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Editorial MRT - 8M | As tarefas do feminismo socialista e a organização das mulheres no Brasil da Frente Ampla

Um novo dia internacional de luta das mulheres se aproxima. Diante de um mundo em convulsão e do Brasil da frente ampla, debater a organização das mulheres desde uma perspectiva socialista é urgente.

Odete AssisMestranda em Literatura Brasileira na UFMG

quarta-feira 6 de março | Edição do dia

Em todo mundo os capitalistas seguem lucrando, mas as mulheres são as que mais sofrem com a guerra, a fome, a pobreza, a crise climática e a precarização do trabalho. Por isso, em diversos países essa data deve ser marcada também pela organização contra o genocídio na Palestina. A solidariedade ao povo palestino precisa ser uma tarefa central do feminismo hoje.

Uma das notícias que mais teve impacto nos últimos dias foi a de que a França se tornou o primeiro país do mundo a incluir o direito ao aborto na sua Constituição. Mas é preciso ter claro que nesse país o aborto é legalizado desde 1970 e a garantia plena desse direito está sendo retirada pela precarização dos serviços de saúde pública onde era possível realizá-lo. Macron está tentando usar essa medida de forma demagógica, depois de reprimir fortemente a luta dos trabalhadores e impor sua reforma da previdência, depois de avançar em projetos neoliberais contra os serviços públicos, medidas que afetam sobretudo as mulheres. Esse aspecto confirma como a garantia plena do direito ao aborto legal, seguro e gratuito não vai se dar porque esse projeto é lei ou está na Constituição, mas precisa ser imposta pela força da nossa luta. A Argentina é outro exemplo disso. Além de tentar impor um verdadeiro plano de guerra contra os trabalhadores e a população pobre, Milei ameaça permanente esse direito que foi conquistado pela força da maré verde nas ruas. Enquanto as políticas do governo vem aprofundando a fome, a precarização e a pobreza no país, o que afeta bastante a vida das mulheres, elas se organizam em assembleias para tomar as ruas neste 8 de março.

No Brasil, as empresas e os patrões tentam esvaziar o sentido desta data com presentes e flores, ao mesmo tempo que lucram com a superexploração do trabalho das mulheres, garantida pela manutenção da reforma da previdência e trabalhista, pela terceirização irrestrita e o trabalho de cuidado não pago. Contam para isso com o papel da mídia burguesa, como a Globo, que transforma as opressões em um nicho de mercado a serviço de ampliar sua audiência. Buscam cooptar as pautas das lutas das mulheres, negros, indígenas e LGBTQIAP+ para um feminismo liberal que é impotente diante da realidade desse sistema capitalista em crise.

O governo da frente ampla fez muita demagogia ano passado com a lei da igualdade salarial, mas a realidade é que só vem aumentando a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho. Isso acontece porque Lula e o PT governam para os patrões, mantendo as reformas neoliberais que foram aprovadas desde o golpe institucional de 2016. Além disso, aprovaram seu próprio projeto de ajuste com o Arcabouço Fiscal, agora acompanhado do PL da Uberização. Destinam rios de dinheiro para o agronegócio com o Plano Safra, enquanto os indígenas são ameaçados pelos interesses desses setores e do garimpo. A crise no território Yanomami é a expressão mais gráfica da impotência dessa estratégia de conciliação diante de problemas tão urgentes.

Mas se aprendemos algo nos últimos anos foi como diante da crise e do ajuste são os nossos direitos, conquistados a partir da nossa luta, os primeiros que ficam sob a mira dos governos para manter os interesses capitalistas. E isso se intensifica quando a política do governo é apostar na conciliação com setores que nos atacam. Para manter a aliança com os representantes das igrejas e os defensores dos valores patriarcais, o governo não hesita em deixar de lado as pautas da luta das mulheres, enquanto amplia a isenção de impostos para as Igrejas. Um exemplo é como Lula sempre deixou claro que era contrário ao direito ao aborto e que seu governo não faria nada pela demanda histórica da legalização.

Enquanto isso, a extrema-direita busca permanentemente retroceder nos casos em que esse direito é legalizado e impedir que as mulheres possam ter acesso até mesmo ao que é garantido em lei. Como vimos no ataque do bolsonarista Ricardo Nunes a um dos hospitais de referência na realização do aborto no país. Usam também das suas figuras mulheres, como Damares Alves e Michele Bolsonaro, para defender suas pautas conservadoras e reacionárias, como o aprofundamento das relações entre o Estado e as igrejas. Fazem uma hipócrita defesa da família, que na verdade é a defesa da propriedade privada e desse sistema capitalista. Um sistema que não poderia se manter de pé sem a opressão e a exploração da ampla maioria das mulheres. A conciliação do governo só serve para fortalecer essa extrema-direita. A frente ampla é tão ampla que nela cabe até mesmo o partido de Damares Alves, Mourão e Tarcísio, cuja polícia leva adiante chacinas na Nova Operação Escudo, deixando um rastro de sangue negro no chão.

