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Frente Ampla | A conciliação lulista com o agronegócio e os ataques ao MST

Arthur Lira (PP-AL) abriu na última quarta-feira (26) a CPI do MST a pedido de deputados da direita ligados à bancada ruralista. Ricardo Salles (PL-SP) é o mais cotado para ser o relator desse processo, enquanto o Tenente Coronel Zuco (Republicanos-RS) ficaria com a presidência.

Renato ShakurEstudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF

segunda-feira 1º de maio de 2023 | 14:55

Não resta dúvida que a CPI do MST é uma ofensiva contra o Movimento dos Sem-Terra organizada pelos setores do agronegócio, bolsonarismo e da direita para defender os interesses do agronegócio brasileiro, que portanto, deve ser prontamente repudiada energicamente. Em resposta ao “Abril Vermelho” que foram uma série de ações coordenadas pelo MST em 19 estados brasileiros, onde os sem-terra ocuparam algumas terras improdutivas, sendo ao todo 14 fazendas, 12 apenas na região Nordeste (10 em Pernambuco e 2 na Bahia), mobilizando no total 20 mil sem-terras e assentando mais de 3 mil famílias. O “Abril Vermelho” é um dia de mobilização que envolve ocupações de terra, vigílias, marchas, ações de solidariedade dos movimentos sociais da luta pela terra no campo que ocorre todo ano em memória aos trabalhadores rurais assassinados no Massacre de Eldorado dos Carajás em 1996.
A Frente Parlamentar Agropecuária junto com o Instituto Pensar Agropecuária, think tank financiada diretamente por entidades como a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), iniciaram uma campanha contra o "Abril Vermelho” nas redes sociais e pediram a prisão preventiva de Pedro Stedile, dirigente nacional do MST.
Esse setor reacionário que enriquece com trabalho análogo à escravidão, grilagem de terra e assassinato e roubos de terras de trabalhadores rurais, indígenas e quilombolas, ganharam bastante força sob o governo Bolsonaro que permitiu com o apoio dos militares um avanço extraordinário do agronegócio brasileiro. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, de 2018 a 2021 registrou-se 4.214 conflitos rurais em relação aos três anos anteriores a esses, somando um total de 109 mortes. A crise humanitária dos Yanamomis, bem como o brutal assassinato de Dom e Bruno são expressões categóricas que o discurso racista e reacionário de Bolsonaro de que não iria “marcar nenhum centímetro de terra indígena” significou na prática um aumento de 60% do desmatamento da floresta amazônica, o massacre e assassinato de povos originários, quilombolas e ativistas em favor do garimpo ilegal e do agronegócio.
Atualmente é exatamente esse setor favorecido por essa política bolsonarista que quer perseguir politicamente os movimentos sociais de luta pela terra e que estão por trás da CPI do MST. Um grande absurdo que os grandes latifundiários e oligarquias regionais que tem suas mãos manchadas de sangue indígena queiram atacar a luta pelo direito à terra.
Mas é ainda mais absurdo que os representantes desses interesses componha o governo Lula-Alckmin, assim que começaram as ações do Abril Vermelho, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro que apoiou Bolsonaro e é ligado ao agronegócio, condenou as ações em nome do governo Lula, comparando-as com os atos golpistas de 8 de janeiro. Em um evento em Brasília durante as mobilizações do MST com ex-titulares da pasta de Agricultura do governo Bolsonaro, ele afirmou que “invasão de terra não pode ser concebível e é tão grave quanto invadir o Congresso Nacional” e deve ser “repelida no rigor da lei”.
A crítica do governo Lula-Alckmin as invasões de terras improdutivas do MST é a expressão de que esse governo de Frente Ampla incorporou também o agronegócio na medida em que não só rifou há muito tempo de seu programa a reforma agrária, diga-se de passagem que o governo Lula 1 e 2 não avançou um só centímetro de terra em direção a isso, ao contrário o boom das commodities nos anos 200 alavancou o agronegócio brasileiro, mas também que qualquer expressão de luta efetiva pela terra será combatida pela Frente Ampla.
