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Luta na Argentina | No 48º aniversário do golpe militar na Argentina, ocorreu massiva mobilização contra Milei e seu governo

Neste domingo, 24 de março, houve uma mobilização maciça em memória das vítimas dos crimes cometidos pelo Estado argentino e pela ditadura militar iniciada em 1976 neste país. Foi um dia importante em um momento em que o governo Milei mantém um discurso negacionista sobre esse período importante.

segunda-feira 25 de março | Edição do dia

Neste domingo, as ruas da Argentina se encheram para uma mobilização histórica em prol da memória, da verdade e da justiça para as vítimas da violência e dos crimes de Estado. Esse tradicional dia de homenagem às vítimas, dos 30 mil desaparecimentos forçados, massacres e crimes de Estado ocorridos durante a ditadura da junta militar de 1976 a 1983, ocorreu em um contexto de um discurso negacionista predominante que o governo Milei vem promovendo há várias semanas e de um número crescente de lutas e movimentos de resistência.

A ditadura militar argentina esmagou uma geração de ativistas, jovens e trabalhadores que queriam construir uma sociedade livre de exploração e opressão e que deram suas vidas na luta pela emancipação social. Sob o plano Condor, a ditadura organizou sistematicamente o desaparecimento político de milhares de ativistas que estiveram na vanguarda das grandes mobilizações da década de 1970 no país, com o apoio político, econômico e especialmente militar dos Estados Unidos.

Este ano, o dia 24 de março assume um tom especial. A crise econômica na Argentina, que está afetando profundamente a vida da classe trabalhadora e das pessoas mais pobres do país, só se acelerou nos últimos anos, com vários governos se revezando para introduzir medidas de austeridade de acordo com os interesses dos principais grupos econômicos nacionais e internacionais e em conformidade com as medidas impostas pelo FMI. Com a chegada de Javier Milei ao poder, esses ataques se multiplicaram. Em apenas três meses no poder, e apesar dos sucessivos reveses em várias frentes, Javier Milei conseguiu aumentar a taxa de pobreza de 45% para 57%, sem mencionar os ataques maciços às condições de vida das pessoas, os ataques aos salários, a inflação, os cortes orçamentários e as demissões nos serviços públicos e em muitas empresas ameaçadas de privatização, como a empresa aérea Aerolíneas Argentinas.

Negacionistas do massacre à frente do Estado

Depois de sofrer reveses significativos assim que chegou ao poder, como a necessária retirada de sua lei Omnibus e o também a derrota do chamado “mega-decreto de necessidade e emergência” no Senado, o governo de Milei vem buscando, há várias semanas, multiplicar suas provocações contra a memória dos crimes da ditadura. Preparando um possível plano para libertar membros da ditadura genocida atualmente na prisão, Milei e sua vice-presidente Victoria Villarruel (filha e sobrinha de membros do exército) fizeram uma série de declarações escandalosas sobre os desaparecidos da ditadura.

Em 21 de março, a HIJOS (uma organização dedicada à recuperação dos filhos dos desaparecidos durante a ditadura) anunciou que uma de suas ativistas havia sido atacada, agredida e estuprada em sua casa. Os autores do ataque escreveram posteriormente na parede de sua casa "Viva la Libertad Carajo" ("Viva a maldita liberdade", slogan da campanha de Javier Milei). O ataque obviamente direcionado a essa ativista foi seguido de ameaças contra vários ativistas políticos. Um método de terror usado no passado pela ditadura e pelos grupos paramilitares que operaram no país de 1974 a 1983. Esse é um escândalo pelo qual o governo tem total responsabilidade.

Naquela mesma manhã de domingo, o governo publicou um vídeo oficial de 12 minutos no qual a retórica negacionista foi repetida abertamente. Ao falar de um "dia para uma memória completa", o governo procurou reviver a chamada teoria dos "dois demônios", que considera que a repressão estatal foi necessária para responder ao "terrorismo" das organizações de extrema esquerda e peronistas. Uma forma de justificar os crimes da ditadura de Videla. Como Daniel Satur aponta para o La Izquierda Diario: "esta é a primeira vez em 40 anos de governos constitucionais que a Casa Rosada [o palácio presidencial] decide ir contra toda a jurisprudência nacional e internacional, a reconstrução da verdade histórica refletida em inúmeras decisões judiciais, pesquisas acadêmicas, livros, filmes e documentação acumulada durante décadas por organizações de direitos humanos (nacionais e internacionais) e instituições do Estado que concordam que houve genocídio na Argentina".

Se esse vídeo deu voz abertamente às famílias de militares que foram "vítimas" dos grupos guerrilheiros, multiplicando as mentiras sobre a história da ditadura, esse discurso negacionista não é totalmente novo. Antes de Milei, os governos de Alfonsín(de 83 a 89), Menem (de 89 a 99) e depois Macri (entre 2015 e 2019), buscaram, cada um por sua vez, permitir que os responsáveis pela ditadura ficassem impunes. Essa política é enquadrada pela necessidade de recuperar uma forma de respeitabilidade para um exército profundamente deslegitimado por seus crimes e de forjar uma base social profundamente reacionária.

No contexto dos ataques maciços de Milei, a divisão da manifestação deste ano tomou outro rumo. Embora ambas estejam sendo convocadas contra o governo, o peronismo optou por não mencionar a responsabilidade dos governadores peronistas, que estão atualmente negociando com Milei para lhe oferecer capacidade de governar e poderiam participar do "Pacto de Maio" buscado pelo governo. Além disso, as organizações peronistas se recusaram a incluir em sua convocação à mobilização um apelo às lideranças sindicais (CGT, CTA) para que convocassem uma verdadeira greve geral. As últimas semanas foram marcadas por ataques brutais por parte do governo, mas também pela resistência em muitos setores, como educação, saúde e na Aerolineas Argentinas, a companhia aérea que Milei quer privatizar, bem como no setor cultural, que está lutando contra cortes maciços no orçamento. Apesar de tudo isso, as lideranças sindicais continuam firmes.

Nesse contexto, setores combativos compareceram em massa à manifestação do Encontro pela Memória, Verdade e Justiça. Além das tradicionais organizações de direitos humanos, da extrema esquerda e do sindicalismo combativo, havia trabalhadores da GPS-Aerolíneas Argentinas em luta, da fábrica Madygraf sob controle dos trabalhadores, motoristas de ônibus, professores da Universidade de Buenos Aires, trabalhadores da educação, trabalhadores do Instituto Nacional de Cine y Artes Audiovisuales entre outros diversos setores, além de grupos de mais de 50 assembleias de bairro, que desempenham um papel central na oposição ao governo.

Myriam Bregman, advogada de direitos humanos que foi responsável pela prisão de vários membros da ditadura e deputada nacional do PTS (Partido de los Trabajadores Socialistas), organização irmã do MRT na Argentina, nos lembrou há poucos dias que "impunidade gera mais impunidade" quando convocou uma mobilização maciça contra Milei, seu governo e todos os seus cúmplices. "Nosso país está sob as botas do FMI e queremos enfatizar que, sem romper com isso, não há saída para as maiorias populares e da classe trabalhadora. Em 24 de março, estaremos lá para levar essa mensagem", observou ela.

Noah, estudante de história da USP, cobriu pelo Esquerda Diário as manifestações diretamente de Buenos Aires, veja o vídeo:




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