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Análise | O significado do cerco a Bolsonaro e sua cúpula

Uma grande operação da PF atingiu o núcleo dirigente do bolsonarismo, incluindo generais de 4 estrelas, além do próprio Bolsonaro. Buscaremos analisar as motivações dessas ações, e a perspectiva de seus resultados, levando em conta o cenário político atual.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

sexta-feira 9 de fevereiro | Edição do dia

Uma grande operação da Polícia Federal, autorizada por Alexandre de Moraes, foi realizada contra setores da alta cúpula bolsonarista, além do próprio Bolsonaro. A ação ocorre em um contexto de maior ofensiva do poder judiciário contra bolsonaristas. Ainda em janeiro Alexandre Ramagem, que foi segurança de Bolsonaro e chefiou a Abin teve seu nome nos holofotes devido a outra ação que buscava investigar uma "Abin paralela", que servia como organismo de inteligência para munir Bolsonaro contra seus adversários. Carlos Bolsonaro, um dos filhos mais próximos ao ex-presidente, também foi alvo de uma operação de busca e apreensão.

Esses dois eventos já sinalizaram que as ações contra Bolsonaro estavam se aproximando de seu núcleo de maior confiança. Agora foi a vez de operações contra generais de quatro estrelas do círculo mais próximo a Bolsonaro, como Braga Neto, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, além de Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos.

Entre os detidos a serem ouvidos estão os militares Rafael Martins de Oliveira, major das Forças Especiais do Exército, e Marcelo Costa Câmara, coronel do Exército e ex-assessor especial do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Além deles, a PF ouvirá o ex-assessor Filipe Martins, que teria entregue a minuta do golpe ao ex-presidente, e o presidente do Partido Liberal (PL), Valdemar Costa Neto.

Além deles, o próprio Valdemar Costa Neto, poderoso presidente do PL foi preso e mandados de busca e apreensão ocorreram na sede do partido. Bolsonaro teve seu passaporte apreendido, e especulações sobre a possibilidade de sua prisão inundaram as redes sociais e análises jornalísticas.

A fonte do material é proveniente da delação do coronel Mauro Cid que revelou diálogos comprometedores, com ataques e acusações contra os que não se dispunham a aderir à trama, o que inclui ameaças a generais e seus familiares e até críticas ao general Tomás Paiva que viria a ser Comandante do Exército, feitas pelo general Braga Netto.

Essas ações visam atingir aqueles que foram articuladores das ações reacionárias do 8 de janeiro, além de conspirações que visavam manipular as eleições, e conforme noticiou a mídia, uma articulação que pretendia um golpe que visava prender Alexandre de Moraes, anular as eleições e decretar estado de sítio para que Bolsonaro se mantivesse no poder.

Em primeiro lugar, essas ações revelam, mais uma vez, uma correlação de forças que se aprofundou a partir do dia 8 de janeiro. As ações reacionárias promovidas por bolsonaristas por fora de qualquer correlação de forças favorável, produziram um isolamento e debilitamento do bolsonarismo mais duro.

As Forças Armadas receberam parte importante desse ônus. Associadas à manutenção do governo Bolsonaro, e em particular, a política de colocar as eleições em suspeição e tolerar, como mínimo, os acampamentos em frente aos seus quartéis, as Forças Armadas se comprometeram com os resultados desastrosos das ações do 8 de janeiro.

Na mídia, tem sido noticiado, prints de conversas de generais, relatos de reuniões e até uma possível minuta que seria a declaração do golpe. Todas essas informações são muito recentes, mas indicam ser comprobatórias que de fato uma parte das Forças Armadas atuou com intenções golpistas.

No entanto, apesar dessas intenções, que não são uma novidade que exista nas Forças Armadas, dado o histórico de intervenções de militares na política brasileira, nós sempre analisamos que não havia uma correlação de forças que permitisse a realização de um golpe.

Isso não se deve a um suposto papel democrático de “resistência” ao golpe do Alto Comando das Forças Armadas, como querem diversos setores propagar, mesmo com todas as denúncias de que no mínimo “deixaram correr” todas as conspirações. Essa é uma propaganda ideológica reacionária que visa reabilitar o papel das Forças Armadas frente ao enorme desgaste que sofreu.

Para compreender a falta de correlação de forças para um golpe, o que é importante por em relevo é que frações importantes e poderosas de grandes grupos econômicos estavam insatisfeitos com Bolsonaro, em particular, por seu modus operandi de promover constantes instabilidades políticas. O fato de que Bolsonaro tenha por trás alguns setores burgueses radicalizados de extrema-direita, em grande medida do agronegócio em ascensão, e que precisam ser severamente punidos com expropriação sob controle dos trabalhadores, estava longe de ser um fator suficiente para enfrentar o grande capital, que depois de serem parte da sustentação de Bolsonaro e todos os seus ataques, haviam recentemente migrado pragmaticamente para o campo da Frente Ampla.

