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Saúde mental | Um debate sobre saúde mental anticapitalista: da Palestina ao Brasil

Da Palestina ao Brasil, o debate sobre saúde mental evidencia como a conciliação de classes só abre espaço e fortalece a extrema-direita.

Mafê MacêdoPsicóloga e mestranda em Psicologia Social na UFMG

segunda-feira 19 de fevereiro | 15:42

Trabalhadores e sindicatos no Reino Unido bloqueiam as fábricas de armas britânicas que fornecem componentes usados na construção do caça furtivo F-35, mobilizações massivas acontecem na França, Alemanha, nos EUA e em vários outros locais pelo mundo, Cisjordânia, Jerusalém, Líbano e Jordânia fazem Greve Geral pela Palestina, diversos blocos no Carnaval do Brasil erguem as bandeiras Palestinas. Esses espaços de solidariedade internacional são definidos por Samah Jabr, uma psiquiatra palestina, como terapêuticos para os palestinos a nível psicológico por preservar sua humanidade enquanto os meios de comunicação, os governos imperialistas dos EUA e da Europa, políticos conservadores e de direita e o Estado sionista de Israel os desumanizam, demonizam, os chamando de animais.

Como disse Samah em entrevista ao Ideias de Esquerda "o sistema israelense quer se assegurar de que os palestinos percam sua subjetividade como seres humanos. Querem quebrar a subjetividade das pessoas e torná-las sombras do que são."

A realidade da ocupação israelense não deixa nenhum palestino intocado pelos acontecimentos. Instituições de saúde reacionárias como a Associação Americana de Psiquiatria usam da retórica norte americana pra definir a resistência palestina como terrorismo, quando é preciso prestar um apoio incondicional à resistência palestina. Isso significa rejeitar qualquer classificação da resistência palestina, independente de suas direções, como terrorista. Política terrorista é a do estado de Israel.

A história não começou dia 7 de outubro, não podemos ignorar os 75 anos de opressão e os 17 anos de cerco em Gaza, o trauma histórico, transgeracional, repetitivo e coletivo dos palestinos, especialmente dos habitantes de Gaza, nos últimos dias com uma ofensiva brutal em Rafah , no Sul de Gaza, uma das regiões com mais concentração de refugiados, mais de 1 milhão de refugiados que está sendo não só bombardeada mas também passando por uma ofensiva terrestre militar. Se antes não estava claro, agora está mais claro do que nunca de que se trata de um genocídio, que conta o total apoio do imperialismo norte americano que Biden por uma escorregada chamou de "nossa operação".

Samah diz como a psicoterapia individual e o autocuidado não são apropriados quando o trauma é dirigido ao sentido de comunidade, coletividade e identidade nacional. E que ainda que sejam necessárias intervenções coletivas, que tenham em consideração a reconstrução da identidade palestina e do sentido de comunidade, por enquanto o que é urgente não é a resposta de saúde mental: o que é urgente é impor o cessar-fogo.

Para avançar na verdadeira autodeterminação da Palestina será necessário a confluência de um forte movimento anti-imperialista internacional e a luta revolucionária da classe trabalhadora dos países árabes, junto ao povo palestino e aos trabalhadores judeus que romperem com o sionismo e não intervenções internacionais de nações e instituições burguesas como a ONU, que já deixaram bem claro durante os 75 anos desde a Nakba que só têm a oferecer fracasso.

O desenvolvimento consequente da luta revolucionária aponta para a construção de uma Palestina operária e socialista, onde possam conviver democrática e pacificamente árabes e judeus, como parte de uma federação de Repúblicas Socialistas do Oriente Médio.

Para responder a questão palestina não podemos ter nenhuma confiança no governo Lula-Alckmin que planta árvore na embaixada da palestina enquanto nega a entrada de refugiados no Brasil e mantém todas as relações com este Estado colonial assassino e acordos inclusive fechados por Bolsonaro, o que mostra como a conciliação de classes da frente ampla só reabilita a extrema direita.

Essa mesma definição de que a conciliação de classes fortalece a extrema direita é importantíssima pra que consigamos lutar consequentemente por uma política antimanicomial e abolicionista penal.

O governo bolsonaro e os governadores bolsonaristas foram e são pilares de alimentar ao extremo a falsa guerra às drogas e a individualização dos problemas de saúde mental.

Mas o governo de frente ampla não é nosso aliado contra essas ideias. Temos que denunciar também o papel que cumpre o governo Lula-Alckmin quando se trata das políticas de saúde mental.

Logo em seu início, o governo Lula-Alckmin chegou a criar um Departamento de Apoio às Comunidades Terapêuticas, que depois teve que ser destituído pra não se indispor com suas bases. A política de austeridade foi renovada com o novo arcabouço fiscal, que é um teto de gastos renovado, o SUS segue sendo desmontado e entregue à iniciativa privada, bloqueios e cortes na saúde para responder ao arcabouço continuam à todo o vapor. No dia 25 de janeiro foi publicado um Edital de Credenciamento que habilitou 587 Comunidades Terapêuticas de todo o país para serem financiadas, número que é maior do que os de caps e unidades de acolhimento somados.

Essas comunidades fazem parte do plano de guerra às drogas, ao supostamente “reintegrar” dependentes químicos à sociedade pela via de os colocar em trabalhos super explorados. A guerra às drogas esconde também a violência policial que prende e assassina a juventude negra.

Vimos nesse ano as várias chacinas promovidas pela polícia em São Paulo, governado pelo privatista Tarcísio, mas também no Rio de Janeiro de Cláudio Castro e principalmente na Bahia, de Jerônimo do PT. Junto ao governo de Eduardo Leite no Rio Grande do Sul, o governo Lula avança nas privatizações dos presídios, como uma forma de aumentar ainda mais o encarceramento da juventude negra e os lucros dos empresários. E o governo segue reintegrado figuras do bolsonarismo, mostrando como a conciliação de classes não combate as causas e os efeitos da extrema-direita.

Tendo em vista tudo isso, a Palestina e o que acontece também aqui no Brasil chega-se a conclusão de que é necessário revolucionar o conceito de saúde mental que não pode estar separado da política, porque essa separação no capitalismo resulta na reprodução da ideologia dominante, do falso paradigma biologizante que, de um lado, visa naturalizar a exploração e as opressões sofridas pela classe trabalhadora e, de outro, busca a manutenção e o aumento da produtividade através do mercado de medicamentos psiquiátricos, extremamente lucrativo em uma realidade cada dia mais adoecida.

A Argentina tem sido um grande exemplo da importância e força da organização independente, de estudantes e trabalhadores da saúde mental e de várias outras áreas que derrubou a lei ônibus do reacionário Milei que lá também se propôs a atacar a saúde mental impondo retrocessos manicomiais

Ou seja, não faz sentido falar de solidariedade a palestina, luta antimanicomial e abolicionista penal sem falarmos de luta de classes, da luta da classe trabalhadora e de todos os setores pobres e oprimidos pelo fim do capitalismo, pelo fim desse sistema miserável de possibilidades.

Nossa luta é por um mundo pleno de possibilidades, por um mundo comunista em que como diz Vigotski junto com a libertação dos muitos milhões de seres humanos [da opressão], virá a libertação da personalidade humana dos grilhões que restringem seu desenvolvimento.

Pelo fim dos manicômios, das prisões e de todas as polícias! Viva a resistência palestina! Viva a luta antimanicomial e abolicionista!




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