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Curdistão | História do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK)

Nestes dias se marcou o 44º aniversário do Congresso Fundador do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Uma reunião secreta de 25 ativistas de esquerda, que ocorreu em 27 de novembro de 1978 em uma aldeia chamada Fîs, perto da cidade curda de Amed. Traduzimos aqui uma nota de 2015 acerca da história do PKK (em que completava seu 37° aniversário).

domingo 25 de dezembro de 2022 | 19:38

Texto original em: Historia y presente del Partido de los Trabajadores del Kurdistán (PKK)

Tradução de Noah Brandsch

A situação política na Turquia nos anos 70 foi marcada por profundas tensões e mobilizações de massas. Depois de várias insurreições fracassadas, o povo curdo novamente expressou seu descontentamento com a colonização. Por outro lado, a esquerda radical turca foi marcada pelo movimento estudantil de 68 e seguiu uma estratégia de guerrilha de caráter pequeno-burguês. Entre eles, a ideia predominante de que o Curdistão do Norte não era uma colônia interna. Além disso, muitos eram da opinião de que os curdos não eram etnicamente oprimidos. A conciliação com o kemalismo, um bonapartismo nacionalista e de direita, trouxe consigo um distanciamento da esquerda turca do povo curdo oprimido. O PKK, por outro lado, defendia a ideia de um Curdistão independente, unificado e socialista.

Qual era o programa do PKK em seus primeiros anos? A carta de fundação diz o seguinte:

"O PKK visa libertar o povo do Curdistão, no momento do colapso do imperialismo e do nascimento das revoluções proletárias, do sistema imperialista e colonialista e fundar uma ditadura popular num Curdistão independente e unificado. [...] O PKK acredita que o imperialismo está por trás do colonialismo, do racismo e de qualquer forma de discriminação. É por isso que a libertação do sistema imperialista é uma tarefa urgente. O imperialismo, os Estados coloniais e os seus colaboradores têm a responsabilidade de que o Curdistão, pela sua divisão em quatro partes, se tornasse uma colônia e qualquer valor nacional do povo curdo foi destruído. [...]

Os tratados que dividiram o Curdistão entre a burguesia turca e os imperialismos britânico e francês após a primeira guerra imperialista divisional não foram aprovados pelo povo curdo. São, portanto, ilegítimos. O PKK denuncia todas as forças chauvinistas turcas e fantoches reformistas sob os curdos que reconhecem este Estado e assediam o povo curdo para encontrar soluções dentro dele. O PKK vê a sua razão de ser, entre outras, na luta contra forças como estas. [...] O imperialismo norte-americano é o principal inimigo dos povos do Oriente Médio. [...] Viva a independência e o internacionalismo proletário!"

Esta afirmação vem daquele partido que hoje tenta "democratizar" o Estado turco. Um partido que desistiu de um Curdistão unificado, independente e socialista; e que na Síria faz parte de uma aliança liderada pelo imperialismo norte-americano. Se estivesse à altura das suas próprias declarações, o PKK de 1978 deveria denunciar o PKK de 2015 e lutar contra ele. No entanto, esse abandono do programa não aconteceu apenas e de repente. Pelo contrário, é o resultado de uma mudança para a direita, que encontra bases na política de conciliação de classes que o PKK tem tido desde a sua criação.

A filiação e incorporação dos trabalhadores e a questão essencial da expropriação dos meios de produção a serviço do movimento de libertação nunca foram centrais para o PKK. Desde os seus primórdios, subordinou a luta de classes à luta de libertação nacional. Seguia uma lógica etapista, que priorizava uma "democracia popular" ao invés uma ditadura do proletariado em aliança com o campesinato. O PKK era uma frente popular. Embora ele tenha recrutado curdos empobrecidos e sem terra como base social, ele manteve alianças com proprietários de terras curdos. Tampouco seguiu uma política proletária, porque nunca procurou consolidar-se no movimento operário.

Alguns pequeno-burgueses foram capazes de se tornar uma burguesia nas metrópoles turcas. O PKK sempre argumentou que a formação de uma burguesia curda era necessária para uma coalizão nacional, e é por isso que procura apoiar os interesses da burguesia às custas da maioria de sua própria base. O resultado é uma posição frágil e explica por que o PKK, após 37 anos de existência, se opõe aos princípios fundamentais de sua carta fundadora.

