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Gabinete de Segurança Institucional | A nova crise militar do governo Lula

O vazamento das imagens que comprometeram o general G Dias, levaram à queda do primeiro ministro de Lula. O GSI (Gabinete de Segurança Institucional), antiga casa militar, seguirá sendo um bastião do generalato, que Lula não pretende dissolver. Esse acontecimento, por concentrar uma série de problemas, é revelador das debilidades da política lulista

Thiago FlaméSão Paulo

terça-feira 2 de maio de 2023 | Edição do dia

O GSI foi, ainda durante o governo Temer, o lugar onde os generais estabeleceram a cabeceira de praia para do seu retorno ao palco principal da política nacional. Sob a direção do general Etchegoyen fincaram posição ali, no comando da Abin. Já sob Bolsonaro, o general Heleno concentrou um imenso poder a partir do GSI, unificando pela primeira vez, no gabinete, todos os serviços de inteligência, assumindo o comando da Abin e do serviço secreto do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

A manutenção do Gabinete de Segurança Institucional, na medida em que é uma ferramenta de tutela dos generais sobre o poder civil, se transformou em uma das principais demandas do generalato pós-Bolsonaro. A queda de Gonçalves Dias pode ser vista como a resposta do bolsonarismo ao forte revès sofrido após o oito de janeiro, no entanto, seus efeitos e consequências se projetam muito além da disputa entre governo e oposição, se inserindo no entramado mais amplo das disputas internas e externas que atravessam o início do governo Lula/Alckmin.

Governo e oposição

A divulgação das imagens do chamado “general de Lula” em meio aos atos de depredação do palácio do governo serviu para dar um discurso para o bolsonarismo, que vinha com dificuldade de sair da extrema defensiva em que ficou após o oito de janeiro. Sincronizado com o início do julgamento dos primeiros cem acusados no STF, o vazamento serviu para o bolsonarismo que quer tentar emplacar a versão de que o governo Lula agiu com intenção da facilitar a invasão do planalto. De imediato isso colocou o governo na posição de quem deve explicações. A queda em tempo recorde do general Gonçalves Dias não foi suficiente para estancar o sangramento. Ato seguinte o governo teve que tomar mais duas ações indesejadas.

Rifou o general, que vai ter que arcar com toda a responsabilidade sozinho para estancar a crise. Agora, a versão oficial alega que as imagens foram sonegadas ao governo e que Lula não teve conhecimento delas, ao mesmo tempo em que apresentam o Gonçalves Dias como alguém desequilibrado, incapaz de reagir a situações de crise e que entrou em estado de choque em meio aos acontecimentos. Apesar de inverossímil, essa versão vai servir para que o governo Lula não seja responsabilizado pelas ações do seu ministro general. O custo é alto porém, pois não existe nenhuma ofensa pior a um oficial graduado do que essa, e deve provocar dificuldades adicionais para Lula nas Forças Armadas. O GSI, interinamente na mão de Capelli, fica como um grande pepino a ser resolvido por Lula no retorno da viagem à Europa.

O governo também teve que mudar rapidamente sua posição sobre a CPMI do oito de janeiro. Inicialmente, apesar da oposição já contar com as assinaturas necessárias, estava jogando pesado para impedir sua implementação. Temia que, além de dar um palco para o bolsonarismo, poderia dificultar os trabalhos do Congresso, que já se desenvolvem com extrema lentidão. Convocada a CPMI, o governo agora está colocando toda sua força para garantir maioria na comissão e fazer do limão uma limonada. É bem provável que consiga isso, reaproximando o conjunto heterogêneo de forças da frente ampla que o levou ao governo. O efeito imediato fo, por um momento, o de perder um pouco o controle da pauta política nacional, que girava quase exclusivamente em torno da visita de Lula à China, suas relações com a Russia e em torno do novo teto fiscal e da discussão da taxa de juros e voltou a colocar os acontecimentos no oito de janeiro. Também o governo Biden prefere que a pauta política brasileira se centre naquilo que o unifica com o governo Lula/ALckmin e não nas relações com a China. Seguindo o caminho dos interesses favorecidos pela divulgação das imagens, é impossível não levantar a hipótese de que mais atores que não só o bolsonarismo estiveram por trás do seu vazamento.

A disputa pelas tropas

A nomeação do general lulista para a direção do GSI carregava a esperança, do ponto de vista do governo Lula, de que poderia resolver um problema difícil com uma medida fácil. A ilusão durou pouco. Nada será fácil para um governo que pretende conciliar a continuidade de medidas neoliberais e apresentá-las como uma conquista social. Escolhendo o caminho da conciliação com parte do bloco golpista de 2016 o governo não pode entrar em rota de colisão com o generalato golpista, que estabeleceu o GSI como vital para seus interesses. Acontece que com a queda de Gdias, não resta ao governo outro general próximo a si e será obrigado a nomear um indicado pelo Alto Comando se não quiser acabar com o GSI. E, essa demanda democrática elementar, dissolver o gabinete da tutela militar, é uma coisa que o governo não quer fazer. Como não quer derrubar o restante das leis que favorecem a tutela militar e muito menos punir os responsáveis militares pelas torturas e crimes da Ditadura Militar, pois avançar pelo caminho de demandas democráticas, ainda as mais elementares, colocaria em risco a frente ampla com parte dos golpistas de 2016.

