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Origens do trotskismo em Cuba: o manifesto da Oposição

Sergio Abraham Méndez Moissen

Origens do trotskismo em Cuba: o manifesto da Oposição

Sergio Abraham Méndez Moissen

O texto que o leitor encontra aqui é uma tradução de um projeto do Ideas de Izquierda México. O projeto editorial foi de colocar pela primeira vez online documentos que dão conta de historicizar a fundação da Oposição Comunista do Partido Comunista de Cuba.

Nós do Esquerda Diário, estamos traduzindo pela primeira vez para o português alguns destes textos, pois eles remontam ao processo de busca da construção de uma alternativa política revolucionária travada pela Oposição de Esquerda nos anos 1930 em disputa com a orientação política dos Partidos Comunistas estalinizados.

Em especial, o debate travado naquela época sobre o caráter que deveria ser a revolução em Cuba, um país marcado pela colonização, opressão racial contra o negro e uma submissão oa imperialismo estadunidense, sucita reflexões para toda a camada de militantes comunistas que buscam acabar com o sistema capitalista e todos seus mecanismo de opressão no Brasil e no mundo.

Publicamos hoje o manifesto de fundação da Oposição de Esquerda em Cuba e na edição da semana passada uma biografia de Sandálio Junco.

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O documento que publicamos hoje foi encontrado no Arquivo Nacional de Cuba. Neste documento podemos encontrar a visão dos primeiros trotskistas cubanos.

Eles defendem que o Partido Comunista deve lutar por uma revolução socialista e não por uma revolução "nacionalista". Em janeiro de 1933, o OCI participou no Congresso da Unión Federativa Obrero Nacional, numa tentativa de derrubar a burocracia governamental de Juan Arevalo. De acordo com o único folheto do OCI a que os historiadores tiveram acesso, os trotskistas tentaram construir oposições sindicais revolucionárias nas centrais lideradas pelo governo.

De certa forma, antecipa também a importância da luta estudantil durante a luta contra a ditadura de Gerardo Machado. Entre os membros do OCI contavam-se Marcos García Villarreal, Juan Ramón Bréa, Sandalio Junco e Idalberto Ferrer Acosta.

Manifesto Programático da Oposição Comunista de Cuba. Santiago. Bureau do CCO. janeiro de 1933. Arquivo Nacional.

Partido Comunista de Cuba.
Gabinete da Oposição Comunista [BOC]
Santiago de Cuba

Camaradas.

O BOC, organismo representativo da CO, surgiu como uma necessidade revolucionária, num momento em que qualquer passividade deve ser interpretada como traição e em que qualquer atitude indecisa seria oportunismo, o pior de todos os crimes contra-revolucionários. É precisamente nestes momentos, quando a dúvida parece infiltrar-se nas nossas fileiras, quando nos dirigimos ao PC, a todas as organizações revolucionárias, aos trabalhadores, aos camponeses pobres e médios, aos estudantes, aos empregados, às massas populares e a todos os trabalhadores revolucionários oprimidos pelo imperialismo norte-americano.

Antes de indicar os enérgicos meios revolucionários a empregar para tirar as massas trabalhadoras da situação de fome e desespero a que as reduziu o imperialismo ianque e o governo de Machado, que é o seu melhor instrumento, é necessário que façamos uma breve resenha da história da economia e da política de Cuba; que analisemos os fatores de um ou outro tipo que intervêm e influenciam a situação atual, para podermos dizer com bases suficientes o que é preciso fazer.

Este manifesto será uma explicação e uma orientação para a nossa ação revolucionária. A primeira deve ser necessariamente a base da segunda.

Comecemos por analisar

A situação histórica, política e económica de Cuba

Já o dissemos em outro lugar: Cuba, colónia espanhola, deixou de o ser com a inauguração da república em 1902 e passou a ser uma fábrica ianque. Este foi, sem dúvida, o acontecimento mais notável da nossa história produzido pelas guerras de "independência". Mas, se quisermos interpretar corretamente a nossa situação atual, não podemos negligenciar de forma alguma a análise revolucionária deste acontecimento que tanto faz parte da história cubana. Vamos tentar mais uma vez.

A insurreição de (1868 foi uma luta típica dos proprietários nativos e dos senhores de escravos (Céspedes, Aguilera, etc.) contra os colonizadores espanhóis, uma luta que culminou no Pacto de Zajón com a expropriação e o empobrecimento dos primeiros. Este facto marca um acontecimento importante na nossa história, que é a transferência total das propriedades dos latifundiários cubanos para os colonizadores espanhóis, um acontecimento que viria a ter a influência decisiva que teve no curso do nosso desenvolvimento histórico.