A Guerrilha e o golpe militar

O golpe militar de 1980 foi um ponto de viragem na situação política na Turquia. Muitos quadros profissionais do PKK foram mortos nas prisões da junta militar, que visava aniquilar o movimento operário, a esquerda turca e o povo curdo.

Enquanto a esquerda turca foi derrotada com prisões, despejos, assassinatos e torturas, o PKK foi capaz de se fortalecer com atos de militância nas prisões. Em 1984 iniciou a guerrilha no campo. Até 1990 houveram muitos confrontos e naquele ano o Curdistão passou por uma revolta popular, "Serhildan", semelhante à Intifada palestina.

Em 1991, o partido curdo conseguiu entrar no parlamento turco colaborando com o partido social-democrata, o SHP. Mas na posse, os deputados curdos foram atacados de forma racista e, um ano depois, seu partido foi banido. Quatro deputados foram presos depois de terem sua imunidade revogada.

Entre 1989 e 1991, na época do colapso da União Soviética e de outros Estados operários burocráticos, o PKK começou a se afastar de seus princípios. Este processo pôde ser concluído sem a resistência das massas, que estavam desapontadas com o stalinismo. A orientação política da "coalizão nacional" do movimento curdo baseava-se nos interesses da burguesia curda. O PKK tomou um rumo à direita, aproximando-se dos clãs curdos. Mas, em vez de enfraquecer as estruturas dos próprios clãs através de reformas agrárias (que eram demandas do PKK), alguns puderam se consolidar através de sua colaboração com o partido.

Em 1993, o PKK começou a distanciar-se ideologicamente de um "Curdistão independente, unificado e socialista" e a declarar tréguas com o Estado turco. Eles esperavam encontrar uma solução colaborando com o presidente conservador-liberal, Turgut Özal. Após o fracasso dessas negociações, o número de assassinatos "secretos" pelo Estado e pelas milícias apoiadas por ele só aumentaram.

A única política do Estado turco era a opressão. Inspirado pelas táticas americanas bárbaras usadas no Vietnã, o Estado queimou aldeias curdas e baniu, trancou e matou milhares de curdos, para impedir o apoio que o povo curdo deu ao PKK. Mesmo a nível internacional, a repressão repercutiu: em Novembro de 1993, o PKK foi proibido na Alemanha e os ativistas curdos foram criminalizados.

A prisão de Öcalan e a nova etapa

Em 15 de fevereiro de 1999, se iniciou uma nova etapa no PKK: a prisão de seu líder Abdullah Öcalan (Apo). Anteriormente, ele havia fugido e esteve em vários países por um longo tempo. Mas, em colaboração com os EUA, o Estado turco conseguiu capturar "Apo". Dezenas de jovens curdos atearam fogo em si mesmos publicamente para protestar contra a prisão de Öcalan.

Nesta fase, Öcalan começou a rejeitar o marxismo e a fundação de um estado curdo foi substituída pelo "Confederalismo Democrático", ou seja, uma administração política não-estatal. No sétimo congresso do partido, em 2000, o PKK removeu definitivamente o marxismo de seu programa. A nova estratégia baseou-se na autonomia democrática no quadro de uma república turca democrática. As decisões sobre o povo oprimido dos curdos não devem ser tomadas pelo "socialismo", mas por uma Turquia "democrática", mas capitalista. Nas outras partes do Curdistão, no Irã, Iraque e Síria, o PKK também ansiava por autonomia democrática. Opinava que as fronteiras, traçadas pelo imperialismo, não eram mais ilegítimas.

Os ataques militares contra o PKK tiveram custos muito elevados para o Estado turco. O Estado sobrecarregou o aparato militar após décadas de guerra civil. Quando o AKP chegou ao poder em 2002, a Turquia estava atolada em uma grave crise econômica. A burguesia turca começou com uma reestruturação econômica do modelo neoliberal e prometeu a democratização interna, supostamente para privar o exército de seu poder. No entanto, é evidente que qualquer tentativa parlamentar da nação curda foi liquidada com repressão e exclusão por parte do lado turco.