O governo da frente ampla busca reeditar elementos que foram pilares do projeto de país do lulismo, sob bases senis e em um regime degradado pelo golpe institucional, atuando junto com o STF contra a extrema-direita. Mas não nos enganemos, o STF não é nosso aliado, ele nega o piso salarial das enfermeiras e sempre foi o pilar da justiça machista e patriarcal que humilha e condena as mulheres vítimas de violência. Ao invés de combater a extrema-direita, a política que vem sendo levada a frente pelo governo e o STF, ainda que com interesses particulares de cada um, tem como objetivo comum assentar as bases de um novo regime político, buscando criar condições para uma nova hegemonia que consolide e aprofunde os grandes ataques dos governos golpistas de Temer e Bolsonaro. Dentro desse projeto, nós mulheres seguiremos sendo oprimidas e exploradas, tendo nossos direitos mais elementares sob constante ameaças. O Brasil da frente ampla é o país que segue na liderança dos rankings de violência de gênero, é o país que mais mata pessoas trans em todo mundo.

Diante desse cenário, o PSOL, que nos últimos anos ganhou expressão parlamentar principalmente porque suas figuras conquistaram a simpatia de setores que saíram nas ruas para lutar pelos direitos das mulheres, negros, indígenas e LGBTQIAP+, está no governo, inclusive com um ministério. Mas convive pacificamente com conciliação, compartilhando fotos e eventos do governo com Simone Tebet, como se ela não fosse justamente a cara do feminismo liberal. Agora estão buscando reproduzir a frente ampla em São Paulo, com a chapa Boulos e Marta, deixando de lado o fato que ela foi uma das articuladoras da reforma trabalhista e defensora do golpe institucional. Em Recife, passaram a integrar um bloco parlamentar com o PSB e o Republicanos. É impossível lutar pelas demandas das mulheres atuando no parlamento em um bloco com o partido de Damares Alves, Carlos Bolsonaro e Tarcísio de Freitas.

Por tudo isso, desde o Pão e Rosas viemos batalhando para que os atos desse 8 de março tivessem no centro a batalha pela organização das mulheres em cada local de estudo e trabalho contra a violência de gênero e a precarização do trabalho. Para que essa luta fosse organizada de forma independente do Estado capitalista e seus governos, apostando na auto-organização das mulheres, da classe trabalhadora e da juventude para massificar e ampliar nossas demandas. Debatendo a necessidade de um feminismo internacionalista que tenha no centro a luta contra o genocídio ao povo palestino, e que se inspire no caminho da luta de classes que vem sendo trilhado por nossas companheiras argentinas para enfrentar a extrema-direita. Temos muito orgulho de ter nossa camarada do PTS, Myriam Bregman, deputada pela Frente de Esquerda e dos Trabalhadores Unidade (FIT-U) reconhecida como a principal opositora no parlamento aos planos de ajuste de Milei. Esse combate no parlamento só é possível porque somos uma corrente militante, composta por milhares de mulheres que todos os dias também fazem esse enfrentamento em seus locais de estudo e trabalho, e nas ruas, o centro de gravidade de um partido de combate para a luta de classes.

Em nosso país esse debate sobre o 8M passou pelo enfrentamento às burocracias do movimento de mulheres, ligadas ao PT e o PCdoB, que estão atuando para transformar esse dia de luta em um dia rotineiro e bastante marcado por uma agenda eleitoral e institucional. Essas burocracias são parte dos mesmos partidos que dirigem as grandes centrais sindicais do país, e poderiam colocar em movimento o conjunto da nossa classe para defender a luta das mulheres. Mas esses setores são os responsáveis por manter a paralisia desse verdadeiro exército que é a classe operária brasileira, composto em sua maioria por mulheres e negros. Atuam para dividir as demandas da luta dos trabalhadores e da luta das mulheres. Sua estratégia é alimentar a confiança nas vias institucionais, no máximo pressionando o governo com alguma ação bastante controlada. O PSOL está aprofundando sua adaptação a essas burocracias e sua estratégia que mantém as mulheres paralisadas. Por isso, estamos construindo junto a organizações como o PSTU e a CST, entre outros setores, blocos defendendo um 8 de março independente de governos e patrões, contra a violência, as privatizações e a precarização, marcando fortemente nossa luta contra o genocídio na Palestina.

