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O que é o nefasto Novo Ensino Médio Potiguar aplicado por Fátima Bezerra no RN e como derrotá-lo?

João Paulo de Lima

O que é o nefasto Novo Ensino Médio Potiguar aplicado por Fátima Bezerra no RN e como derrotá-lo?

João Paulo de Lima

O Rio Grande do Norte, governado por Fátima Bezerra (PT) em conjunto com o seu vice, o oligarca Walter Alves (MDB), tem sido espaço de implementação do Novo Ensino Médio, que no estado é chamado de Ensino Médio Potiguar, e que apesar de certas diferenças com o NEM, mantém o essencial desse ataque neoliberal nefasto: atacar e impedir o direito à educação de qualidade para a juventude filha da classe trabalhadora, em sua maioria negra, criando jovens que não consigam passar pelo filtro social do vestibular, e que se tornem cada vez mais força de trabalho não qualificado, para que sejam forçados a trabalhar nos piores postos de trabalho, com os piores salários e as condições mais precárias, garantindo que os capitalistas possam explorá-los cada vez mais e obterem os maiores lucros.

Neste artigo buscaremos primeiramente destrinchar os aspectos do NEM no RN, seguido de quais são os interesses que estão por trás de sua aplicação, e por fim colocaremos qual é a saída que defendemos para derrotar este ataque.

Substituindo o modelo anterior de EM, os alunos do RN agora são obrigados a cumprir os chamados Itinerários Formativos, com disciplinas e conteúdos que, apesar de toda a demagogia de que supostamente permitiria ao aluno entrar em contato com áreas de seu interesse, na realidade têm o objetivo de incutir na cabeça desses jovens de que eles devem ser “empreendedores” e que devem se profissionalizar para o mercado de trabalho.

Dentro dos Itinerários Formativos, estão as matérias eletivas, o Projeto de Vida e as Trilhas de Aprofundamento. Dentro desta última, podemos ver as trilhas mais absurdas, como por exemplo a famigerada “CSI Escolar: Desvendando mistérios” , que oferece a compreensão das técnicas de análise forense. Dentro desta trilha, os alunos estudam toxicologia, acidentes de trânsito e “digitais de um crime”, entre outras coisas. Uma das Unidades Curriculares se chama "E Aí, Bateu a Química?", que na sua Ementa diz o seguinte: "Existem inúmeras reações do nosso corpo que influenciam o nosso humor, disposição e felicidade, e importa compreender os efeitos das mesmas no nosso comportamento humano. Dessa forma, é possível estimular sensações e emoções boas, de forma a contribuir para um estilo de vida mais saudável e seguro. Como? Buscar formas naturais de aumentar o índice desses neurotransmissores, por exemplo: praticar exercícios, uma alimentação balanceada, entre outras". Já a Unidade Curricular "Meio Ambiente, Números e Renda" busca ensinar a como fazer sabão com óleo vegetal como meio de geração de renda.

Uma verdadeira piada de mau gosto do governo Fátima contra os estudantes!

Além disso vemos trilhas como “Homo Politicus: Empoderamento Juvenil”, bem como Unidades Curriculares como “Empreender e Financiar Sonhos”, “O Marketing da Lucratividade na Tecnologia”, “Musa Inspiradora: Da Vênus às Influencers” etc. Disfarçado de um viés crítico, os itinerários, que entre as habilidades dos Eixos Estruturantes, visa a desenvolver o eixo do Empreendedorismo, entre outras coisas, por exemplo ensinam os jovens a utilizarem as redes sociais para produzir conteúdo, como Facebook e Instagram, ensinando a produzir peças publicitárias, podcasts, canais de conteúdo digital etc.

Tudo para inculcar na cabeça dos jovens a ideia de “empreendedor individual”, da saída individual oferecida por dentro do capitalismo, em contraposição à saída coletiva contra esse próprio sistema, criando uma verdadeira armadilha para jovens, onde a ideia de “sucesso” (o que é uma raríssima exceção que só confirma a regra) por meio do seu “esforço individual” cria a ilusão de que todos podem “vencer na vida”, todos podem ficar ricos, preparando uma grande desilusão diante do fracasso, obrigando-os então a trabalhar para os capitalistas nas piores condições. Ou seja, é o mais puro engodo da ideologia neoliberal, que por fim acaba tendo um gosto muito amargo.