O Processo de Paz com Erdoğan, o sangrento Bósforo

Depois de muito tempo, os diálogos "não oficiais" entre o PKK e o Estado turco começaram em Oslo, na Noruega. Os dois lados tinham expectativas diferentes: o PKK exigia anistia, autonomia democrática e reconhecimento de diferentes identidades culturais. O Estado turco, em vez disso, aspirava a dissolver quaisquer estruturas do PKK e usar o Curdistão do Norte como uma ponte para outras partes do Curdistão e do Oriente Médio. Esta fase foi marcada por negociações secretas com promessas vazias e pela contínua opressão do povo curdo.

Somente em 2009 começou o processo parlamentar, que terminou com a proibição do partido curdo DTP. A reação dos curdos foi fundar outro partido, o BDP. Este juntou-se a outros movimentos reformistas e liberais turcos para formar o HDP.

Os eventos em Rojava, a parte ocidental do Curdistão na Síria, tiveram uma grande influência no curso político do PKK. O PYD, a organização irmã do PKK, formou estruturas autônomas durante a guerra civil na Síria. Mas então ele se juntou a uma aliança liderada pelos EUA, porque supostamente permite que o Estado Islâmico seja combatido "efetivamente". A luta de Rojava foi um marco histórico para o movimento curdo e alcançou grande reconhecimento internacional. Mas o envolvimento com os Estados Unidos cria propensões pró-imperialistas entre os curdos, porque o papel do imperialismo neste conflito não é denunciado. Embora existam aspectos muito progressistas em Rojava e seus elementos de autogestão, o movimento ainda mantém o princípio de defender a propriedade privada dos meios de produção. Em Rojava, esse aspecto é legalmente protegido.

Após a derrota eleitoral do AKP em 7 de junho de 2015, que impediu o único governo do AKP, os ataques ao povo curdo se aprofundaram novamente. O período até novas eleições em 1º de novembro foi marcado por prisões em massa e massacres.

As contradições entre o HDP e o PKK tornaram-se visíveis neste período, porque o HDP tenta ser um partido de massas e procura apoio em setores que estão historicamente ligados ao Estado turco, como a burguesia curda e os liberais turcos.

Um engano radical: entre guerrilheiros e negociações

O PKK ainda aspira "democratizar a Turquia", mas sempre respeitando a intangibilidade dos meios de produção. A fim de tentar convencer setores da burguesia de seu programa democrático, ele descarta a opção de tomar as fábricas e colocá-las sob a gestão dos trabalhadores. No entanto, isso seria necessário, por exemplo, para fornecer apoio logístico para a construção de Rojava.

O HDP também ignorou a greve dos metalúrgicos nesta primavera para obter votos de setores burgueses e pequeno-burgueses. Esses trabalhadores não foram convencidos pelo programa do HDP, porque ele não defendia os interesses dos trabalhadores.

O marxismo tem como princípio a defesa do direito à autodeterminação de um povo, os curdos neste caso, contra o Estado turco, mesmo que o movimento esteja sob liderança pequeno-burguesa (ou também burguesa). O stalinismo e o centrismo transformaram esse princípio em um modelo no qual a classe trabalhadora desiste de sua luta para exercer a hegemonia no movimento e se submete às forças pequeno-burguesas.

No entanto, o axioma fundamental da defesa do direito à autodeterminação das nações oprimidas não implica que os marxistas revolucionários se subordinem a outros atores políticos nesse processo. O chauvinismo da esquerda de hoje consiste em não considerar as demandas da classe trabalhadora curda, ao mesmo tempo em que exclui a possibilidade de um processo de revolução permanente no Curdistão.

Na história do povo curdo há várias insurreições heroicas e a luta do PKK é possivelmente uma das mais importantes. Mesmo assim, a tragédia do povo curdo é parcialmente explicada pela política conciliatória de suas lideranças, que contêm as energias dos trabalhadores e das massas para poder negociar "pacificamente" com o Estado turco. Tentam pressionar para que isso seja transformado em um Estado burguês "democrático".

No entanto, como tem sido demonstrado repetidamente na história dos últimos 50 anos, não é possível reformá-lo, a única solução é lutar para construir algo completamente diferente sobre suas ruínas.




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