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França | Sasha Yaropolskaya: “Os aterroriza que o feminismo saia do pântano liberal e volte às suas tradições revolucionárias”

No dia 6 de março, Sasha Yaropolskaya, parte do Du Pain et Des Roses (Pão e Rosas) e do Révolution Permanente (RP), na França, parte da mesma rede internacional do Esquerda Diário e organização irmã do Movimento Revolucionário dos Trabalhadores (MRT) no Brasil, fala da importância do feminismo revolucionário na luta pelos direitos das mulheres, contra as tendências militaristas e para enfrentar o Estado capitalista. Confira a transcrição completa:

quarta-feira 13 de março | 16:58

Boa noite a todas e a todos,

Escutem, queria compartilhar com vocês uma notícia. Descobri algo verdadeiramente incrível esta semana. Ao que parece, a França é o país mais feminista do mundo. A democracia francesa é um farol que ilumina as águas turvas do oceano para os barcos perdidos dos países autoritários. O primeiro país do mundo que consagra o aborto legal em sua Constituição. Sabiam?

Bem, aparentemente primeiro foi a Iugoslávia, depois Equador, e depois Cuba. E agora nós. Mas parece que isto é apenas um detalhe! Macron disse que nós fomos os primeiros. Os demais fizeram como piada. Não valeu. Mas no nosso caso sim, estamos fazendo de verdade.

Quando li isso no jornal esta semana, pensei: uau!, mas o fato de consagrarem o aborto legal na Constituição deve mudar tudo. Quero dizer, convocaram em alto e bom som o Congresso para o palácio de Versailles. Macron vai realizar uma cerimônia pelo 8 de março na Place Vendôme. Yaël Braun Pivet vai viajar para Nova York para presumir a inscrição do aborto legal na Constituição perante a ONU. Então pensei, isto só deve significar uma coisa: é certo que vão anunciar grandes investimentos orçamentais para os hospitais públicos, vão reabrir as centenas e centenas de maternidades e centros de aborto que foram fechados nos últimos 20 anos, e vão anunciar a formação massiva de médicos, enfermeiras e parteiras.

Pensei: na realidade, Macron é bom! Nos enganamos em nossos objetivos! Nos enganamos em nossas lutas! Não fez mais do que cagada nos primeiros sete anos de seu mandato, mas isso foi um erro de iniciante. Mas agora sim vai fazer bem feito as coisas, vai fazer coisas incríveis todos os dias que restam destes 5 últimos anos de governo. Porém, depois li… e, sinceramente partiu meu coração, como me decepcionei ao ler sobre o corte orçamentário de 600 milhões previstos para o sistema hospitalar público em 2024. 600 milhões. Atualmente uma a cada cinco mulheres na França tem que ir a outra província para abortar, os serviços de emergência fecham um após o outro e a França se transforma em um verdadeiro deserto médico, e, para além disso, querem fazer sangrar ainda mais os hospitais.

Faz apenas um mês, toda a juventude feminista estava furiosa contra Macron porque defendeu Gerard Depardieu ao início de uma nova onda MeToo. Imediatamente depois, escandalizou o mundo adotando o discurso da extrema-direita sobre os temas de natalidade e crescimento demográfico. Mas agora nos aproximamos do 8 de março, estamos a três meses das eleições europeias, e aprova uma pequena medida que sem dúvida conta com o apoio da opinião pública, mas que não obriga a nenhum governo a um compromisso financeiro. Em um momento que suas políticas são entraves para o real acesso ao aborto, irá passar os próximos três meses sendo completamente insuportável, citando a Simone Veil e a Gisèle Halimi a cada ocasião, dizendo que é diferente da extrema-direita, e que devemos a ele os avanços históricos em favor das mulheres.

Mas ninguém esquece que foi este governo que mandou as mulheres trabalhadoras deste país a trabalhar até seus 67 anos para não morrer na pobreza. Ninguém nesta sala esquece o balanço macabro de suas políticas neoliberais que precarizam as mulheres: mais de 900 feminicídios desde 2017, e centenas de milhares, frequentemente mães solteiras, que se encontram nas filas dos bancos de alimentos, buscando comida vencida, pulando refeições para poder alimentar seus filhos. Este é o feminismo do governo Macron!

Para eles, feminismo significa projetar na Torre Eiffel a frase “Meu corpo, minhas regras” para celebrar um símbolo. Foi que fizeram esta semana. Dizem “meu corpo, minhas regras”, mas enviam a polícia para controlar as meninas muçulmanas nas portas das escolas para verificar o comprimento de seus vestidos. Dizem “meu corpo, minhas regras”, mas propôs esterilização às mulheres comorenses da colônia francesa de Mayotte. Por acaso também dizem “meu corpo, minhas regras” às mulheres na Faixa de Gaza, onde o sistema de cuidados foi totalmente destruído com ajuda militar da França, que vende armas a Israel? Por acaso dizem “meu corpo, minhas regras” às dezenas de milhares de mulheres palestinas que dão luz em tendas e cujos recém-nascidos morrem de fome?