Se observarmos, por exemplo, as invasões do Abril Vermelho no Nordeste podemos notar que em Pernambuco as ações se concentraram nos engenhos de açúcar da região da Mata Norte, setor historicamente ligado às oligarquias Arraes e Campos, aliados de Lula na região; e também no Sertão, especialmente, nas terras da Embrapa e Codevasf, região controlada pela família Coelho, aliada da governadora Raquel Lyra no estado que também é apoiada por Lula.
Na Bahia, as invasões se concentraram nas plantações de eucalipto da empresa Suzano Papel e Celulose que também apoia o governo de Frente Ampla e o presidente da empresa, Walter Schalka chegou a assinar a famigerada “Carta pela Democracia” que reunia também empresários da Fiesp e a Febraban. Vale lembrar também que a Suzano tem um histórico de invasões de terras quilombolas na Bahia, tudo isso com consentimento do governado do PT que há anos governa o estado e que autorizou a polícia militar reprimir os sem-terra assentados nessas recentes ocupações do MST.
Não foi à toa que o governo Lula-Alckmin condenou prontamente as ocupações de terra se colocando contrário ao direito da luta por terra, porque as ações se concentram numa região onde Lula tem aliados importantes seja no agronegócio, seja nas oligarquias regionais. A crise entre Lula e o agronegócio escalou a tal ponto que Carlos Fávaro foi desconvidado da cerimônia de abertura da Agrishow, o maior evento de tecnologia agrícola da América Latina. Com a abertura da CPI do MST e a reintegração das terras, o agronegócio também recuou e cancelou o evento de abertura para não atenuar ainda mais os atritos com o governo.
Para amenizar a relação com o MST, Lula trocou sete cargos de chefia do Incra e colocou aliados do MST, prometeu também um lugar no “Conselhão” para o movimento social e prometeu um anúncio de um “plano emergencial para a reforma agrária” nos próximos dias que consiste em destinar terras já desapropriadas no governo Bolsonaro para as famílias sem-terra, sem tocar nos interesses do agronegócio, mantendo intactos os latifúndios produtivos e improdutivos.
Por outro lado, o próprio MST - na medida que sua direção foi levando uma política de institucionalizar o movimento e transformá-lo num ponto de apoio para os governos de conciliação de classes do PT no setor rural - também foi diminuindo suas ações mais combativas. Segundo o coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues em entrevista cedida ano passado a Folha, o “MST já não é mais igual ao de 30 anos atrás”. No primeiro ano do governo Lula chegaram a invadir 270 latifúndios, no governo Bolsonaro apenas 14. Agora o MST tem o foco na preservação ambiental, produção de alimentos e educação no campo, a pauta da luta pela terra, abrindo mão da luta por uma reforma agrária radical.
O que está em jogo aqui é justamente denunciar que a conciliação do PT com setores empresariais e do agronegócio não irá favorecer luta pela terra, ao contrário, a crise aberta entre o governo e o agronegócio deixou claro que Lula irá favorecer seus aliados regionais e no máximo que pode oferecer aos sem-terra é um pedaço de terra aqui e ali, cargos institucionais e repressão caso voltem a invadir latifúndios improdutivos. O MST dirige vários assentamentos e tem a capacidade de mobilizar amplos setores de trabalhadores rurais por todo Brasil. No entanto, sua direção vem levando a frente uma política que secundariza a luta contra o agronegócio, abandonando a reforma agrária, e apostando apenas na organização de cooperativas e produção agrícola, se tornando um freio à mobilização do campo pela terra e se adaptando à política conciliadora do PT.
Para enfrentar as oligarquias regionais e o agronegócio é necessário uma luta independente dos patrões e dos governos por uma reforma agrária radical que exproprie o agronegócio, tanto os latifúndios produtivos quanto os improdutivos. Também será necessário que o governo federal possa estimular a produção das famílias rurais e médios produtores, oferecendo todo o tipo de maquinaria e insumos necessários à produção para que possam produzir e abastecer não só o campo, mas também a cidade. Além disso, também é necessário a expropriação da grande indústria alimentícia, para que a produção de alimentos não esteja voltada para enriquecer os capitalistas enquanto os trabalhadores são jogados à insegurança alimentar e morrem de fome.




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