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Uma Barbie para o século XXI

Brenda Hamilton

Mariana Abril

Uma Barbie para o século XXI

Brenda Hamilton

Mariana Abril

Depois de uma milionária campanha publicitária que levou aos memes mais engenhosos e absurdos sobre o Barbenheimer, finalmente estreou o filme da Barbie dirigido por Greta Gerwing, que em 2019 surpreendeu com um remake do clássico Adoráveis Mulheres, depois de ter chegado ao estrelato com sua obra prima Lady Bird. Três filmes que, por diferentes ângulos, abordam problemáticas de gênero e questionam os papéis impostos tradicionalmente às mulheres. Essa trajetória da diretora já tinha gerado muita expectativa e especulação sobre onde sua versão da Barbie poderia apontar, e, pelo menos a nós, não desapontou.

Resenhamos o novo filme Barbie de Greta Gerwig, um dos maiores e mais lucrativos lançamentos do ano

Depois de uma milionária campanha publicitária que levou aos memes mais engenhosos e absurdos sobre o Barbenheimer, finalmente estreou o filme da Barbie dirigido por Greta Gerwing, que em 2019 surpreendeu com um remake do clássico Adoráveis Mulheres, depois de ter chegado ao estrelato com sua obra prima Lady Bird. Três filmes que, por diferentes ângulos, abordam problemáticas de gênero e questionam os papéis impostos tradicionalmente às mulheres. Essa trajetória da diretora já tinha gerado muita expectativa e especulação sobre onde sua versão da Barbie poderia apontar, e, pelo menos a nós, não desapontou.

O filme conta com o protagonismo de atores populares e atrizes como Margot Robbie, Ryan Goslin, Michael Cera, America Ferrera, Will Ferrell e alguns dos atores da aclamada série Sex Education, como Emma Mackey e Nctui Gatwa. Este grande elenco já mostrava o nível de investimento por trás do filme que se projeta como uma das superproduções mais importantes do ano, batendo recordes de venda em apenas dez dias de sua estreia.

O filme se destaca por seu cuidadoso trabalho de arte. Foi noticiado que, para construir o mundo de Barbie, foram necessários litros e litros de tinta rosa (até se esgotar) e, em cada rincão das cenas, havia um detalhe que evocava os famosos brinquedos da Mattel com os quais as personagens interagem: se nadam, simulam que nadam; se tomam café, simulam que tomam café. Da mesma forma, o elenco acima mencionado faz parte da contribuição nessa arte, já que não podemos negar que Margot Robbie encarna a barbie com perfeição Além disso, cada movimento das personagens é coreografado para que não haja dúvidas de que são bonecos de plástico.

Com uma série de referências para cinéfilos, Greta Gerwig deixa claro desde o início para que público o filme se dirige. Ao longo do filme podemos ver várias referências a clássicos do cinema, sendo o maior dos intertextos as obras de Stanley Kubrick. Em trailers do filme, a diretora retoma o início de “2001: Uma Odisseia no Espaço”, mas também vemos referências a “O Iluminado” e “Dr. Fantástico”. Em uma cena particular, Barbie deve escolher entre seguir seu caminho de heroína ou ficar em seu lar. Para isso, seu guia espiritual “The Rare Barbie” (Kate Mckinnon) a faz escolher simbolicamente entre um sapato de salto e sandálias planas, evocando a clássica cena de Matrix em que Morfeo faz Neo escolher entre a realidade e a ficção. Também faz menções explícitas a outros filmes: Orgulho e Preconceito é tido como um exemplo do que a Barbie assiste quando está deprimida e O Poderoso Chefão como um dos filmes sobre o qual os meninos poderiam ficar conversando e explicando por horas a fio.

Life in plastic ¿It’s fantastic?

A partir de agora, tentaremos fazer a menor quantidade de spoilers possíveis, mas os que avisam não traem. Resumidamente, o enredo do filme é o de um mundo fictício chamado Barbieland, no qual habitam os e as bonecas Barbie em uma sociedade em que apenas existe felicidade e não existem imperfeições em suas vidas nem no imaculado cenário.

Na Barbilandia, todas as mulheres se chamam Barbie e vivem em uma vida plena, independente e exitosa nas quais praticamente não vemos famílias (exceto a da Barbie grávida que nem parceiro tem) e todas as bonecas se sentem “realizadas” em seu mundo, sem as angústias da vida cotidiana. Elas são as que dirigem e ocupam os postos de poder político e sociais. Por sua vez, a figura masculina está completamente subordinada e se materializa nos homens que apenas cumprem o papel de noivos e amigos das Barbies, que obviamente compartilham o icônico nome Ken entre todos eles.

Mas, à medida que o filme avança, vamos conhecendo o “Mundo real” que nada mais é do que a dura realidade do mundo capitalista e patriarcal em que vivemos atualmente. Não vamos lhes contar como, mas estes dois mundos começam a se conectar. Este vínculo leva os protagonistas a ter crises existenciais, a partir das quais tentam redescobrir-se e refletir sobre seus sentimentos, seus objetivos na vida e até seu papel na sociedade, nos mostrando as contradições que cada um desses mundos tem.

