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O Estado é responsável pela execução de Diego Bomfim e outros dois médicos no Rio

O médico de 35 anos, Diego Ralf Bomfim, irmão da deputada Sâmia Bomfim (PSOL/SP) foi uma das três vítimas fatais de um fuzilamento covarde ocorrido na madrugada de hoje (quinta-feira) na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. As outras vítimas são Marcos de Andrade Corsato e Perseu Ribeiro Almeida, além de um outro médico que foi baleado e está hospitalizado.

Carolina CacauProfessora da Rede Estadual no RJ e do Nossa Classe

quinta-feira 5 de outubro de 2023 | Edição do dia

Nos solidarizamos como MRT com Sâmia Bomfim e seus familiares neste momento tão difícil, assim como aos familiares dos demais médicos.

Pairam incertezas sobre o assassinato dos médicos no Rio de Janeiro, mas o que as características do crime deixam praticamente certo é que se cruza com a questão das milícias. A Barra da Tijuca, local dos assassinatos, é parte da Zona Oeste, que é conhecida por ser uma região onde milicianos atuam, é de onde por exemplo saiu o carro usado pelos executores de Marielle Franco. As milícias são grupos criminosos composto especialmente por policiais, militares e bombeiros da ativa, ex agentes destas corporações, dirigidos e acobertados por agentes do Estado, contando com apoio no judiciário e de diversos políticos, não somente os que são de extrema direita reconhecidamente, mas outros como Eduardo Paes. É por isso que sempre denunciamos que a polícia e o Estado têm mil vínculos com o crime organizado, o que se dá de maneira ainda mais exacerbada no Rio, onde cerca de 60% do território é dominado por grupos milicianos. Isso se expressa nos “arregos”, nas operações ilegais e também nas relações múltiplas dos poderosos e da instituição policial com as facções do tráfico de drogas.

O tráfico de drogas, de armas, as extorsões a moradores que pagam por serviços dentro das favelas e diversos outros crimes tem também relação com poderosos do regime político e grandes empresários, mas sempre os que pagam são os moradores de favelas e periferias, em especial a juventude negra, que é exterminada com a política de repressão, em nome da farsa da guerra às drogas, enquanto milicianos e poderosos estão preservados, assim como os traficantes “de colarinho branco”. Toda essa situação reforça a necessidade de um forte combate contra as milícias, que se tornaram um enorme poder no Rio de Janeiro.

Este crime bárbaro nos faz lembrar imediatamente do assassinato de Marielle Franco, bem como a execução do irmão de Marcelo Freixo em 2006, ambos por milicianos. É inevitável aventar que tenha sido um crime que envolva retaliação política à atuação da deputada federal do PSOL, Sâmia Bomfim, inclusive porque é sabido que as milícias têm setores reconhecidamente ideologicamente reacionários. Independente do que revelem o andamento das investigações, o fato é que o Estado é responsável por mais esse assassinato, têm responsabilidade em relação ao caso por diversas vias.

Em primeiro lugar porque já fazem mais de 2 mil dias do brutal assassinato político de Marielle Franco, e até hoje não está resolvido o caso. Segue a impunidade, mesmo estando bem claro o envolvimento de diversos agentes do Estado com este crime, com as milícias, com as obstruções e distorções em toda a investigação. Marielle Franco foi assassinada em 2018 meio à Intervenção Federal das Forças Armadas no Rio, encabeçada por Michel Temer e o General Braga Netto, que agora inclusive está sendo alvo de investigações por uma série de denúncias de corrupção. Essa foi mais uma operação federal no Rio, que só agravou os problemas sociais e deixou rastros de mortes, especialmente da juventude negra, e desta vez diretamente com um assassinato político de uma vereadora de esquerda.

O debate sobre federalização ou não das investigações do assasinato dos médicos de hoje, não garante nenhuma resolução do caso. Para garantir uma efetiva investigação e punição, tanto do caso dos médicos de hoje, quanto do caso Marielle, não se pode ter nenhuma ilusão nas forças repressivas, sendo preciso exigir do Estado uma investigação independente, que seja composta pelos parlamentares do PSOL, organismos de direitos humanos, representantes dos sindicatos, intelectuais especialistas na crise social do Rio de Janeiro e outros setores que tenham legitimidade popular. Essa investigação independente tem que ter garantida por parte do Estado os recursos para trabalhar, acesso aos arquivos de investigação, contratação de peritos independentes, participar das produções de provas, entrevista com as testemunhas e ter acesso a todo o tipo de informação. Sem isso, a tendência mais uma vez é pesar os milhares de laços que tem a polícia e a justiça com crimes como este e seguir primando a impunidade.

Estes assassinatos ocorrem no momento em que o governo federal da Frente Ampla de Lula-Alckmin está dando uma resposta midiática e falaciosa ao problema da mal chamada “segurança pública”, repetindo novamente a política de fortalecer a repressão, como se expressa na operação no Rio e na Bahia (governada pelo PT desde 2007), tratando o tema da mesma forma que faz a direita e extrema direita. Cláudio Castro e Flávio Dino chegaram a um acordo repressivo contra negros, trabalhadores e o povo pobre, prevendo o envio de 300 efetivos da Força Nacional e mais 270 da Polícia Rodoviária Federal, coordenados junto com as Polícias Militar e Civil do Estado do Rio de Janeiro na “Operação Maré”. Através de Flávio Dino, o governo Lula está investindo também R$ 95 milhões na construção de dois novos presídios federais no Estado do Rio de Janeiro, além do altíssimo orçamento que será destinado para essa área. Essa operação é tão absurda que foi suspensa por questionamentos do Ministério Público Federal, através da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão no Rio de Janeiro (PRDC/RJ), que deu prazo de dez dias para o ministério informar se as ações promovidas obedecerão aos comandos da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635. Operações como esta nunca resolveram nenhum problema relacionado ao tráfico de drogas e deixa um rastro cotidiano de vítimas, moradores das favelas, inclusive assassinatos de crianças, o que se tornou brutalmente em algo recorrente das polícias cariocas. As milícias sempre saem ilesas. É a repetição do que já foi feito pelo governo Lula e Dilma, que realizaram a ocupação militar do Complexo da Maré entre 5 de abril de 2014 e 30 de junho de 2015, e também apoiando e financiando a implementação das UPPS, sendo responsáveis diretos pela morte de dezenas de inocentes.

Toda essa situação é uma expressão da degradação do regime político brasileiro e do Rio de Janeiro em especial. Este regime político, que serve aos grandes empresários, que sustenta essa violência no Rio, enquanto as milícias atuam impunemente e as facções reacionárias do tráfico seguem muito fortalecidas. As milícias são organizadas por agentes do Estado e se mostram a cada dia como um poder que é capaz de barbaridades como este caso do assassinato dos médicos hoje. Somente uma mobilização independente do regime político, a partir dos sindicatos e dos movimentos sociais, pode dar uma resposta à crise social e impedir a impunidade frente a crimes como este dos médicos e para as diversas vítimas da violência do Estado.




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