema das aposentadorias”, justificando particularmente seu desejo de virar a página e favorecer o “diálogo social”. “Não nos enganemos. Teremos que cultivar a cólera que se expressou em torno da questão dos salários, do trabalho, do poder aquisitivo e do diálogo social”, explicou o secretário geral da CFDT algumas horas mais tarde na Assembleia Nacional (parlamento francês). As demandas citadas por Berger são profundamente sentidas pelas maiorias sociais, e não foram incluídas na luta dos últimos meses por um esforço consciente da central dirigida por ele. Sua fala foi um claro sinal da estratégia da Intersindical para os próximos meses.

Esta lógica se choca com o descontentamento expresso nas manifestações, inclusive nesta terça-feira, quando muitos pediam que a mobilização seguisse, estabelecendo um vínculo com as greves salariais iniciadas nos últimos meses. Em seu cartaz, em meio ao protesto na cidade de Marselha, Christine Lecocq, de 50 anos, homenageou os trabalhadores da empresa Marquette-lez-Lille (Nord), que, em 2 de junho, arrancaram um aumento salarial após dois meses e meio de greve.

Os sindicatos conciliadores estão dispostos a enterrar a mobilização; os sindicatos “combativos” os seguem

Enquanto o líder da CFDT e principal dirigente da Intersindical, o conciliador Laurent Berger, agora assume abertamente sua vontade de encerrar as greves e a luta nas ruas contra a reforma previdenciária, o restante dos dirigentes das centrais sindicais, em particular as direções ditas “combativas”, fingem se diferenciar, mas no fundo mantêm a mesma estratégia: a de voltar a colocar o “diálogo social” com o governo e os empresários no centro da linha.

Sophie Binet, secretária geral da CGT, após meses e meses de fracasso na Assembleia Nacional, no Senado e no Conselho Constitucional, se contenta em seguir a lógica de questionamento ao papel dos deputados que apoiam Macron.

“Quero realmente ressaltar o papel de Yaël Braun-Pivet, presidente da Assembleia Nacional. (...) Se impedisse que o parlamento retornasse à votação na quinta-feira, isto seria gravíssimo para a situação democrática do país, abrindo um grave precedente”, declarou Binet na última terça-feira na emissora BFM TV. Este chamado à “responsabilidade” não poderia estar em maior descompasso com o estado de ânimo do governo e de seus partidários, decididos a acabar com o movimento contra a reforma da previdência para prosseguir com seus ataques. Mas enquanto faz declarações como esta, a CGT voltou às reuniões com o Executivo, retomando o “diálogo social” e não anunciando nenhuma nova data de mobilização. Esta resposta contribui para desarmar os protestos e encerrar o capítulo de mobilizações contra a reforma.

Ainda mais chamativas foram as declarações feitas pelo sindicato Solidaires, que chegaram a pintar um cenário da Intersindical atuando “na ofensiva”. Simon Duteuil, secretário geral adjunto desta central, declarou: “A Intersindical é excepcional! Francamente, se tivessem me perguntado há seis meses, não imaginaria que teria alcançado este nível. Está passando de uma defensiva, contra a idade mínima de 64 anos para a aposentadoria, à uma maior ofensiva, já que começamos, juntos, a exigir algo positivo”. O objetivo dessas declarações é de ocultar o papel dos dirigentes das centrais sindicais, defensores do retorno à mesa de negociações e de enterrar a mobilização.

Esta posição é ainda mais problemática quando se considera que a mobilização dos últimos meses vem demonstrando que apenas endurecendo a luta, por meio de uma greve generalizada, se poderia fazer retroceder Macron e os empresários. Mas os dirigentes das centrais sindicais atuam para o oposto, depositando as esperanças em um diálogo muito ilusório com a patronal e o governo.

Outra saída: a necessidade urgente de se fazer os balanços para retomar a luta

O chamado da Intersindical a virar a página da luta contra a reforma previdenciária é o auge de uma estratégia que vem desarmando pouco a pouco o ódio contra o governo, expresso desde janeiro. Após a negativa em ampliar as reivindicações, a passividade diante das medidas repressivas contra os grevistas e a não construção de um plano de luta que oferecesse a perspectiva de alterar a correlação de forças por meio da greve, priorizando, ao contrário, uma estratégia de pressão sobre as instituições, pretende-se agora aceitar os chamados de Macron ao “diálogo social”.

É mais urgente do que nunca que se faça os balanços destes meses de luta e apontar a necessidade de uma outra direção. A cólera segue presente: com o movimento contra a reforma da previdência, surgiu uma nova onda de greves por salários, com tendências de renovação. Para que este profundo descontentamento se estenda, é preciso ampliar as reivindicações à pauta salarial, exigindo aumentos de 400 euros para todos, com indexação pelo aumento da inflação, mas também utilizar as atuais greves como pontos de apoio. Uma perspectiva que a Intersindical sempre se negou a adotar, apesar das declarações da direção de algumas centrais sindicais. No entanto, buscar ampliar estes movimentos, generalizando-os a todas empresas em torno de um programa comum de reivindicações, seria uma ferramenta decisiva na correlação de forças com os empresários, para conquistar vitórias para o conjunto da nossa classe.

Defender uma política assim é, mais do que nunca, inseparável da ruptura com o “diálogo social” que propõe Macron, e passa pela elaboração de um plano de luta que vá além de jornadas isoladas de mobilização de apenas um dia, buscando construir a perspectiva de uma greve generalizada. Tal objetivo deve se basear na organização de base dos grevistas em assembleias gerais, que têm sido um dos pontos débeis do movimento. Após mais de cinco meses de mobilização, e em um momento em que a Intersindical já não oculta mais seu desejo em virar a página, já não podemos nos contentar em esperar que elabore um verdadeiro plano de batalha. Em torno desta necessidade, se desenvolveu a Rede pela Greve Geral, uma rede que segue viva e se estrutura em torno da tarefa central de coordenar os conflitos em curso no país.

Pode te interessar: Rede pela Greve Geral na França: uma batalha pela auto-organização




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias