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TEORIA | “Os Mercados” e o fetiche da mercadoria

quinta-feira 30 de junho de 2016 | Edição do dia

Nós trabalhadores ao lermos notícias ou vermos comentários econômicos expressos pelos “oráculos” do mercado que habitam as páginas dos jornais e aparecem nos telejornais somos sempre surpreendidos por essa força sobre-humana, que faz empalidecer todas as antigas potências e deuses, que submete todas as forças, essa sombra que paira sobre nossa realidade e causa o desemprego e a inflação, força aparentemente incompreensível, misteriosa, ’O Mercado’.

Esse ente, dotado de uma personalidade rancorosa e pérfida, como os deuses da antiguidade grega, parece dominar todas as relações sociais e a vida humana de conjunto, nossos destinos e veredas sendo controlados pelas mudanças de seus humores. Basta os ditos “mercados” acordarem ‘’estressados’’, ‘’nervosos’’ e sabemos que seremos nós a sentir os efeitos de sua “ira”. Redução de salários e direitos, são as oferendas e hecatombes oferecidas para acalmar esse furioso deus da modernidade.

O novo Moloch faz empalidecer o antigo Leviatã hobesiano, que frente a ele se torna um mero joguete de sua potência e personalidade. O estado como grande força se torna um mero instrumento e ferramenta frente a força sacrossanta do poderoso Mercado. Se antes o poderoso deus se contentava em governar os destinos como uma eminência parda, através de sua “mão invisível”, hoje seu poderio se expressa de forma muito concreta e direta.

Milhares, milhões de vidas humanas são sacrificadas para aplacar sua ira, mas como para o antigo Cronos, ela parece insaciável. Menores salários, menos direitos, piores condições de trabalho e de vida, nada é suficiente.

Mas o que são os mercados? Que potência é essa a qual todas as outras forças humanas tem que se submeter e se sacrificar? Porque seus “humores” afetam tão diretamente a vida de milhões de trabalhadores? Como subverter essa relação e conquistarmos nós, trabalhadores associados, a direção de nossa história e destino?

O Capital, não uma coisa, mas forma específica das relações humanas e de produção

Para entendermos como pode se produzir essa potência aparentemente sobre-humana e que parece governar todas as nossas relações a primeira coisa a entendermos é que vivemos dentro de uma forma específica de relações sociais e relações de produção, um modo determinado de produção da riqueza, o capitalismo.

Os economistas burgueses, aqueles que defendem os interesses dos capitalistas e buscam expressar “cientificamente” sua visão de mundo e entendimento sobre as formas de produção da riqueza buscam mostrar o capitalismo como forma mais desenvolvida e última da produção da riqueza, forma maior das relações sociais. Para tentar defender essa sua posição infantil e obviamente indefensável buscam mostrar o capital não como uma relação social específica, mas como uma coisa.

Assim, máquinas, instrumentos, insumos, matérias-primas, fábricas, etc, seriam inerentemente e essencialmente capital, não importando a relação social específica onde estão inseridos. Dessa transformação dos modernos instrumentos de produção diretamente em capital os economistas apologéticos (ou seja, que defendem de forma descarada o capitalismo) fazem ainda outro movimento e transformam todo e qualquer instrumento de produção, não importando a especificidade histórica e as relações sociais onde foi produzido, em capital. Dessa forma, da machadinha de pedra do ser humano pré-histórico, passando pelo arado do servo medieval, chegando a grande indústria capitalista, todos os instrumentos de produção seriam diretamente capital. Também o economista burguês tenta mostrar as relações de troca de mercadorias no mercado como algo existente em todas as épocas históricas e lugares, construindo assim a fábula do caçador e pescador, que produzindo de forma independente em algum passado distante e desconhecido teriam inaugurado as relações de troca e assim o capitalismo, forma de relação humana então a-histórica e existente por toda eternidade.

Esse tipo de fábula é muito funcional à burguesia, que retribui com vultosas somas aos serviços prestados por seus sacerdotes, pois é uma forma de justificar a desigualdade social presente. Pois quem entre nós trabalhadores nunca ouviu outra famosa fábula em que os ricos são ricos porque eles, ou seus antepassados, muito trabalharam e pouparam, e hoje vivem dos rendimentos desse seu sacrifício e nós somos trabalhadores porque não trabalhamos, ou nossos antepassados, e hoje temos que sofrer das penúrias dessa preguiça anterior? Esquecem, no Brasil, por exemplo, de encaixar nessa “bela” fábula a história da escravidão negra, onde os que trabalharam e construíram a riqueza do país tem seus descendentes hoje vivendo com os piores salários e condições de trabalho, com a pior saúde e educação, etc.