E, além da completa trivialidade desses conteúdos, diferentemente do que se diz, de que os itinerários formativos podem ser escolhidos de acordo com a vontade do estudante, a verdade é que as escolas só podem disponibilizar um número bastante limitado de itinerários, o que reduz bastante as opções dos estudantes, que só podem escolher as matérias que a escola conseguir oferecer. As próprias escolas têm condições limitadas para oferecer todos os itinerários. Dos 167 municípios potiguares, 133 têm apenas uma escola de ensino médio. Em Natal o itinerário desejado por um estudante pode até haver em outra escola, mas pode ser que ela seja mais longe, tendo ele que gastar cada vez mais com passagens de ônibus, o que muitas vezes é totalmente inviável para esses jovens (isso para não falar da falta de ônibus por parte da SETURN e de Álvaro Dias), enquanto que nas cidades com apenas uma escola, o estudante só pode fazer o itinerário que esta escola oferece. Assim, além de só oferecer itinerários com conteúdos triviais ou voltados para o empreendedorismo, esses conteúdos têm poucas ofertas. Ou seja, o NEM, tenta disfarçar, com toda sua demagogia de inclusão, seu caráter completamente excludente. Um sistema moldado para oferecer um ensino reduzido aos estudantes da escola pública, enquanto nas particulares é garantido uma formação integral.

Além disso, há a implementação dessa nova disciplina, o bizarro Projeto de Vida, defendido por nada mais nada menos que OCDE, Banco Mundial, Instituto Ayrton Senna e Fundação Lemann, inimigos internacionais e nacionais da educação que não esteja à serviço do lucro. Essa disciplina, assim como as Trilhas, busca ainda mais incutir o engodo do empreendedorismo na cabeça da juventude, fazendo com que o professor vire um coach que tem como objetivo vender ao estudante a falaciosa concepção de mundo neoliberal de que planejando sua vida tudo pode melhorar, independentemente da sociedade de classes em que vivemos, dividida entre trabalhalhadores e burgueses e de um capitalismo cada vez mais desigual e de falta de oportunidades. Uma espécie de auto-ajuda que na verdade, longe de “ajudar” o estudante, só busca ser um impedimento ao acesso à uma educação crítica.

Com o Ensino Médio Potiguar, a carga horária aumentou das antigas 800 para 1.000 anuais, com todo o ensino médio (do 1º ao 3º ano) indo de 2.400 para 3 mil horas. As antigas disciplinas do ensino médio, foram diminuídas, representando 60% da grade, enquanto que 40% são direcionadas aos itinerários formativos. Isso só pode significar, por um lado, sobrecarga para estudantes e alguns professores, que já sofrem com a desvalorização e sucateamento de sua profissão, e por outro lado significa a perda de oportunidades para lecionar para outros professores, em especial os das ciências humanas, que veem suas disciplinas cada vez mais sendo substituídas pelos itinerários. Além disso, o Ensino Médio Potiguar estabelece ensino não-presencial para os estudantes do período noturno, o que só pode significar a abertura para o tão odiado Ensino à Distância, que só traz péssimas memórias para aqueles que estudaram na pandemia, com a precariedade e falta de estrutura, por pura responsabilidade dos governos que não garantiram condições básicas, inclusive o próprio governo Fátima.

Vale lembrar que em 2012, segundo dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), o RN teve a pior nota do País no Ensino Médio público da rede estadual, com 2,8 como média. O desempenho terminou abaixo das médias brasileira e do Nordeste para o mesmo recorte, que ficaram em 3,9 e 3,8, respectivamente.

De acordo com a segunda etapa do Censo Escolar da Educação Básica (2021), o RN está em 2º lugar no ranking nacional de abandono escolar. Segundo a Secretaria Estadual de Educação, cerca de 11 mil alunos estavam fora das escolas em 2021. De cada 100 estudantes potiguares, apenas 59 completam o Ensino Médio aos 19 anos, e somente 85,5% concluem o Ensino Fundamental aos 16 anos.

Mas qual é o motivo para que a governadora Fátima venha levando estes ataques, piorando ainda mais o que já era ruim? A verdade é que a governadora, indo na esteira do governo Lula-Alckmin, busca garantir ainda mais os interesses dos capitalistas, como vem se expressando na tentativa de atrair e fortalecer o setor privado no estado, como a Shein, a Coteminas, que atrasa salários e auxílios para seus trabalhadores; a Guararapes e Riachuelo de propriedade do bolsonarista Flávio Rocha acusado de utilizar trabalho análogo à escravidão, para não falar de outros setores empresariais, como do turismo, o setor hoteleiro, a indústria do sal, o agronegócio e as oligarquias. Para esse setor da elite da sociedade, Fátima garante perdão de dívidas, isenção de impostos e Reforma da Previdência, entre outros favores.