Nosso feminismo socialista quer resgatar o melhor da tradição comunista de atuação dentro do movimento de mulheres e nesse mês de março teremos muitas iniciativas a serviço desse objetivo. Estaremos nas ruas no 8 de março, construindo blocos do Pão e Rosas em diversos países do mundo, pois somos um grupo internacional de mulheres e LGBTQIAP+. Em nosso país, estamos potencializando nossa atuação como parte da campanha pelo Manifesto contra a terceirização e a precarização do trabalho, uma iniciativa apoiada por juristas, intelectuais, parlamentares, sindicatos, entidades estudantis, trabalhadores de diversas categorias, estudantes, entre outros setores. O Manifesto já conta com mais de 5 mil assinaturas e temos o objetivo de ampliar seu alcance como parte de levar a frente essa pauta que afeta tanto as mulheres, em particular as mulheres negras. Uma campanha que se faz urgente num país onde um jovem cometeu suicídio no Mercado Livre depois de ser demitido e tem seu corpo coberto com uma lona.

No campo da luta ideológica por um feminismo socialista estamos impulsionando distintas iniciativas. Teremos o lançamento da edição impressa e virtual da revista Ideias de Esquerda, especial Feminismo e Marxismo, repleta de debates teóricos, entrevistas e discussões sobre a luta pela emancipação das mulheres. Um novo curso em nosso Campus Virtual, totalmente gratuito, baseado no livro Mulheres, Revolução e Socialismo, a maior compilação de textos teóricos marxistas sobre a luta das mulheres publicada em língua portuguesa. As Edições Iskra, com sua coleção Iskra Mulher vem sendo um grande instrumento de luta e organização das mulheres, e seu catálogo está com promoções imperdíveis ao longo do mês. Além disso, teremos a volta do videocast Feminismo e Marxismo.

Junto à juventude Faísca Revolucionária estamos atuando nas calouradas em diversas universidades do país, organizando tours comunistas, grupos de estudos, festivais de arte e cultura, festas e diversas atividades que são parte da nossa perspectiva de luta revolucionária contra as opressões e esse sistema capitalista. Um combate que também estamos fazendo com nossas camaradas do Nossa Classe, que atuam em diversas categorias de trabalhadores, como professores, metroviários, trabalhadoras da USP, da educação, da saúde, terceirizadas, entre outras. Temos muito orgulho de termos estado na linha de frente da campanha pela reintegração dos metroviários de São Paulo, absurdamente demitidos por Tarcisio depois de lutarem contra as privatizações, que foram reintegrados essa semana. Em um ano marcado pelas eleições municipais, estamos também debatendo a necessidade de candidaturas de independência de classe, e possibilidade de que algumas companheiras do Pão e Rosas possam atuar nas eleições com candidaturas que levem a frente nossa estratégia e programa por um feminismo socialista.

Todas essas distintas iniciativas estão a serviço de potencializar a auto-organização das mulheres junto a classe trabalhadora para lutar contra o Estado capitalista, seus governos e instituições. A crise internacional e as guerras escancaram como esse mundo só nos reserva a barbárie. Nossa luta é para acabar com toda exploração e opressão, é para acabar pela raiz com tudo aquilo que nos impede de viver uma vida plena de sentido. Hoje esse desejo não pode se realizar porque vivemos em uma sociedade onde a produção está organizada de forma irracional, apropriada por uma pequena minoria de parasitas, que também fazem da política institucional um instrumento a serviço da sua classe, para preservação da propriedade privada.

Somos comunistas e nos enfrentamos com essa lógica de sistema. Queremos que a economia seja planificada democraticamente, e por isso, lutamos por uma revolução operária e socialista que possa criar as bases de uma sociedade de produtores livremente associados, sem classes, sem Estado, sem opressão e exploração. Para esse objetivo é urgente fortalecer a perspectiva de um feminismo socialista, pois como sempre defendeu Lênin, esse grande dirigente revolucionário, que ao contrário das deturpações stalinistas deixou um legado profundo para pensar a luta pela emancipação das mulheres, mesmo depois de 100 anos da sua morte: “Na busca pelo ideal socialista, lutamos pela realização total do socialismo, e neste caminho se abre um amplo espaço de atuação para a mulher.”

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[1“As tarefas do movimento de mulheres trabalhadoras na república soviética” de Vladimir I. Lênin, disponível no livro Mulheres, Revolução e Socialismo das Edições Iskra.





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