Essa burguesia concentrada também está longe de ser democrática, assumiu essa localização porque não há uma situação nacional que exija um golpe militar, que o grande capital usa quando existem processos de luta de classes que desafiam a ordem burguesa, e todos estavam bastante seguros de que Lula e a Frente Ampla iam manter a obra econômica do golpe institucional, como estão comprovando agora.

Essas frações de classes, grupos econômicos e setores políticos, não se restringiam apenas a atores nacionais. Foram inúmeros os recados da administração Biden, de que não apoiaria o descrédito às eleições promovidas por Bolsonaro.

Não porque Biden seja um opositor de medidas anti-democráticas. Seu apoio a ditaduras e monarquias petroleiras no oriente médio, e mais ainda, seu apoio ao massacre e genocídio ao povo palestino, não deixam dúvidas sobre isso. O cálculo era político, e o fortalecimento de um apoiador declarado de Trump no maior país da América Latina não seria, por óbvio, conveniente para Biden.

Assim, Bolsonaro não tinha nem o apoio da fração dirigente do imperialismo americano, e nem o mínimo de coesão entre frações burguesas nacionais e internacionais para um golpe. Ao contrário, o manifesto produzido pela Fiesp e os atos chamados em "defesa da democracia" realizados na Faculdade de Direito São Francisco mostravam um setor da burguesia ativo em se oporem às intenções de Bolsonaro, temendo uma desestabilização do país que poderia produzir efeitos imprevistos.

Ainda assim, não estava descartado que os setores ligados ao bolsonarismo não pudessem promover ações de distúrbio e conspirações golpistas. E foi o que ocorreu. Com efeitos desastrosos para todos que se associaram ao governo Bolsonaro.

O que vemos agora são desdobramentos entre disputas de bonapartismos do regime político brasileiro, em particular do judiciário e militar, com vantagens evidentes para o primeiro e um cenário de maior ofensiva contra o segundo.

Não está claro se militares serão efetivamente punidos. As ações de busca e apreensão são um forte sinal, mas não definidor. Historicamente as relações entre o Supremo e a cúpula da Forças Armadas sempre foi cruzado de negociações de bastidores e acordos, e medidas mais fortes contra generais importantes serão medidas e avaliadas porque possuem consequências importantes. No entanto, o material publicado pela mídia revela enormes tensões internas, para se dizer o mínimo, e é necessário ver qual solução será dada para essa crise que hoje atravessa esses militares envolvidos.

Inclusive contra Bolsonaro, ainda é cedo para uma definição sobre sua prisão. Não há dúvida que considerando "aproximações sucessivas", o vetor das ações indicam um maior cercamento dele e de seu interno. No entanto, a história recente do país mostra que prisões podem ter efeitos contraditórios, e tudo isso será alvo de avaliação. Contudo, na imprensa estão sendo veiculadas informações que comprometem diretamente Bolsonaro, como a alegação que ele teria opinado na minuta do golpe e um vídeo de uma reunião ministerial onde até mesmo foi afirmado a existência de infiltrados em campanhas de adversários por Augusto Heleno.

O que já podemos afirmar é um sentido de urgência e uma aceleração de velocidades das investidas contra Bolsonaro e seu núcleo. Alguns fatores podem explicar isso. As eleições dos EUA, com o cenário não descartado da volta de Trump à presidência, pode ser um deles. Caso isso ocorresse uma outra correlação de forças se produziria, modificando o panorama geopolítico não só do Brasil, mas também do mundo.

A ascensão de Javier Milei na Argentina foi mais uma expressão da extrema instabilidade que percorre o subcontinente, sendo a extrema-direita uma variante do panorama político. Ainda que ultraliberal argentino tenha sofrido uma primeira derrota com sua lei Omnibus (que importa uma série de ataques ao povo e trabalhadores da Argentina), seu governo poderia se constituir como um aliado regional para dar novos ares à extrema-direita brasileira.

Além disso, a proximidade das eleições municipais não deixam de ser um alvo de preocupação, uma vez que embora debilitado e mais isolado no regime político, Bolsonaro segue sendo um ator político com força social. Valdemar Costa Neto, que apoiou as investidas contra o sistema eleitoral, foi um dos alvos também por esse motivo. É um recado para o mundo político, quem se associar ao radicalismo bolsonarista poderá sofrer consequências.

Com essas ações a coalizão de forças que compõem a Frente Ampla se fortalece. Buscam fortalecer uma estabilidade política, que embora possa ter contradições, apresenta sinais de força na conjuntura. Não estamos tratando de uma estabilidade estrutural, uma vez que o país possui problemas de difícil resolução, e contradições agudas que podem produzir novos fenômenos na realidade nacional.