Sem contar com uma ala própria no Alto Comando do exército, o GSI sob comando de Gdias era uma aposta, de a partir dali - e com a Abin sob comando da Casa Civil - construir essa ala. A situação na oficialidade do exército, no entanto, é outra. A disputa interna está a mil por hora, mas nela Lula não conta com aliados diretos. O Alto Comando e a cúpula do generalato nunca foi bolsonarista, apesar do bloco que conformaram nos últimos anos e da idetidade ideologica e programatico em inúmeras questões e não nutre simpatias em ser liderada por um capitão, mas como ao mesmo tempo se beneficiou enormemente do governo do capitão, que foi também o seu governo, não pode simplesmente se desvencilhar do bolsonarismo. Buscando uma nova localização, que lhe permita regularizar as relações institucionais com o governo e se alinhar ao governo de turno nos EUA, de novo nas mãos da burocracia tradicional do Partido Democrata, com a qual o exército mantém diversos laços, entra em rota de colisão ao bolsonarismo trumpista, na oposição aqui como lá. E a média oficialidade, encabeçada pelos coronéis e ansiosa por acelerar sua carreira, é muito mais bolsonarista do que frente amplista, ao contrário da cúpula.

Tendo bloqueado o acesso ao generalato, Lula segue outra política para as Forças Armadas. Deu recentemente um passo importante, ao recompor um pacto com o almirantado em torno do projeto do submarino militar. É uma sinalização enorme que a declaração contra Moro tenha sido feita no evento de inauguração de um submarino, apresentado pelo comandante da marinha como o "responsável pelo com momento que vivemos”. Não é segredo o grande apoio da lava jato entre os militares e o comprometimento de todos os generais quatro estrelas que se fizeram bolsonaristas com o lavajatismo desde que o então comandante Villas Boas tuitou para pressionar o STF pela prisão de Lula. Lembremos sempre que o atual comandante ajudou na redação daquele tuite. Lembremos também que a lava jato bombardeou o projeto do submarino militar e prendeu um almirante, que presidia a eletronuclear.

Um outro processo, mais subterrâneo, se desenvolve e é decisivo para pensar como articular uma política revolucionária. Enquanto toda a política do petismo crítico e do PSOL, de reforma militar, aponta para a criação de uma ala da oficialidade favorável ao governo, existe um grande desgaste do oficialato entre os praças, soldados, cabos e sargentos, das três armas. Em especial o generalato, visto como responsável político de uma reforma da previdência que fortaleceu a casta superior da hierarquia militar em detrimento dos praças. Aqui também todo o episódio do GSI, ao mostrar a fraqueza do governo que não controla os aparelhos de inteligência do próprio planalto, fortalece o próprio bolsonarismo, sentido como menos responsável pela reforma da previdência militar do que os generais quatro estrelas.

Em detrimento de Lula, se fortalecem as duas alas. Visto por esse ângulo aparecem novos atores favorecidos pela queda de Gdias. Muito provavelmente o Alto Comando vai indicar o próximo general a comandar o GSI, pagando o custo de um bolsonarismo mais fortalecido no corpo de oficiais.

Geopolítica e GSI

Ao estudar o perfil do general indicado que provavelmente irá assumir a vaga deixada pelo único general chamado de “lulista”, a trama se complexifica. O general Marcos Antonio Amaro dos Santos, foi chefe da segurança presidencial de Dilma de 2010 até 2016, período em que, como lembrou o Marcelo Pimentel em tuite recente, ocorreu o impeachment e em que, segundo as informações da Wikileaks, Dilma foi espionada pelos EUA. Além disso, também da mesma turma da Aman que que o general Paulo Sergio, aquele que se fez “pró-ciencia” primeiro, para depois, como comandante do exército, se juntar ao bolsonarismo no questionamento das urnas.

Mais relevante, no entanto, é o que o portal UOL nos lembrou em matéria recente. Numa atividade do estado maior do exército, com a presença de Bolsonaro, fez uma fala tomando a guerra da Ucrânia como exemplo, que naquele momento foi vista como um apoio a linha da Otan para o conflito, um desafio a posição de neutralidade de Bolsonaro: “tome-se a titulo de ilustração a invasão da Ucrânia ocorrida no último mês de fevereiro para contextualizar os desafios do Exército brasileiro…” Para aqueles que constitucionalmente não poderiam opinar em política, meias palavras dizem muito.

Vendo o histórico do novo chefe do GSI, o círculo nos beneficiados se fecha. Independente de quem foi o responsável direto e imediato pelo vazamento, o que supostamente deveria ser esclarecido nas investigações, que muito provavelmente corroboram a visão que veio de dentro do GSI (controlado por Heleno, mas onde Vilas Boas cumprou sua última “missão” oficial dentro do governo Bolsonaro), vemos nessa crise os interesses do bloco golpista de 2016 no seu conjunto convergirem para evitar que o GSI sob comando do General Gonçalves Dias caísse na influência direta de Lula.

Por mais moderadas que sejam as intenções de Lula, elas estarão permanentemente moderadas pelos seus aliados da Frente Ampla, que não vacilaram inclusive em favorecer o próprio bolsonarismo para manter o governo sob seu controle. Se a política de conciliação de classes já havia mostrado sua falência no primeiro ciclo de governos petistas, agora cada vez mais vai mostrar seus aspectos mais reacionários.




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