Por sua vez, o filme ridiculariza muitos dos aspectos mais conservadores da própria figura da Barbie e o fenômeno de consumo que foi gerado ao redor da boneca, utilizando o humor como recurso para expô-los e questioná-los, como acertadamente aponta Celeste Murillo neste artigo em espanhol sobre a própria história (contraditória) da famosa boneca.

Como se vê, na primeira cena do filme, antes da Barbie as únicas bonecas “para meninas” eram de bebês com quem só se podia brincar de mãe. Mas, quando Ruth Handler (a criadora da Barbie) viu que sua filha preferia brincar com bonecas que pudesse dar vida adulta, teve uma ideia muito rentável e pensou em fazer bonecas mais modernas que, de acordo com seu tempo, dariam as mulheres um novo papel para além da maternidade. As bonecas Barbie serviam como cientistas, advogadas, médicas, astronautas ou presidenta, acompanhado do ideal de mulher independente, com expectativas de ter um trabalho, estudos, uma casa, amizades, interesses próprios e até um companheiro com o qual não precisaria se casar.

Handler nomeou as bonecas Barbie e Ken como seus filhos, e junto com seu esposo Elliot, fundador da Mattel, levaram a frente a ideia de apresentar em 1959 a primeira de muitas outras Barbies que lhe sucederam. Desta forma, a boneca surge em um contexto muito particular que, como descreve José Natanson, é marcado pela “idade de ouro do capitalismo” que ocorre depois da segunda guerra mundial e promove o consumo de massas e a busca de nova clientela no público infanto-juvenil. Por sua vez, isso se combina com a explosão da segunda onda do feminismo que se desenvolve em todo o mundo, mas que tem um dos seus epicentros no movimento de mulheres dos Estados Unidos e que sai às ruas gritando que o pessoal é político.

Mas o fenômeno Barbie, no seu surgimento, não foi só isso. A boneca continua a representar até os dias de hoje a imposição de mandatos e estereótipos de beleza nocivos e inalcançáveis para a maioria das mulheres. Neste sentido, o filme pega este elemento para sublinhar a contradição e jogar com a ambivalência que gera uma figura tão querida e que é ao mesmo tempo tão criticada como a boneca e tudo que foi construído em torno dela. Não é casualidade que a personagem principal do filme de Gerwig chama a si mesma de “Barbie estereotipada”, que tudo pode e apenas sente felicidade até que começa a se perguntar pela morte e toda sua imaculada vida começa a desmoronar.

A Barbie que Greta Gerwig constrói, recolhe muitos dos questionamentos que existem sobre a boneca por parte do movimento feminista e na sociedade em geral. Como a crítica ao ideal de amor romântico, à sociedade de consumo, à coisificação e mercantilização dos corpos das mulheres e, portanto, à própria lógica do capitalismo e do patriarcado sobre as quais se sustentam todas essas opressões de gênero.

Ao mesmo tempo, a produção do filme (financiada também pela Mattel) mostra como a grande corporação que construiu a figura da Barbie está tentando sobreviver e se reinventar, para não sair de moda nem ficar obsoleta em um mundo que já não vê com bons olhos os estereótipos de beleza e os papéis de gênero que estes tipos de indústria perpetuaram por décadas. A corporação de bonecas se encarregou de “zombar de si mesma” para buscar o efeito compassivo na audiência, operação que encarna a personagem de Will Farrell e suas tentativas de salvar a Barbie da decadência.

Embora seja um filme que teve mais investimento em marketing do que na própria produção e realização, não podemos reduzir seu impacto somente à operação publicitária e aos efeitos do fenômeno Barbenheimer, que está em alta nas redes sociais. O que mais distingue essa produção é o tom satírico e provocador que torna a crítica social muito tolerável e irônica. De toda forma, aí também encontramos uma ambiguidade no filme que faz com que talvez eu não termine de desenvolver algumas questões até o final, pois não é uma produção infantil mas também não é um filme “sério” devido ao seu tom de comédia que o torna mais leve.

Acreditamos que este filme abre algumas perguntas interessantes para pensar como meninas e adolescentes se vinculam com os produtos que oferece o mercado e que permeiam na subjetividade das infâncias, tentando incutir nelas seus valores e ideais próprios da lógica de consumo. Podemos pensar em brinquedos que não sejam carregados com esses laços e mandatos de gênero? Como fazer para incutir outros tipos de valores para que existam infâncias mais livres neste mundo tão desigual? Essas são algumas das reflexões que nos deixa e que acreditamos que convidam a seguir aprofundando o debate.

Por último, não queremos deixar de mencionar que neste momento a maior indústria cinematográfica do mundo está atravessando uma greve histórica de roteiristas e atores por melhores condições de trabalho em meio à temporada de super estreias no hemisfério norte. Uma greve com essas características não era vista em Hollywood em décadas e já conseguiu o apoio de grandes estrelas do cinema, entre as quais se encontram os elencos tanto de Barbie quanto de Oppenheimer. A partir deste suplemento também damos todo nosso apoio.


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