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SEMANÁRIO

O abalo sistêmico do capitalismo na infância das crianças negras e pobres

Ana Carolina Toussaint

O abalo sistêmico do capitalismo na infância das crianças negras e pobres

Ana Carolina Toussaint

A busca pelo significado da infância sempre pendurou épocas históricas, desde da antiga Grécia até os primórdios da modernidade, importantes figuras da filosofia, sociologia e educação buscaram compreender e definir o significado de infância. Nesses 135 anos da abolição da escravidão segue perpetuados as mazelas sociais históricas do sistema atual vigente que impõe aos negros e pobres uma realidade social, econômica e subjetiva cada vez mais rebaixada e subjugada em nome dos grandes interesses da economia. Dentro desses parâmetros históricos, o atual texto busca expor algumas ideias centrais sobre o significado de infância na realidade atual do nosso país e quais são os impactos nas condições objetivas e subjetivas das crianças negras e pobres.

Poderíamos começar esse texto retomando as ideias fundamentais de Platão e Aristóteles sobre o significado da infância, que passaria por definições da imagem da criança ao do pai ou da mãe e também como estágio natural prolongado da existência humana de cada indivíduo, ou poderíamos aprofundar os fundamentos sociais de cada época a partir das contribuições teóricas de Descartes e Rousseau que sob o exercício de explicar o real significado de infância, também poderia ser apontado como ponto de partida outras discussões mais atuais que discutem a infância na perspectiva de combate a ideia inferiorização da infância em comparação ao estágio mais adulto/maduro do ser humano, que resulta em conclusões viciantes e superficiais da infância. Contudo, a atual exposição de ideias e denúncias atravessa os aspectos sociais em torno da atual realidade brasileira que condiciona até as crianças oriundas da classe trabalhadora a uma negação da sua própria infância, isso é na verdade uma tentativa vertiginosa de degradar as condições econômicas e subjetivas que impactam diretamente na infância, essa intenção é consciente e consensuada socialmente, que já é uma forma de preparar as crianças negras e pobres a uma vida adulta condicionada a exploração e precarização do trabalho, ou seja, a infância das crianças negras e pobres é interrompida e sequestrada pelos interesses da classe dominante, destinando as crianças da nossa classe a uma vida adulta futura angustiante e de miséria social.

Os mais de três séculos de escravidão no Brasil deixaram marcas que até os dias atuais é concebida socialmente, a teoria de que os negros são “inferiores" surgiu logo após a descoberta que a escravidão era excepcionalmente lucrativa [1] e por mais que o dia 13 de maio é um registro histórico da ruptura do Império a transição do Brasil República, essa lógica fundamentalmente arredor do lucro segue presente na sociedade atual, porém, com novas formulações, práticas culturais e sociais de dominação, que expressam categoricamente a relação indissociável da classe dominante com o racismo, que mantém nas suas vaidades o orgulho racista contra os negros e em outra medida o regozijo da história do nosso país ser marcado por mais anos de escravidão do que verdadeiramente a liberdade ao conjunto dos negros e pobres, contudo, por outro lado, esse regozijo é tão frágil e carregado de superficialidades, porque nega os verdadeiros acontecimentos históricos de protagonismo negro contra toda dominação escravista daquela época. Como afirma por exemplo Clóvis Moura:

“Mas o escravo não era apenas coisa, de acordo com as leis do tempo. Se assim fosse não haveria outra dinâmica social durante o regime escravista além daquela que as outras classes e camadas imprimiram. O escravo, no entanto, se, de um lado, era apenas coisa, do lado era ser. Por mais desumana que fosse a escravidão, ele não perdia, pelo menos totalmente, a sua inferioridade humana. E isto era suficiente para que, ao querer negar-se como escravo, criasse movimentos e atitudes de negação ao sistema.” [2]

Se a infância sofre os reflexos sociais de cada época histórica, no período da escravidão isso foi diferente, para as mulheres e homens já não eram garantidos nada, assim também ocorria para as crianças negras já no ventre de suas mães. Nos espaços políticos e outras instituições de direitos, como já era de se esperar, o direito à infância não era ponto de pauta, ao contrário, na verdade a infância dessas crianças eram marcadas pelo trabalho precoce nos campos e colheitas e a ruptura forçada de suas mães como produto de venda e troca no mercado escravista, sem nenhuma possibilidade de questionamentos e mudanças por partes das grandes elites. Nesse caso, o sentido da infância das crianças negras e pobres merecem uma atenção especial e particular porque é compreendida dentro dessa perspectiva histórica, que certamente é impossível de negar, mas está possivelmente sujeita a um dia deixar de existir. Essa política de negação e subjulgação histórica a todo conjunto dos negros impôs socialmente um tipo de naturalização nas relações sociais e nas condições estruturais sociedade que como consequência, as relações de exploração não aparecem como produtos da atividade humana, mas como algo que independe dos homens. [3] Que pressupõe hierarquia entre as classes sociais como algo natural e superior à vontade humana.