Nos 27 anos que separam uma insurreição da outra - 1868 a 1895 - assistimos a uma revolução na indústria açucareira e à ascensão do tabaco, fenómenos económicos que encontraram em Cuba o terreno para a luta contra as tendências conservadoras, já profundamente enfraquecidas pela participação das massas negras escravas na insurreição de 1868. Este contexto, juntamente com a liberdade conquistada pelas massas negras escravas e o empobrecimento dos grandes proprietários nativos de escravos, forneceu à indústria nascente a classe de que ela necessitava: o proletariado.

Ao aparecimento desta nova classe deve-se o caráter democrático-burguês que caracterizou a revolução de 1895. Mas, antes de prosseguir, é necessário notar dois fenômenos contraditórios: por um lado, a ideologia democrática da revolução cubana, reforçada pelos princípios liberais da revolução francesa, e, por outro lado, a influência dos Estados Unidos, que no seu desenvolvimento capitalista tinham atingido a fase imperialista, na qual o capital se torna conquistador e penetra como senhor nos países de menor desenvolvimento industrial. Destes dois fatores opostos que se defrontaram em Cuba, era inevitável que o mais forte triunfasse. Assim, inevitavelmente, o fator imperialista teve de triunfar, o que cortou todo o nosso desenvolvimento autóctone, deixando o nosso desenvolvimento ligado ao dos Estados Unidos. Abortou a nossa revolução democrático-burguesa, e isso explica no entanto, a razão os princípios liberais que a inspiraram continuam a ter uma influência tão forte em Cuba.

Com a inauguração da república, começou uma nova transferência de propriedade, desta vez para os imperialistas (poderosas Sociedades Anônimas, representantes dos grandes magnatas da banca, Wall Street) que já possuem 83% da terra produtiva. A esta enorme percentagem junta-se a tomada das zonas navais de Caimanera e Bahia Honda, e agora a tentativa de roubo de Playa de Este, Boqueron, etc., onde os Estados Unidos planeja construir uma forte base naval.

Como é fácil concluir a partir deste breve esboço, o nosso balanço económico atual é o seguinte:

Os ianques, donos das terras e das indústrias.
Os espanhóis detêm o comércio.
Os cubanos têm apenas o orçamento.
Juntemos a estes resultados o seguinte quadro estatístico que cataloga economicamente a população de Cuba:

População total de Cuba: 3.500.000
Desempregados: 20%
Trabalhadores agrícolas e camponeses: 50%
Burocracia 23%
Trabalhadores industriais 7%.
e não será fácil compreender que mais de 75%, ou seja, mais de dois terços da população de Cuba, sofrem o rigor e a exploração do imperialismo norte-americano.

A situação atual em Cuba,

Como acabamos de demonstrar, a entrada do grande capital norte-americano em Cuba, com a consequente ingerência política, em outras palavras, o imperialismo ianque cortou todo o desenvolvimento autónomo posterior e impediu a consolidação da burguesia nativa como classe dominante. Isto significa que em Cuba a classe dominante não desenvolveu suficientemente a sua base económica para conseguir o controlo absoluto do Estado: e a falta de tal controle do Estado por parte da burguesia nativa explica a conduta política e económica dos nossos governos, sempre obrigados a beneficiar os interesses dos banqueiros do Norte, mesmo em detrimento dos interesses da própria burguesia nativa.

Uma vez compreendida a nossa situação histórica, será muito fácil entender o papel desempenhado na política cubana por cada um dos setores que a compõem.

Machadato: a ditadura sanguinária do atual governo cumpre o seu papel histórico de fiel servidor do imperialismo. Não poderia ser de outra forma. Expliquemos.

O conhecido cliché, tantas vezes utilizado nos seus manifestos pelos dirigentes do nosso Partido Comunista, não ajudará neste caso. "A crise está a aprofundar-se cada vez mais, de dia em dia". Esta parte do cliché é suficiente para explicarmos porque é que o atual governo está a dar uma virada antidemocrática e criminosa. Desde que a crise mundial começou a se aprofundar, desde que Cuba sentiu intensamente suas consequências, o governo Machado foi levado cada vez mais à ilegalidade e teve que implementar o regime bárbaro dos tribunais militares, dos assassinatos de rua, etc. Impulsionado pela necessidade de defender os interesses dos ianques, o governo lançou-se contra a pequena burguesia nativa e contra todos os trabalhadores, porque a crise tem, entre nós, a desvantagem para os Estados burgueses de arrancarem de uma só vez a máscara de mentiras democráticas com que se disfarçam. Assim, vimos o atual governo atacar a propriedade dos colonos, contra os salários, contra a vida quotidiana dos trabalhadores da cidade e do campo, e contra todos aqueles que tentaram opor-se às suas manobras imperialistas.

