Por Mariana Leari, estudante de Artes na UNB.

O Estado surge através do caráter irreconciliável das classes, que carregam interesses explicitamente opostos. De um lado, a classe trabalhadora, do outro, a burguesia.

Classe Trabalhadora: a que tudo produz.

Sem ela o capital não gira, sem ela não há quem delegar 8, 12, horas de trabalho, e no final do mês, impor como democrático, plausível e máximo, um salário de fome; que não dá pra fechar as contas, mas dá pro "básico".

E o que é o básico?

É uma compra do mês feita. Sem muito luxo na hora de escolher os alimentos, mas com um 1kg de ossos escolhidos a dedo depois de enfrentar uma fila gigante pra comer o que sobrou da carne.

O que é o básico?

Tomar um banho, talvez quente mas sempre frio, depois do serviço; mas sem muito tempo pra pensar, vestir-se de roupa nova e colar a barriga no fogão, botar o pano no rodo, a roupa no varal, o ferro na tábua...e lá se vão mais 8, 12 horas, o tempo passa assim, repetido entre duas jornadas. Uma pro patrão, a outra para a casa.

O tempo não para, o descanso não vem. Mudou a empresa, férias, se tudo der certo, só no final do ano que vem.

O que é o básico?

Na hora de dormir fechar as janelas e portas mas não as cortinas. Há muito já se transpassou a realidade de fora, que se pôs dentro. É dentro de uma casa no sapê, que se é roubado as poucas horas que sobraram no dia. É numa casa no sapê que um curto intervalo dedicado para o sono é arrancado de uma mãe, que não dorme pensando no documento de despejo, no filho, na escola, na mudança.

A quem serve o básico?
O básico, é precarização
A quem serve a precarização?
A quem serve explorar todo uma classe, a maioria da população, pra garantir que todo mês, sem margens negativas, não só se tenha lucro mas o aumente?

A quem serve matar Thiago?
A quem serve matar Eloá?
A quem serve matar Bernadete?
A polícia diz que é bala perdida, mas não param de atirar.
A quem serve a polícia?
A quem serve um aparato de poder feito pra dizimar nossos sonhos, a infância das nossas crianças, o gozo dos nossos dias?

A quem serve essa esquerda que está fechada pra independência de classe mas totalmente aberta pra conciliação, que abre espaço pra direita e extrema direita, pra burocratização, pras chacinas que aconteceram esse mês no Rio, em São Paulo e na Bahia?
A quem serve essa esquerda que perpetua o legado de ataques bolsonaristas como o novo ensino médio, a reforma trabalhista, a reforma da previdência?

A quem serve colocar como uma vitória a retirada do Fundeb do Arcabouço Fiscal?
A quem serve comemorar que as crianças vão para a escola mas não vão ter acesso a saúde, à alimentação, ao saneamento básico?

É essa conciliação com o Estado que fortalece o que nos mata, precariza, oprime e explora.

A QUEM SERVE MATAR O NEGRO?

É por isso que cada negro está convocado a ocupar as primeiras fileiras na luta contra esse sistema, e escrever os próximos brilhantes capítulos da história, rumo a uma vida que vale a pena ser vivida. Onde não nos é arrancado a vontade de viver, de poetizar, amar, sentir, escrever, experimentar, de ser. Onde as crianças corram, as mães durmam e o tempo não é arrastado, é vivido - Temos o direito de viver!