Enquanto que para professores, trabalhadores da saúde, terceirizados dos hospitais, servidores do Detran, e outras categorias, o que vimos foi o atraso dos salários, o ataque dos auxílios, o não pagamento do piso, a judicialização das greves legítimas, entre outros ataques absurdos por parte do governo Fátima, que por exemplo vêm atrasando o repasse das merendas das escolas de ensino integral. Essa é a mesma Fátima Bezerra que por meio da sua PM é responsável pela morte da juventude negra e periférica, como é o caso de Geovane Gabriel, pela presença da polícia no Beco da Lama, com o apoio das parlamentares petistas como Brisa Bracchi e Natália Bonavides, pelo terror contra a população das Rocas e de Mãe Luiza e pela recente morte de Leonardo Lucas, torcedor do ABC. Fátima fortalece cada vez mais as forças repressivas do Estado burguês e vem investindo mais de 100 milhões na polícia e em todo seu aparato, com o apoio do ministro da justiça Flávio Dino, favorecendo mais as forças repressivas do que a educação, atacando espaços de cultura e lazer da juventude no centro, mostrando quais são as suas prioridades.

Assim, com o Ensino Médio Potiguar, Fátima quer precarizar e piorar cada vez mais a situação da juventude potiguar, em especial a juventude negra, feminina e pobre, para que esta seja forçada a trabalhar nas piores condições para esses mesmos capitalistas à qual Fátima favorece.

Desde o golpe de 2016, vem acontecendo uma série de ataques contra a classe trabalhadora e o povo pobre, com inúmeros direitos sendo rasgados. De lá para cá, foram aprovados a Reforma da previdência, reforma trabalhista, a expansão das terceirizações, o nefasto teto de gastos, privatizações e um longo etc. Uma vertiginosa perda de direitos! Tudo para garantir os interesses dos capitalistas, que buscam uma mudança estrutural da sociedade brasileira para aumentar cada vez mais os seus lucros.

Como disse Danilo Magrão, professor de sociologia da rede estadual de São Paulo e especialista em educação do jornal Esquerda Diário: "se vamos ter uma sociedade onde os trabalhadores não vão poder se aposentar, vão trabalhar até morrer, onde nossos jovens o máximo de emprego que vão conseguir é em cima de uma bicicleta pedalando 12 ou 14 horas por dia, podendo ser assassinados pela polícia enquanto trabalham porque são negros, se é essa sociedade sem direitos: o que você precisa incutir na cabeça dos adolescentes? Que eles precisam ser empreendedores. Isso é a Reforma do Ensino Médio" [1].

O PT de Lula (aliado com o ladrão de merenda Geraldo Alckmin) e de Fátima vem buscando garantir os interesses dos tubarões da educação a nível nacional e estadual. O próprio PT mantém relações promíscuas com os grandes empresários da educação. Não é mera coincidência que Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda e aplicador do arcabouço fiscal e que tenta se alçar como homem de confiança dos ataques neoliberais a favor dos capitalistas, quando era Ministro da Educação, foi um dos impulsionadores e entusiastas do Movimento Todos Pela Educação, surgido em 2006 e que tem como fundadores as Organizações Globo, o Itaú/Unibanco, o Bradesco, o Banco Interamericano de Desenvolvimento, o Grupo Votorantim, a Odebrecht, a Telefônica e a FIESP, só para ficarmos entre os mais notáveis.

O ataque à educação, reduzindo ou retirando matérias essenciais, em especial as matérias de ciências humanas, como sociologia ou filosofia, que estimulam o pensamento crítico, sendo substituídas pelos já citados Itinerários Formativos e Projeto de Vida, com suas matérias absurdas, são também defendidas e financiadas pelas grandes organizações financeiras do capitalismo imperialista.

Por exemplo, em 2020, o Banco Mundial liberou U$10 milhões de dólares para implementação do novo ensino médio no Brasil. Em 2018, o mesmo BM apresentou um documento dizendo que “o envelhecimento da população gera um imperativo e aumenta a urgência na elevação da produtividade do trabalho” (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 7), como o país está em um momento de transição demográfica, é importante que haja um “maior engajamento dos jovens” (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 8) e que estes desenvolvam as “competências necessárias” (cognitiva, socioemocional e técnica) para aumentar a produtividade do país e gerar crescimento econômico. Além disso, a “adoção da tecnologia digital está modificando rapidamente as competências demandadas pelos empregadores brasileiros.”

