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História | Palestina: Quando trabalhadores árabes e judeus lutaram juntos

Diante do ataque do Estado de Israel contra o povo palestino, resgatamos da história um exemplo de unidade entre as classes trabalhadoras árabes e judaicas sob as bandeiras do marxismo, nas origens do conflito desencadeado pelo imperialismo há um século.

segunda-feira 20 de novembro de 2023 | Edição do dia

Imagem: Grupo “A unidade” em Tel Aviv em 1925 - Leopold Trepper (de pé, o segundo da esquerda para direita), Leo Grossvogel (de pé, o último à direita) e Hillel Katz (sentado, o quarto da direita para esquerda)

O relato memorial que trazemos aqui faz parte de outro maior. A foto que encabeça a matéria é do grupo Ishud (A Unidade) ou Itashat, em árabe, que reuniu militantes de esquerda judeus e árabes de 1924 a 1929. Um deles é Leopold Trepper junto com o que mais tarde seria a velha guarda da “Orquestra Vermelha”, na Segunda Guerra Mundial.

Embora a Palestina sofra com a ocupação militar do seu território que foi acompanhada por políticas de exploração e extermínio étnico durante 75 anos por parte de Israel, nem sempre existiu hostilidade entre os povos árabe e judeu.

Revisitando essas histórias da classe trabalhadora mundial e tentando recuperar a sua unidade e internacionalismo frente ao inimigo comum, a opressão imperialista e capitalista, partilhamos algumas chaves para aprofundar o conflito atual e pensar numa solução favorável para as classes trabalhadoras e os camponeses pobres no Oriente Médio. Para isso, recomendamos hoje o capítulo 3, denominado “Palestina”, do livro “O Grande Jogo” de Leopold Trepper, que reproduzimos parcialmente mais abaixo. https://ceip.org.ar/El-gran-juego Neste Livro, Leopold Trepper conta como organizaou uma rede de espionagem durante a 2ª Guerra Mundial e sua experiência com o stalinismo.

Quem foi Leopold Trepper?

Leopold Trepper foi um militante comunista de origem judaica do PCUS judeu-polaco no período entre guerras do século XX. Judeu polonês, bom aluno, pedreiro, serralheiro, metalúrgico, mineiro, militante marxista (desde meados da década de 1920), preso político, imigrante, exilado, estudante de destaque nas universidades soviéticas em meados da década de 1930, coronel do Exército Vermelho; e dirigente central dos serviços de inteligência militar soviéticos na Europa ocupada na Segunda Guerra Mundial, uma rede de militantes antifascistas que os próprios nazis, surpreendidos pela sua capacidade e composição, batizaram (corretamente) de “A Orquestra Vermelha”.

Talvez por isso o núcleo duro da “Orquestra Vermelha” será formado pelos militantes do grupo judaico-palestino La Unidad (Ishud), da década de 1920. Dele virá sua direção e militância, vanguarda de duras derrotas contra a máquina nazista e salvando centenas de milhares de vidas. Estarão na “orquestra” (como pode ser visto acima na foto) o próprio L. Trepper, Leo Grossvogel e Hillel Katz; a velha guarda palestina. Quem quiser descobrir ou conhecer a história e a luta da “Orquestra Vermelha” - altamente recomendável - partilhamos esta nota, A Orquestra Vermelha sob os acordes da Segunda Guerra Mundial
https://www.laizquierdadiario.com/La-Orquesta-Roja-bajo-los-acordes-de-la-Segunda-Guerra-Mundial

Capas de "O Grande Jogo" e "A Orquestra Vermelha"

Unidade de classe: Capítulo 3 - Palestina

No livro, Leopold Trepper conta que, fugindo da Polônia, foi para a Palestina em abril de 1924. Pouco depois, ele relata no capítulo 3 “Palestina” do livro “O Grande Jogo:

“Observei que os proprietários de terras judeus, cuja vida era muito confortável, apenas empregavam nas suas plantações trabalhadores árabes, que exploravam de forma atroz. Durante uma noite falei sobre isso aos meus amigos: — Por que os nossos “empregadores”, que se orgulham de serem bons sionistas, só usam trabalho árabe? — Porque é mais barato para eles. — E por quê? — Simplesmente, porque a Histadrut (Confederação Geral dos Trabalhadores Judeus, fundada em Haifa em 1920) apenas admite judeus nas suas fileiras e obriga os empregadores a dar-lhes um salário mínimo. Por isso preferem recorrer aos árabes, que nenhum sindicato defende.”

“Essa descoberta perturbou profundamente meu tranquilo idealismo. Como jovem emigrante, fui à Palestina para construir ali um novo mundo e agora percebi que a burguesia sionista, imbuída dos seus privilégios, queria perpetuar as relações sociais que queríamos abolir. À sombra da unidade nacional judaica, tropecei mais uma vez na luta de classes.”