Além disso, a situação internacional de grande instabilidade, com conflitos militares, tensões geopolíticas e adversidades econômicas são fatores de potencial desestabilização interna.

Lula foi reabilitado politicamente, por possuir capacidade única para tentar conter a deflagração de contradições maiores. Inclusive, cabe dizer, que desde o início de seu governo declarava e emitiu sinais de repactuação com as Forças Armadas, e não enfrentamento.

Escolheu José Mucio como seu Ministro da Defesa, uma figura que declarou que os acampamentos bolsonaristas na frente dos quartéis eram "pacíficos" e só possuíam "gente de bem". Como um dos primeiros atos do seu governo, levou Alckmin e Josué Gomes em uma reunião com os comandantes das forças para prometer vultuosos investimentos militares. Recentemente, no corte de orçamento que atingiu diversos ministérios, preservou os destinados à defesa. Foi escandaloso que tenha sido o governo Lula a se aliar com o bolsonarismo para aprovar a Lei Orgânica das Polícias Militares, aumentando o poder político dessa força essencial do bolsonarismo.

Enquanto isso, é o judiciário que parece ser mais ofensivo contra o bolsonarismo, visando se fortalecer como instituição no país e um poder bonapartista. Enquanto uma parte dos setores de esquerda aplaudem as ações de Alexandre de Moraes, é necessário lembrar o papel histórico de impunidade e pactuação com os militares. Foi o STF que até hoje mantém a defesa da Lei de Anistia, que impede que torturadores e agentes da ditadura militar sejam punidos.

São os mesmos que levaram à própria ascensão de Bolsonaro. Não só mantiveram a prisão de Lula, como o impediram até de dar declarações e entrevistas durante o processo eleitoral.

Que hoje o STF busque aparecer como um baluarte da democracia, não apaga o fato de que usa também métodos do arsenal autoritário e não deveria levar ao esquecimento do seu real papel histórico.

Enquanto buscam construir essas imagem, e dar novos ares de legitimidade ao regime brasileiro, autorizam e dão apoio a todas as medidas econômicas que impuseram piores condições de trabalho e de vida a milhões de brasileiros. São mantenedores da reforma trabalhista, dando força jurídica para sua aplicação no mundo do trabalho. Não fazem nada contra o massacre aos indígenas e ao povo negro nas favelas, que seguem sendo os que nunca veem a “democracia” que supostamente foi “inabalada” pelo 8J e que seria garantida pela Frente Ampla e pelo STF.

Todos os sustentadores do governo Bolsonaro, sejam militares ou civis, devem ser punidos. Mas isso não pode ocorrer através da ilusão de que será o judiciário o "herói da democracia". Ao passo que o judiciário ganha maiores poderes, sua força irá se voltar contra o interesse das grandes maiorias, como é a regra da história nacional.

Enquanto isso, o governo de Frente Ampla não só mantém a herança de reformas e ataques do governo Temer e Bolsonaro, como aplica os seus próprios. O chamado arcabouço fiscal, que foi elogiado até mesmo por Temer, foi uma estrutura neoliberal moldada pelo próprio governo que na prática impõe o controle do orçamento em detrimento dos grandes interesses do capital financeiro.

Ao mesmo tempo, Lula dá sinais de boa convivência até mesmo com Tarcísio de Freitas, financiando suas ações no transporte público paulista, que envolve enormes privatizações, além da própria Sabesp (empresa de água) que já foi privatizada. São expressões de uma aceitação de uma extrema-direita que "aceite as regras do jogo", ainda que se saiba que tão logo a situação mude ela também pode mudar sua forma de atuação.

Nesse contexto, o PSOL, que compõe a Frente Ampla, prepara uma eleição em São Paulo tendo a chapa Boulos-Marta como uma das suas principais apostas eleitorais. A mesma Marta que foi por anos da prefeitura do candidato de Bolsonaro, Nunes, e que até flores entregou para a Janaína Paschoal durante a aprovação do golpe institucional de 2016.

Seja depositar ou amplificar ilusões no judiciário, seja através da conciliação de classes, essa política é a mesma que abriu espaço para a extrema-direita e o fortalecimento dos militares no regime brasileiro. É preciso combater a extrema-direita e ser implacável contra seus principais agentes. Isso envolve não apenas os que foram articuladores de conspirações golpistas, mas todos que possibilitaram a chegada de Bolsonaro ao poder. E buscar outro caminho que não seja das instituições dessa democracia burguesa degradada, mas da luta de classes, como na Argentina está se apontando o caminho no enfrentamento contra Milei e seus ataques.




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