Nada mais longe da verdade, assim, do que fazer do capital uma coisa, um instrumento de produção diretamente, assim tornando-o uma categoria a-histórica. Capital é uma relação social e não uma coisa, uma forma específica da produção da riqueza e apropriação do ambiente natural onde os meios de produção, os instrumentos necessários a produção da riqueza, são separados do produtor direto, do trabalhador e onde esse trabalhador é proletarizado, sua capacidade de trabalho, sua força produtiva, sendo transformada também em mercadoria, como todas as riquezas sociais.

Máquinas, instrumentos, matérias primas, fábricas, portanto, não são essencialmente capital, são capital apenas dentro das relações burguesas de produção, onde sua propriedade se contrapõe e se controle como força estranha em relação aos trabalhadores.

O fetiche da mercadoria

Dessa forma, dentro do modo de produção capitalistas as relações aparecem invertidas e as forças criadas e submetidas aos seres humanos associados parecem antes os criar e os submeter. As relações humanas aparecem não como relações entre pessoas mediadas pelas coisas por elas produzidas, mas antes relações entre coisas, dos quais os seres humanos trabalhadores são apenas partes menores e sem importância.

Para o capital nós trabalhadores somos apenas parte do seu capital, parte de seus custos de produção, peças, como todas as outras tendo que ter o máximo rendimento e descartáveis, assim que a relação entre custos e ganhos passa a ser desfavorável.

Quando o vice-presidente da Fiesp, por exemplo, declara que uma hora de almoço é muito e que o trabalhador pode comer com um mão e trabalhar com a outra está dizendo isso “quero uma peça mais eficiente, que com menores custos me gere maiores ganhos”.

Peças sobressalentes, apêndices de carne para as ciclópicas máquinas de aço, é esse nosso sentido de existência, dentro do ponto de vista do capitalista. Mais uma mercadoria na prateleira do consumo do burguês, peça chave para a reprodução de sua riqueza, a mais dócil e eficiente possível, a coisificação do trabalhador e personificação das coisas, é essa a realidade que quer nos impor a patronal.

O capitalista como o capital dotado de vontade e personalidade

No entanto essa coisificação e reificação das relações sociais se impõem inclusive aos capitalistas. Também eles sentem essa alienação das forças humanas que parecem se portar como forças objetivas que se impõe a humanidade, como forças criadas que passam a controlar e submeter seu criador. Atesta essa verdade o fato das crises capitalistas, que se impõe como força incontrolável mesmo para as grandes potências e mercados capitalistas.

A grande diferença nessa questão específica é que os capitalistas se sentem como “peixes dentro d’água” dentro dessa alienação, se beneficiam dessa coisificação e estranhamento das relações humanas.

Assim, são parte ativa e sujeitos de sua reprodução. Como relações entre humanos que são as relações capitalistas e não entre coisas elas dependem da vontade e inteligência humanas para sua reprodução.A classe dos capitalistas, assim, formam o sujeito social que imerso nessas relações coisificadas e reificadas, que se beneficiando delas, defendem sua reprodução e suas necessidades.

É através da defesa de seus interesses como classe particular em contraposição aos interesses da maioria da humanidade que os capitalistas defendem as necessidades de reprodução dessa relação social cada vez mais desumana e irracional, cuja a racionalidade técnica para a produção entre em cada vez maior contradição com a reprodução dos dois elementos essenciais da vida humana, os seres humanos associados e a natureza.

“Os Mercados” e seus interesses como interesses dos capitalistas associados

Nós trabalhadores não devemos nos deixar enganar. Quando os falsos sábios que se apresentam como economistas defendem a necessidade da diminuição de nossos direitos e salários, de nossas condições de vida e dos gastos sociais, como se essas fossem demandas de uma entidade neutra e uma necessidade apenas técnica, “científica”, óbvia, devemos desmascará-los e mostrar o que eles realmente são, descarados e desavergonhados defensores dos interesses indefensáveis dos exploradores.

"Os mercados", dessa forma, nada mais são do que os capitalistas associados. As demandas dos mercados são as demandas e necessidades dos grandes patrões em contraposição e luta contra os interesses dos trabalhadores. Quando “os mercados” exigem “reformas trabalhistas” ou na previdência, como se essas fossem necessidades técnicas e administrativas apenas devemos ter claro que o que se esconde ali são os interesses dos patrões em busca de um maior lucro e maior exploração sobre nós trabalhadores. “Os mercados” exigem flexibilização das leis trabalhistas e maior terceirização? Aí se esconde os interesses dos patrões em diminuir os nossos já parcos direitos, que conquistamos com muita luta.

Os patrões, para defender seus interesses, que estão em contraposição direta aos nossos, dos trabalhadores, pois eles querem nos explorar cada vez mais, com menores salários e maiores jornadas de trabalho, menos direitos e gastos sociais, escondem seus interesses através de máscaras aparentemente neutras. Hoje a grande máscara dos patrões para defender seus interesses, mascará construída de forma muita precisa pelos seus “economistas”, é a máscara do Mercado.

Repito, não nos deixemos enganar, “os mercados” nada mais são do que os grandes capitalistas associados.


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