“Alguns meses depois, no final de 1924, comecei a percorrer a pé todo o país. Naquela época, meio milhão de árabes e cerca de cento e cinquenta mil judeus viviam na Palestina. Visitei Jerusalém, a já industrializada cidade de Haifa, e a região de Enick-Israel ou Galiléia, onde meus amigos de Hashomer Hatzair trabalharam em vários kibutzim. Eles também tinham emigrado para a Palestina para criar uma nova sociedade da qual toda a injustiça seria excluída. Graças ao retorno à natureza e ao cultivo da terra, acreditaram que a comunidade adquiriria os valores da coragem, do altruísmo e da dedicação. Alguns deles começavam a ficar desiludidos, porque já duvidavam que lhes fosse possível lançar as bases do socialismo num país que estava sob mandato britânico. Para se convencer disso, bastava dar uma olhada nos robustos guardas da gendarmeria inglesa que, em grande número, vagavam pelas ruas. Foi vão, ilusório e até imprudente querer construir algumas ilhas de socialismo naquela região do mundo onde o leão britânico espreitava com todas as suas garras prontas”.

“— A nossa ação só faz sentido se constituir parte integrante da luta anti-imperialista, — disse-me um camarada numa das nossas longas conversas. — Enquanto os ingleses estiverem aqui, não poderemos fazer nada. — Mas nesta luta, — respondi, — precisamos do apoio dos árabes. — Exato. Só resolveremos a questão nacional com a revolução social. — Mas a conclusão lógica do seu raciocínio é que deveríamos aderir ao partido comunista. — Na verdade, acabei de entrar (…)”.

Leopold Trepper e sua companheira Luba Brojdé, polaca e também militante do grupo A Unidade, na Palestina.

“Então”, continua Trepper no seu livro, “propus aos líderes do partido, Averbuch, Berger e Birman, a criação de um movimento, o Ishud (A Unidade), Itashai em árabe, que abrangeria tanto judeus como árabes. O programa seria muito básico: lutar para que a Histadrut (CGT judaica) admitisse trabalhadores árabes nas suas fileiras e depois criasse uma Internacional sindical unida. Criar oportunidades para judeus e árabes se unirem, especialmente através de manifestações culturais.”

“O sucesso do Ishud foi imediato. No final de 1925 havia clubes em Jerusalém, Haifa, Tel Aviv e até nas cidades agrícolas onde trabalhadores árabes e trabalhadores judeus trabalhavam lado a lado. Mas, as autoridades inglesas ficaram preocupadas com as atividades do Ishud (A Unidade) e proibiram as suas reuniões por decreto. O secretário da Fração Operária foi preso. Eu o substituí. Em 1927, a polícia judaica, controlada pelos ingleses, surpreendeu uma das nossas reuniões em Tel Avív. Fui detido e depois encarcerado em Haifa durante vários meses.”

Em 1929, L. Trepper e vários de seus companheiros serão expulsos da Palestina por decisão do governador inglês.

(esquerda) França, agosto de 1945. Folheto “a luta dos trotskistas contra o terror nazista”.
(direita) França, 15 de julho de 1944, “Paz entre nós, guerra aos tiranos” e “A bandeira vermelha já está hasteada em Berlim”.

Lembranças de Trepper sobre os trotskistas

Na década de 1930, após uma breve estadia na França após ser expulso da Palestina, Trepper mudou-se para Moscou, onde estudou e treinou nas universidades internacionais do Partido Comunista. Durante esses dias, ele também vivenciará de perto o início da contrarrevolução e do terror stalinista, do qual ele conseguirá eludir, e entrará na Segunda Guerra com a patente de coronel do Exército Vermelho. Ele se lembra daqueles tempos e escreve em outro capítulo de “O Grande Jogo” (Cap. 7 “Medo”):

“Foi em 1938, quando Moscou foi ‘limpa’ de militantes comunistas. O brilho de outubro estava desaparecendo no crepúsculo da prisão. A revolução degenerada engendrou um sistema de terror e horror, em que os ideais socialistas eram ridicularizados em nome de um dogma fossilizado que os algozes ainda tiveram a audácia de chamar de marxismo (...). Mas quem protestou naquele momento? Quem se levantou para gritar sua fadiga? Os trotskistas podem reivindicar esta honra. Tal como o seu líder, que pagou pela sua obstinação com um chicote, os trotskistas lutaram totalmente contra o stalinismo e foram os únicos que o fizeram. Na época dos grandes expurgos, só podiam gritar a sua rebelião nas imensidões geladas, para onde tinham sido levados para melhor exterminá-los. Nos campos de concentração a sua conduta foi sempre digna e até exemplar. Mas suas vozes se perderam na tundra siberiana.”

“Hoje os trotskistas têm o direito de acusar aqueles que então entoaram os uivos de morte dos lobos. Não esqueçamos, porém, que tinham sobre nós a imensa vantagem de terem um sistema político coerente, capaz de substituir o stalinismo, e ao qual se podiam agarrar no meio da profunda miséria da revolução traída. Os trotskistas não ‘confessaram’, porque sabiam que as suas confissões não serviriam nem ao partido nem ao socialismo.”

Experiências como estas fazem parte da história da classe trabalhadora mundial e do movimento revolucionário. É necessário recuperar estas histórias internacionalistas da luta de classes, orientar-nos num mundo convulsivo e não cair nos enganos das guerras promovidas pela burguesia e pelo imperialismo que sangram nações e povos.




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