E quando as militantes feministas denunciam o genocídio em Gaza, ameaçam cortar-lhes seu subsídio. Na realidade, eles têm medo do verdadeiro feminismo. Não estou falando de sua versão institucionalizada e dócil! Não falo do feminismo racista e colonial de Marlène Schiappa e Aurore Bergé! Não, estou falando do verdadeiro feminismo, eles temem o verdadeiro feminismo. Têm medo de que as centenas de milhares de mulheres que se manifestam nos últimos anos contra a violência sexista e sexual, têm medo de que essas mulheres comecem a fazer conexões com as outras lutas, têm medo de quando veem que a maioria dos participantes do movimento pela Palestina são mulheres.

Sempre tentam nos dividir, por isso enlouquecem como nunca cada vez que veem os ativistas ambientais e o movimento operário juntos. Cada vez que veem as feministas, os imigrantes sem papéis e os ativistas pró-Palestina juntos lutando contra este governo.

Os aterroriza que o movimento feminista saia do pântano liberal e volte às suas tradições socialistas e revolucionárias. Faz um século, que as mulheres militantes comunistas, junto de seus companheiros homens, derrubaram o regime czarista na Rússia, foram as primeiras do mundo a conseguir o aborto legal mediante a revolução, oraganizando greves massivas, preparando uma revolução mundial. Algumas delas deram suas vidas por isto e posso garantir que este feminismo, este feminismo revolucionário, assusta profundamente o governo. É algo que nunca conseguirão recuperar, e por isto atacam qualquer forma de feminismo que não obedeça suas ordens.

Nós encarnamos essas feministas que não possuem ilusões em suas promessas. Sabemos que seu projeto não é de avançar nos direitos das mulheres. Para além dos golpes de efeitos midiáticos nas vésperas do 8 de março, nada disso importa. Seu projeto é rearmar a Europa, seu projeto é enriquecer a indústria armamentista, seu plano é preparar nossa geração para a guerra. E com a preparação para a guerra, estão agitando as piores ideias reacionárias e patriarcais para que aceitemos melhor o destino biológico que tem planejado para nós: os homens devem morrer nas frentes, as mulheres devem ter filhos em casa.

É sob este pretexto das necessidades das nações em guerra é que já estão proibindo os abortos nas clínicas privadas da Rússia. Por isso não se pode lutar contra o patriarcado sem lutar contra o militarismo e sem lutar contra o Estado.

Queria terminar minha intervenção sublinhando três coisas.

Hoje é 6 de março, e há menos de uma semana em Moscou, Rússia, de onde venho, eclodiu uma poderosa manifestação de 25.000 pessoas contra o regime de Putin e a guerra da Ucrânia.

Isto ocorre em um momento em que na Rússia há uma repressão de uma escala não vista desde Stalin, que levou centenas de milhares de pessoas a imigração.

Por isso, em primeiro lugar, nunca devemos pensar que nada é possível, que o Estado é demasiado poderoso. Se os russos são capazes, em plena guerra, sob lei marcial, sob ameaça de serem despedidos de seus empregos, expulsados da universidade, enviados ao front para morrer nas trincheiras, se os russos são capazes de enfrentar isso e gritar nas ruas Abaixo ao Czar, gritar que os ucranianos são boa gente, gritar que devemos trazer os soldados para casa, então lhes digo que tudo é possível.

Em segundo lugar: Podem haver manifestações e movimentos muito importantes que eclodem espontaneamente. É impressionante a coragem que mostram atualmente.

Faz sete anos que eu era estudante na Rússia e participei deste tipo de manifestações. Se hoje falo diante de vocês, depois de sete anos, é porque minha geração não conseguiu derrotar o regime russo. E hoje muitos de nós nos encontramos na imigração, e os mais conhecidos de nós estão encarcerados nas prisões russas e alguns de nós, enterrados em cemitérios.
O que quero dizer é que lutar contra o sistema capitalista, contra o Estado, seja na França ou na Rússia, não é um jogo. Nos enfrentamos com o Estado, e o Estado é uma máquina brutal que não tem consciência, nem freio, nem piedade. Se há algo que aprendi nestes 7 anos, é que apenas a determinação, apenas a coragem… não são suficientes. Frente ao Estado, precisamos nos organizar, construir uma organização com uma estratégia para derrotar o Estado, precisamos construir metodicamente um exército, batalhão por batalhão, divisão por divisão, e cujas forças são forjadas, treinadas, ao longo dos anos, de combate a combate.

Por isso, o que quero dizer hoje, aqui em Paris, como russa, e mais de um século depois da Revolução de Outubro, é que sim, é preciso recolocar a revolução na ordem do dia, sim, temos que recolocar a construção de partidos revolucionários na ordem do dia na França, na Rússia, na Grã Bretanha, nos Estados Unidos, na Argentina, na Argélia, em Marrocos, no Líbano, na Palestina! Em todas as partes do mundo.

Uma última coisa: no 8 de março vamos nos manifestar, vamos fazer greve, e vamos sair às ruas para dizer que não vamos morrer nos fronts pelos seus interesses, não vamos rearmar demograficamente a nação, o único que iremos rearmar é o movimento feminista e vamos combater tenazmente, até as últimas consequências, contra todos os seus projetos.




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