A infância das crianças negras e pobres após 135 anos da abolição da escravidão
“É um Estado doente que mata criança com roupa de
escola!”
Bruna Silva, mãe de Marcus Vinícius

Nesta semana, recentemente várias crianças moradoras da Maré foram impedidas de comemorarem o dia das mães por uma longa e intensa operação policial. Em 2019 uma escola localizada no Complexo da Maré exibiu na parede frontal e no telhado placas escritas “Escola não atire.” Marcus Vinicius, uma criança de 14 anos, foi assassinado pela polícia enquanto estava a caminho da escola, minutos antes de morrer a criança questionou a própria mãe se os policiais não o viram uniformizado. Em 2017 na escola Municipal Jornalista Escritor Daniel Piza, localizada no Acari, zona norte do Rio de Janeiro, a estudante de 13 anos Maria Eduarda foi assassinada pela polícia dentro de sua própria escola. Em 2019 durante o horário de almoço Jennifer foi atingida por um tiro no peito enquanto cortava uma cebola sentada na porta de sua casa. Enquanto estava do lado da sua mãe em uma kombi na Rocinha, Maria Eduarda foi atingida por um disparo policial que a levou a óbito. Durante os tortuosos anos da pandemia, João Pedro uma criança de 14 anos foi assassinado dentro da sua própria casa em consequência de uma operação policial. Entre os anos de 2017 e 2019 os resultados das operações policiais levaram obtidos 2.215 crianças, ou seja, durante esses anos duas crianças morreram por dia pelas mãos da polícia. Pelo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Rio de Janeiro ocupa o primeiro lugar no ranking de letalidade policial contra crianças e adolescentes, segundo os dados de 2017 até primeiro semestre de 2019 foram setecentas crianças e adolescentes mortos pelo braço armado do Estado. Lembrando que essas mortes são as mortes registradas, na verdade a tendência é que esses números possam ser maiores do que é de fato apresentado, infelizmente.

Para além dessa violência física, as crianças e adolescente sofrem com a violência moral e intelectual quando: “A partir dos dados fornecidos pela plataforma Fogo Cruzado, foi possível identificar 1.154 escolas da rede de ensino fundamental público do município do Rio que foram afetadas por pelo menos um tiroteio com a presença de agentes de segurança naquele ano. A maior parte dos estabelecimentos (57%) teve até 10 episódios em 2019 e 11% tiveram mais de 30 casos, sendo que apenas quatro escolas (0,3% do total) concentram 95 tiroteios no seu entorno. No dia 19 de março daquele ano, o diretor de uma escola municipal da zona norte do Rio relatou à Secretaria de Educação: “Presença de blindados nas proximidades da unidade, tiroteio intenso e ouvimos, também, muitas bombas. Sem condições para funcionamento”. [4]

Essa é a realidade que as crianças e adolescentes são obrigadas a viverem e pior do que viverem nessa condição e exposição social é naturalização dessa barbárie e violência, naturalização essa que é construída e consensuada pelo Estado e a polícia. Para além desses horrores sociais impostos, às escolas da rede pública localizadas no Rio de Janeiro frequentemente são prejudicadas pelas ações policiais. Segundo informações referentes ao capítulo Violência e Trajetória escolar do documento. Tiros no escuro: Impactos das guerras às drogas na rede municipal de educação do Rio de Janeiro. “Diversos estudos têm mostrado que a constante preocupação com a segurança afeta diretamente a capacidade de foco e de atenção dos estudantes, provoca medo e estresse, além de aumentar o risco de abandono escolar e de associação a grupos criminosos locais. A exposição à violência também tem sido relacionada a casos de baixa autoestima, ansiedade, depressão e Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT),22 síndromes que afetam o vínculo com o ambiente escolar, podendo prejudicar a aprendizagem de forma permanente e afetar severamente tanto o desenvolvimento social e cognitivo das crianças quanto suas expectativas futuras de renda”. [5]

Por fim, os problemas sociais que refletem nas condições de vida e psicológicas das crianças e adolescentes na verdade só nos provam o quanto o sistema vigente não merece a sua própria existência. Assim como em outrora, a luta por liberdade foi a palavra de ordem dos negros e negras escravizados, não só como palavra de ordem, mas como um ato histórico que marcou a história mundial da humanidade de negros e negras corajosos que não se submetida a nenhuma condição imposta por cima. Assim façamos e busquemos trilhar esses passos e caminhos, retomando aos debates mais centrais de como romper com as estruturas sociais que mantêm o racismo nutrindo o capitalismo. Na situação política atual o país segue marcado pelo racismo estrutural que chega atingir até as crianças e na medida que o governo Lula e Alckmin segue buscando alianças figuras da direita e extrema direita herdeiros diretos da escravidão só nos mostra que nossas batalhas e lutas tem que ser tratadas e construídas por nós e não como busca fazer o governo Lula com a frente-amplíssima. É preciso buscar transformar essa sociedade pela raiz, um sistema econômico que naturaliza assassinatos recorrentes contra crianças tem que ser lançado na lata de lixo da história da humanidade.


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FOOTNOTES

[1George Breitman- 1954: Quando surgiu o preconceito contra o negro.

[2Clóvis Moura: Os quilombos e a rebelião negra

[3Karl Marx- Friedrich Engels- A ideologia Alemã.

[4Plataforma Fogo Cruzado.

[5Dados referentes ao capítulo Violência e Trajetória escolar do documento: Tiros no escuro: Impactos das guerras às drogas na rede municipal de educação do Rio de Janeiro.
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