Do mesmo modo, os salários dos funcionários públicos foram incrivelmente reduzidos, chegando ao ponto de salários irrisórios para cobrir as prestações da dívida externa.
Como se depreende do desenvolvimento da nossa tese, não se trata de um bom governo para um bom governo, nem de um mau governo, mas de um governo condenado pelo fatalismo econômico a não recuar perante nenhum crime para manter a sua subordinação à Casa Branca.

A oposição burguesa

Agora que analisamos estes aspectos fundamentais da nossa situação política e económica, não se pode esconder a ninguém que uma mudança superficial feita apenas na nossa estrutura política sem atacar em profundidade a nossa base económica - como pretendem realizar alguns setores da Oposição burguesa - seria na prática uma traição dirigida contra as grandes massas dos trabalhadores de Cuba. Inegavelmente, não tentar atacar a raiz do mal no inimigo comum, que é o imperialismo ianque, seria desviar-se com frases pseudo-democráticas sobre a liberdade de direito, pílulas familiares, empilhadas da retícula do patriotismo nacional, que não é impossível engolir.

Já ficou claro pelo que foi dito que não se trata das melhores ou piores intenções dos nossos governantes, que podem manchar a alma dos nossos senhores, nem das pessoas decentes que os podem substituir, porque o fator moral desempenha um papel muito secundário no trabalho do governo que, como sabemos, é condicionado por razões económicas, que são a análise final, determinam as formas e obras de todos os "bons" e "maus" governos.

Nos setores desta oposição burguesa encontramos representada aquela percentagem da população que no nosso balanço estatístico correspondia à burocracia que vivia do orçamento nacional e que agora está deslocada. Os chamados "nacionalistas" Mendez Peñate, Mendieta, os "marianistas" e outros, como o demagogo Sergio Carbó, constituem essa fração burguesa, Menocal, o grão-duque, o resíduo extra-temporal dos grandes senhores de escravos, se o índice representativo da corrupta "aristocracia" cubana.

O ABC surgiu como uma manifestação natural da indignação nacional. Esta organização terrorista, que indica uma solução típica da importância de classe da pequena burguesia, que, sendo incapaz de realizar revolução alguma, se desvia pela falsa linha dos ataques pessoais.. Este movimento tem sido mal observado pelos nossos dirigentes do PC e até hoje nada foi feito para agrupar as suas bases num programa definitivamente anti-imperialista. No nosso caso, basta que os nossos dirigentes nos atribuam contestações contra-revolucionárias com os dirigentes da referida organização, e esta é, até agora, a única vantagem que conseguiram tirar do ABC.

O Diretório dos Estudantes. Esta organização estudantil, de sabor marcadamente anárquico devido ao seu apoliticismo terrorista, começa a ser absorvida pelo ABC, que tem sobre ela a vantagem de (possuir) um programa político. A AIE, com a sua última viragem política, conseguiu situar-se na sua verdadeira posição revolucionária, que é anti-imperialista, nem mais nem menos que anti-imperialista. Não pode ser outra, na medida em que os estudantes são a expressão revolucionária de centros tão genuinamente pequeno-burgueses como a sala de aula da universidade, os institutos e as escolas de formação de professores.

A intervenção destes fatores contraditórios, que compõem a situação política cubana, não nos impede de ver a abordagem em que as únicas possibilidades que podem levar ao desenvolvimento natural do antagonismo destas facções.

Não é segredo para ninguém que Miami está preparando uma expedição, que pode ou não vir, não nos atrevemos a dizer com certeza, pois pode acontecer que, em vez disso, caudilhos e líderes burgueses prefiram concluir o co-governo de Machado com um pacto cordial ou um golpe cordial. Estas duas contingências, e a de uma intervenção militar dos Estados Unidos em Cuba, são as três soluções que a burguesia nos oferece, mas não podemos deixar nossa ação revolucionária depender de tais soluções cômodas porque em nada beneficiam as amplas massas trabalhadoras do país a sua própria revolução democrático-burguesa.... Estamos confrontados com este problema.

O que fazer?