Assim, fica mais claro impossível que é preciso revogar integralmente o NEM e a sua versão potiguar, mesmo que alguns tentem defender que o Ensino Médio Potiguar é “menos pior” e tem “melhoras” comparadas com o NEM. Mas, como vimos, mesmo essa suposta versão “revisada” é completamente nefasta e mantém o essencial, que o ataque ao direito à educação à juventude para que ela seja cada vez mais empurrada para os postos de trabalho precário e de superexploração ofertado pelos capitalistas. Não há meio termo. A única bandeira possível é sua revogação integral. E a pergunta final que resta é: o que pôr no lugar?

Para nós, o único caminho é a luta e a auto-organização, para que sejam professores, estudantes, trabalhadores da educação, comunidades escolares e universidades que decidam. Que sejam eleitos representantes em cada escola, com cada um desses setores. Que essas representações elejam seus correspondentes municipais, estaduais e federais. Que possam decidir de maneira livre e autônoma do MEC e dos empresários da educação. Afinal, porque ter medo que a política pública para a educação pública seja decidida por quem vive dela todos os dias?

Na realidade, a juventude secundarista e os professores já vêm demonstrando que não aceitam passivamente e que não querem o NEM, mostrando que não são receptores passivos da concepção burguesa e neoliberal do NEM, tendo consciência do papel nefasto que esse projeto educacional tem em suas vidas, e por isso achamos fundamental que sindicatos, movimentos estudantis e movimentos sirvam para estimular esse ódio e dar vazão para essa insatisfação, como já se expressou diversas vezes na luta da juventude, como por exemplo na luta contra a ditadura, passando pelas greves e ocupações estudantis em 2015 e 2016, bem como nas greves da USP e da Unicamp nos últimos meses contra o bolsonarista Tarcísio de Freitas.

Nesse sentido fazemos um chamado pela unidade dos estudantes, professores e trabalhadores, com seus espaços de auto-organização como assembleias pode dar uma saída, cobrando do SINTE-RN, que é dirigido por burocratas sindicais do PT e apoiadores do governo Fátima, que organize a mobilização dos professores, sem ser um mecanismo de contenção dessas lutas como têm sido historicamente os sindicatos dirigidos pelo PT. Os estudantes da UFRN também podem cumprir um papel importante, se organizando para participar contra esses ataques, exigindo do seu DCE, também dirigido pelo PT e pelo PC do B, que unifique estudantes com professores nessa luta, rompendo com a subordinação ao governo Fátima e Lula. Assim como os CA’s chamando os estudantes a se somarem nessa luta, em defesa da educação, auto-organizando os estudantes desde as bases. Não pode ser que os setores como a UP, que dirigem uma série de CAs e Grêmios, se apresentem como oposição independente aos governos quando possuem duas militantes compondo comissões dentro do governo Fátima. Vão na contramão de superar as burocracias petistas para que os estudantes utilizem suas entidades para combater o NEM confiando apenas nas suas próprias forças e dos trabalhadores.

Aqui no RN e nacionalmente, é urgente que trabalhadores e estudantes se unifiquem pela Revogação Integral do Novo Ensino Médio. Acreditamos que essa é uma luta legítima, e que não diz respeito apenas ao nosso cotidiano, mas à luta pelo nosso futuro e do futuro das novas gerações, para que possamos lutar por uma vida plena de sentido, e que possamos avançar para uma sociedade livre das amarras do capital e do Estado burguês, em que o conhecimento e a educação esteja a serviço não do lucro irracional do mercado, mas do livre desenvolvimento coletivo e individual da humanidade, para as grandes descobertas científicas e para as grandes obras culturais, desenvolvendo tanto o espírito individual quanto coletivo, o que acreditamos ser possível quando lutamos para acabar com o capitalismo, avançando para uma sociedade comunista, livre de toda exploração e opressão, e que todos tenham condições de se desenvolver plenamente. Nesse sentido, é uma luta que está indissociavelmente ligada à defesa do destino da humanidade a nível mundial.


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João Paulo de Lima

Estudante de Ciências Sociais - UFRN
Estudante de Ciências Sociais - UFRN
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