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Braskem Maceió: Crônica de uma tragédia anunciada

Cristina Santos

Braskem Maceió: Crônica de uma tragédia anunciada

Cristina Santos

Desde pelo menos 2018 os moradores de Maceió vivem com um medo constante: o de que o chão abaixo de seus pés se abra e na cidade seja produzida uma gigantesca cratera na qual caberia um estádio do tamanho Maracanã. Já são 5 bairros que tiveram que ser evacuados: Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. Outras regiões, como da comunidade do Flexal, ficaram isoladas por causa da migração da população ao seu redor. Para chegar ao local, é preciso atravessar um “bairro fantasma” ou pegar um barco sob a laguna Mundaú

Isolamento em rua que dá acesso ao bairro do Flexal

Chama a atenção o nível de cerco midiático que veio tendo esta enorme crise do estado de Alagoas, citadas pouquíssimas vezes nos meios de comunicação nos últimos 5 anos. No dia 29 de novembro deste ano, a prefeitura de Maceió havia anunciado situação de emergência por risco iminente de colapso da mina 18, fato que colocou o tema novamente no debate nacional. Apenas desde esta data, ao menos 5 abalos sísmicos haviam sido registrados na cidade e somente entre sexta e sábado no último final de semana, o solo já havia cedido aproximadamente 13 cm; no domingo, parte da mina 18 se rompeu.

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A mina 18 é uma das 35 que existem no município, todas obras da Braskem para a exploração do sal-gema. Abel Galindo, pesquisador e professor da Universidade Federal de Alagoas, foi uma das primeiras vozes a relacionar diretamente o problema nos bairros e os tremores à exploração do sal-gema pela Braskem:

“Esses tremores de terra são diferentes dos fenômenos naturais, são abalos sísmicos provocados pelos efeitos da mineração de sal-gema, que deixaram crateras gigantescas no subsolo da zona de ocorrência, onde se concentram as minas exploradas pela Braskem, nessa região da orla lagunar, que vai do Mutange até Bebedouro, com reflexos também nos Flexais.[...] ao todo, estão sendo desativadas 35 minas de sal-gema, algumas de tão grandes, já que se fundiram com outras, caberia dentro delas um estádio de futebol do tamanho do Maracanã" [1]

Passados 5 anos desde o reconhecimento das primeiras rachaduras, muitas famílias seguem sem nenhum amparo nem dos governos, nem da empresa. Aos que foram indenizados, os valores oferecidos foram abaixo do valor real dos imóveis e aqueles que a princípio se negaram a deixar suas casas, a devastação dos bairros causada pelo progressivo abandono da vizinhança obrigou a migração, muitos tendo que ir para bairros mais periféricos, longe do centro da cidade.

Conversando com uma ex moradora do bairro de Pinheiro, ela nos informou que as indenizações oferecidas pela Braskem era muito abaixo do valor real dos imóveis e muitos tiveram que mudar para bairros distantes, longe de suas redes de apoio, gerando um impacto muito grande no cotidiano destas pessoas. Ainda estamos falando de moradores que foram indenizados, pois muitas famílias estão em regiões cercadas por áreas condenadas, como é o caso dos moradores do Bom Parto, onde uma moradora nos relatou que ela - assim como outros vizinhos - deixam uma sacola pregada na porta com muda de roupas e documentos, para o caso de terem que sair correndo em uma emergência. Também nos disse que muitos já não conseguem dormir, pois todo barulho à noite pode ser um alerta de algo que esteja desabando. Se sentem em risco constante, e nestes casos, a Braskem nem mesmo orientou um plano de evacuação que fizesse algum sentido. Como nos relatou o repentista João Procopio, patrimônio vivo do estado de Alagoas e que vive há 25 anos uma região ilhada entre zonas condenadas, “a população de Bom Parto foi abandonada”.

Braskem e políticos: um pacto capitalista regado ao sal das lágrimas de Maceió

A Braskem e os governos sabiam do risco de um colapso ambiental há anos e seguiram explorando Sal-gema na região. As manifestações contra a mineração em Maceió começaram já no início da operação da empresa dos anos 70, sob o governo ditador de Médici, que autorizou a instalação da então Salgema Indústrias Químicas. Há distintos indícios de espionagem do quadro de trabalhadores da empresa sob alegação de suspeita de subversão, assim como também de jornalistas e ativistas ambientais da região. Até mesmo um bloco de carnaval foi alvo do Serviço Nacional de Inteligência da ditadura militar. Os militares alegavam que o ativismo contra a mineração era uma ameaça ao projeto de desenvolvimento do país.

Uma semana após o início das operações para produção de cloro em 1977, já houve relatos de peixes que apareceram mortos nos arredores da lagoa Mundaú. Segundo o The Intercept, uma reportagem da Gazeta de Alagoas de 13 de março de 1983 mostrava que naquele momento a estrutura de espionagem do governo já sabia do risco de “acidente grave” na região relacionada à produção de cloro. Em 1985, as mobilizações se intensificaram após o governo anunciar a duplicação da operação e a instalação do Polo Cloroquímico em Marechal Deodoro. Naquele momento, não se falava de crateras sob o solo, o risco ainda estava relacionado com o cloro na atmosfera.

