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SEMANÁRIO

[Dossiê] À Revolução Russa em seu 106° aniversário

Laura Sandoval

Araçá

Dossiê

[Dossiê] À Revolução Russa em seu 106° aniversário

Laura Sandoval

Araçá

Nesta edição, a coordenação do suplemento Carcará apresenta um dossiê comemorativo da Revolução Russa, a partir dos debates de arte e cultura.

O dia 7 de novembro (no calendário utilizado na Rússia à época, 25 de outubro) marca o aniversário da Revolução Russa, com a tomada do poder no Palácio do Inverno de 1917. Hoje, a edição do Carcará é comemorativa dos 106 anos da Revolução que deu início ao primeiro Estado operário da história da humanidade, sua experiência mais avançada na luta por um sistema sem sem classes. Para aqueles que conheceram a grande miséria de uma guerra mundial em 1914, três anos depois viram um país feudal e de maioria camponesa ser transformado na maior ameaça para a burguesia internacional.

Essa grande revolução que homenageamos foi construída por homens e mulheres comuns, organizados coletivamente nos sovietes, onde aprenderam a verdadeira democracia capaz de tomar a luta em suas mãos, e liderados por um partido bolchevique. Esses homens e mulheres mudaram o curso político na Rússia e no mundo apresentando uma alternativa social e econômica que almejava abolir toda exploração do homem pelo homem. Não apenas isso, mas também foi pelo processo revolucionário que, 106 anos atrás, grandes debates efervesceram no campo da arte, da educação e da cultura. Tais contribuições para a humanidade são talhadas de se tornarem aspirações concretas até os dias de hoje por conta dos limites do capitalismo. Porém, aqueles que fizeram uma revolução entenderam que a potencialidade dos seres humanos era muito superior do que o se que se reserva este sistema de miséria. Assim, era tarefa do período após a tomada do poder de avançar a consciência das massas, criar um sistema de educação que correspondesse aos objetivos comunistas, e democratizar o debate e a criação de arte para que cada sujeito pudesse aspirar tornar-se um “gênio criador".

Em 1923, Leon Trótski, dirigente junto a Lenin da revolução de outubro, dedicou uma série de textos (compilados então em seu Questões do Modo de Vida) a refletir profundamente a situação da vida cotidiana na Rússia soviética: do processo de destruição da família burguesa às potencialidades do cinema, da higiene pessoal à linguagem. Trótski debate como nem sequer as transformações materiais mais radicais resolvem por inteiro e definitivamente, por exemplo, a opressão patriarcal. É portanto necessário “um desejo íntimo e individual de auge cultural”, uma luta consciente contra todos os rastros de opressão e por uma cultura e arte livres. Seriam essas as tarefas dos revolucionários após a tomada do poder, que deveria inevitavelmente se expandir para os quatro cantos do mundo, segundo Trotsky. Ao homenagear esse processo, não poderíamos deixar de homenagear também esse grande dirigente bolchevique, que coincidentemente também faz aniversário no dia 7 de novembro, tendo nascido 38 anos antes de comandar a invasão ao Palácio de Inverno.

Na passagem de 1923 para 1924, em seu Literatura e Revolução, Trótski reforça que a luta pela nova arte, pela arte livre, necessita de uma luta consciente por uma “nova consciência”:

Essa arte necessita de nova consciência. Antes de tudo, é incompatível com o misticismo, quer evidente, quer disfarçado em romantismo, porque a Revolução parte da ideia central de que o homem coletivo deve tornar-se o único senhor, e de que só o conhecimento das forças naturais e sua capacidade de utilizá-las poderão determinar os limites do seu poder. Essa nova arte é incompatível com o pessimismo, o ceticismo e todas as outras formas de abatimento espiritual. Ela é realista, ativa, vitalmente coletivista e cheia de ilimitada confiança no futuro. [1]

E o que o futuro socialista guarda à arte, à cultura e à vida por completo? Trótski também ousa e nos responde:

No socialismo, a solidariedade constituirá a base da sociedade. Toda literatura, toda arte, afinarão diferentes notas. Aqueles sentimentos que nós, revolucionários, muitas vezes hesitamos em chamar por seus nomes – amizade desinteressada, amor ao próximo, participação sincera, que foram tão vulgarizados e degradados – ressoarão em acordes poderosos na poesia socialista.
[...]
Nessa luta desinteressada e intensa sobre as bases culturais que constantemente crescerão, a personalidade humana crescerá e se aperfeiçoará em todas as suas facetas, com sua inestimável propriedade fundamental, a de não se contentar com o que até agora conseguiu. Na realidade, não temos motivo nenhum para temer que, na sociedade socialista, a personalidade se entorpeça e a arte empobreça.
[...]
A crosta da vida cotidiana dificilmente terá tempo de se formar antes de estourar novamente sob a pressão de novas invenções e conquistas técnicas e culturais. A vida do futuro não será monótona. [2]