Para responder a esta pergunta que sempre foi tão difícil de responder para os dirigentes do nosso partido, vamos resumir o que foi dito acima, que pode ser reduzido a esta conclusão: mais de dois terços da população de Cuba sofrem a opressão do imperialismo norte-americano.

Embora já desesperemos de ser ouvidos pelos dirigentes do nosso Partido, não nos cansaremos de os gritar: mais de dois terços da população de Cuba sofre a opressão do imperialismo ianque, mais de dois terços da população de Cuba definha de fome sob as botas do imperialismo ianque.

Isto significa, camaradas, que a nossa revolução imediata, a Revolução Agrária Popular Anti-imperialista, NÃO é um belo sonho a realizar em 50 anos, mas uma realidade imediata que devemos concretizar, que merece todos os nossos esforços e toda a nossa atenção.

Como se o exposto anteriormente não bastasse para despertar a nossa atenção para um problema de tão vasta transcendência revolucionária como o que tomamos a liberdade de assinalar, assinalaremos alguns fatos que demonstram inegavelmente a reação que o descontentamento anti-imperialista produziu nas nossas massas e a agressiva combatividade do seu espírito revolucionário.

Alguma parte deste manifesto já assinalamos as lutas travadas pelos colonos e pequenos burgueses contra as expropriações e iniquidades de que eram alvo por parte dos barões do açúcar; Da mesma forma, destacaremos os massacres dos trabalhadores industriais e agrícolas nas suas lutas pela defesa dos seus salários, os protestos de massas no caso do Vendedor Único, e as lutas das pequenas empresas e dos abandonados em geral contra os monopólios imperialistas da Companhia Cubana de Eletricidade e da Companhia Telefónica Cubana. Mas a direção do PC, demasiado preocupada com a comemoração do nosso calendário russo, não lhe prestou qualquer atenção, sempre ocupada com a sua demonstração de "debilidades".

Todas estas manifestações e lutas espontâneas são provas irrefutáveis das condições favoráveis para os primeiros passos da Revolução Agrária Anti-Imperialista.

Respondendo concretamente ao "a fazer" a que nos propusemos responder, diremos que a atitude das massas para levar a cabo a Revolução Agrária Anti-Imperialista não pode estar subordinada a circunstâncias tão problemáticas como a eclosão ou não da revolta burguesa. Mas, se ela surgir, declaramos que não podemos ficar em casa, pois estaríamos a trair-nos tanto como se fôssemos de armas na mão apenas para defender os interesses dos senhores da guerra burgueses. Neste caso, as massas trabalhadoras devem transformar a revolta burguesa numa revolução Agrária Anti-imperialista.

Se, pelo contrário, a burguesia, traindo mais uma vez as vastas massas populares, chegar a uma previsível e vil "cordialidade", os operários industriais e agrícolas, os pequenos camponeses e o inumerável exército de desempregados, juntamente com os estudantes e os empregados esfomeados, devem formar uma frente unida para realizar a Revolução Agrária Anti-Imperialista.

E no caso de uma intervenção militar dos EUA em Cuba, mais uma vez a Sierra Maestra e o camarada Mauser terão uma palavra a dizer.

Camaradas: devemos e temos de lutar pelos nossos próprios interesses, pelas nossas próprias reivindicações, que são as de todos os trabalhadores explorados pelos patrões nacionais e estrangeiros. Transformemos a tentativa burguesa numa verdadeira revolução. Fazendo-a avançar até onde tivermos forças. Marchando compactamente numa frente única anti-imperialista: uma frente única que não se suspeita das suas possibilidades, mas que quando se descobre através de uma verdadeira experiência revolucionária, só se manteria para além da tomada do poder, Camaradas. Transformemos a revolta burguesa em Revolução Agrária Anti-Imperialista. Participemos intransigentemente na tentativa burguesa. Nem um tiro sem este grito: Viva a Revolução Agrária Anti-Imperialista".

BOC
Janeiro de 1933.

Nota: Temos visto, embora com mais surpresa, que os dirigentes do nosso PC começam a se dirigir também contra nós, com os seus cargos burocráticos envoltos no habitual insulto pessoal. Mas, como não se trata de um Partido Popular Cubano, em que estes senhores dirigentes teimam em querer transformar o nosso Partido Comunista, vamos assinalar a forma incorrecta e anti-revolucionária que estão utilizando. E, já agora, porquê esta ânsia de nos legalizarem, apontando sistematicamente os nossos próprios nomes? Será porque se pretende - como que por acaso - ajudar a polícia.


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