Fonte: www.historiadealagoas.com.br

Durante os anos da ditadura, o estado foi governado pelo Arena e após o regime bipartidário do regime militar, pelo PDS. Após a redemocratização, o estado foi governado por distintos representantes das oligarquias locais, todos tinham uma coisa em comum: a subserviência e a conivência com os crimes da Salgema/Braskem. O nome da empresa foi mudado em 2002 para Braskem, a partir da fusão das empresas Copene, Nitrocarbono, OPP, Polialden, Proppet e Trikem, empresas da Odebrecht, a mesma da Lava Jato e que hoje, após os escândalos de corrupção, se chama Conglomerado Novonor e segue sendo a principal acionista da mineradora Braskem.

Durante toda a sua atividade, a empresa explorou o sal-gema do subsolo de Maceió sem cumprir nem mesmo com os mais mínimos requisitos técnicos, como seria o preenchimento das cavernas após a extração do mineral. A empresa trocou o mineral por água, que além de não prover sustentação do solo, atuava para seguir corroendo as paredes das cavernas. O resultado disso é que parte significativa da cidade, mais precisamente ⅙ dela, hoje se encontra sobre algo parecido com um grande queijo suiço, com grandes cavernas sob o solo, das quais os moradores só tiveram conhecimento após os abalos sísmicos de 2018, já que as manifestações e denúncias de ativistas e jornalistas eram abafadas pela mídia local.

Charge publicada, em setembro de 1985, na antiga Tribuna de Alagoas como ilustração da reportagem de Mário Lima e Érico Abreu - texto pioneiro sobre o perigo das cavernas esvaziadas do sal em pedra pela mineração da Salgema.

Hoje já são 5 bairros, mais de 60 mil pessoas, que tiveram seus sonhos destruídos pela ganância capitalista da Braskem e a conivência de todos os governos.

Uma informação pouco veiculada pela mídia, é que o colapso também poderá afetar drasticamente a flora e a fauna dos arredores da Laguna Mundaú [2], fonte de sustento para muitas famílias de pescadores e marisqueiros, devido ao excesso de sal que pode vir a conter na água. Este impacto já se faz sentir na produção de sururu - marisco abundante na região - onde já se percebe a sua redução e que poderá ser totalmente extinto por causa da salinização.

Os governos são coniventes com a multinacional, que além de ter seus membros dentro do parlamento a partir do financiamento de campanhas, também controla os meios de comunicação local. A Agência Nacional de Mineração, controlada pelo governo federal, e o Instituto do meio ambiente de Alagoas, de responsabilidade do governo do estado, tinham a função de fiscalizar e conceder licenças ambientais para a Braskem, e isso é uma expressão nítida da responsabilidade de todas as esferas de governo nesta crise.

O atual prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, JHC, do PL, mesmo partido de Jair Bolsonaro, aceitou em julho deste ano um acordo com a Braskem, onde a prefeitura recebeu da empresa o valor de 1,7 bilhão de reais em troca de, “quitação plena, rasa, geral, irrestrita, irrevogável e irretratável” de quaisquer obrigações extras relacionadas à extração de sal-gema ou ao que a empresa chama de “evento geológico”. E tem mais: a partir deste acordo, a Braskem tem até o final de 2024 para pagar à prefeitura este valor e em contrapartida, a mineradora está livre de qualquer nova indenização e também de cobrança de impostos referentes à região dos imóveis afetados e ainda passa a ser dona dos imóveis deixados pelos moradores.

Os capitalistas e seus governos são incapazes de oferecer uma saída para a crise que atravessa Maceió. O ápice da crise se deu durante o governo Bolsonaro, que não tomou nenhuma medida concreta para resolver a questão e a Braskem seguiu normalmente suas atividades. No começo de 2023, já sob o governo de frente ampla de Lula-Alckmin, a Braskem participou inclusive do Big Brother Brasil como uma das patrocinadoras, se alçando para o público como uma empresa com responsabilidade sócio ambiental. Como se fosse pouco que uma empresa que está acabando com a vida de milhares de pessoas posar com seu selo de “capitalismo verde” em horário nobre em rede nacional, o governo federal também colocou como um de seus conselheiros ninguém menos que o atual presidente da Braskem, Roberto Bischoff.

Este caso mostra nitidamente como os capitalistas da Braskem constroem seus lucros sobre do sal das lágrimas da população trabalhadora e pobre de Alagoas, que são os mais terrivelmente afetados com esta tragédia. Os únicos interessados em realizar uma produção que considere o equilíbrio metabólico com a natureza e o entorno é a classe trabalhadora e a população que hoje vive com medo de novos colapsos.

É urgente a expropriação da Braskem e sua estatização sob controle dos trabalhadores, o repúdio à repressão aos moradores que se negam a deixar suas casas por não terem para onde ir, além de um plano de emergência que inclua projetos de obras públicas que visem garantir moradia segura para todos os afetados.

Os sindicatos precisam levantar essas bandeiras em cada local de trabalho e organizar a luta contra a mineração predadora e os crimes da Braskem, assim como de outras empresas milionárias que exploram os recursos naturais e a vida de seus trabalhadores, causando crimes ambientais catastróficos, como são os casos de Mariana e Brumadinho, de responsabilidade da Vale. As entidades estudantis, como a UNE, precisam se apoiar no espírito da juventude que se levanta em todo o mundo contra o capitalismo e a degradação do planeta e instalar este debate nas universidades, organizando os estudantes em todo o país para se mobilizarem.


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Cristina Santos

Recife | @crisantosss
Professora e militante do grupo Pão e Rosas.
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