Pra partilhar algumas reflexões que partem dessa inesgotável confiança no futuro socialista da humanidade, da luta por uma vida que valha a pena se viver, livre de toda exploração e opressão, essa edição do Carcará apresenta um dossiê concentrado com alguns dos debates desse período:

Arte Revolucionária e Arte Socialista
Por Leon Trótski

"Não existe ainda arte revolucionária. Há elementos dessa arte, sinais, tentativas de realizá-la e, antes de tudo, o homem revolucionário, que forma a nova geração à sua imagem e que necessita cada vez mais dessa arte. Quanto tempo transcorrerá para que ela claramente se manifeste? É difícil adivinhar. Trata-se de um processo imponderável, que não se pode calcular. Mesmo quando pretendemos determinar a duração dos processos sociais, limitamo-nos a meras suposições. Por que essa arte, ao menos a primeira grande onda, não chegaria logo, como a arte da geração que nasceu da Revolução e que é conduzida por ela?"

Cultura e revolução: os debates de Trótski sobre a transição para o socialismo
Ariane Díaz

"Durante a década de 1920, quando a Revolução Russa estava lutando com novos problemas - isolamento internacional, a introdução da NEP [Nova Política Econômica] e as lutas políticas abertas dentro do partido após a morte de Lenin - Trotski interveio no debate público com vários escritos sobre os problemas culturais da transição [ao socialismo]. Neste artigo abordaremos uma dessas intervenções, ao redor dos escritos de Trotsky em Literatura e Revolução (1924)."

“Arquitetos do universo”, “cenógrafos do planeta”: a fusão de arte e revolução em Mistério-Bufo, de Maiakóvski
Bianca Rozalia Junius

"’Mas esse prazer é suficiente / se ele está no palco somente?’ questiona o prólogo da peça Mistério-Bufo, de Vladímir Maiakóvski, escrita em 1918 e reeditada em 1921. Desde essas primeiras linhas, a obra evidencia uma das principais batalhas que os futuristas e construtivistas russos travarão em meio ao turbilhão revolucionário que ocorria na época: o combate à ideia de obra de arte enquanto “narcótico”, puro alívio e distração momentânea para os trabalhadores e trabalhadoras, enquanto estes sobrevivem a duras penas à exploração capitalista."

A educação na construção do socialismo na Rússia
Por Mauro Sala

"Os revolucionários bolcheviques tinham total clareza do papel que a educação teria para a construção do socialismo. No plano educacional, eles tinham imediatamente um duplo desafio: superar o atraso relegado pelo antigo regime tsarista e educar as novas gerações para a nova sociedade que então se formava. Por isso, Lenin dizia que a educação tinha que estar relacionada com as tarefas da luta de classes, da construção do Estado operário e com o projeto comunista."

A Cine Verdade de Outubro
Por Fê Colares

"O período que vai da revolução de fevereiro de 1917 ao primeiro aniversário da revolução de Outubro, ao final de 1918, foi um período tenso e crítico na história mundial que abrange a construção, a realização e o início da consolidação da revolução dirigida por Lênin, Trótski, Kollontai e outros bolcheviques. Não por um acaso é em registrar esse período que Dziga Vertov se empenha em seu primeiro longa-metragem Aniversário da Revolução, de 1918, possivelmente o primeiro documentário longa-metragem da história e que permaneceu em grande parte perdido (como outro filme do autor, A História da Guerra Civil de 1921), tendo dele restado apenas 12 minutos até ter sido reencontrado e restaurado em sua totalidade no ano de 2018. Esse reencontro e restauro de um registro no calor do momento do processo revolucionário mais importante da história suscita consigo uma questão central: como o cinema soviético viu Outubro?"


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FOOTNOTES

[2TRÓTSKI, Leon. Mulheres, Revolução e Socialismo. Edições Iskra. p. 348-349
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Laura Sandoval

Estudante da Letras - USP

Araçá

Estudante de Letras da UFRN e militante da Faísca Revolucionária
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