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Frente Ampla e Sindicatos | Por que as centrais sindicais não convocam um plano de luta nacional contra as privatizações e os ataques?

A greve realizada pelos metroviários da CBTU de Recife-PE, e o indicativo de greve para o próximo dia 15/8 dos metroviários de SP já seriam motivos suficientes para ter um plano nacional que unificasse as lutas. Cercando-as de solidariedade através da mobilização de outras categorias contra a agenda de privatizações dos governos estaduais e federal, outros ataques como o arcabouço fiscal e o marco temporal, e pela revogação das reformas de Temer e Bolsonaro.

Felipe GuarnieriDiretor do Sindicato dos Metroviarios de SP

terça-feira 8 de agosto de 2023 | Edição do dia

Foto: Jaélcio Santana

As privatizações dos serviços públicos são uma característica estrutural do neoliberalismo. Remarcam o protagonismo do capital financeiro na ordem dominante do estado capitalista. Representam, assim, os interesses econômicos da fração hegemônica da burguesia, vinculada à especulação financeira.

Contudo, em alguns países centrais do capitalismo, como EUA, Alemanha, França e Inglaterra, as últimas duas décadas produziram uma tendência inversa. A reestatização de empresas, principalmente as ligadas ao setor de água e saneamento, energia elétrica e transporte público, passou a ser uma realidade. É o que aponta estudos recentes realizados pelo TNI (Transnational Institute)- centro de estudos em democracia e sustentabilidade, sediado na Holanda. De 2000 para cá mais de 1400 empresas de servicos foram criadas ou reestatizadas pelos governos nesses países.

Se nos países imperialistas, a doutrina neoliberal da privatização manifestou contradições na relação entre os interesses econômicos e a dominação politica, nos países de neoliberalismo atrasado, como o caso do Brasil, consequentemente, a subordinação ao capital privado (em grande parte estrangeiro) para o desenvolvimento econômico ainda é o que prima.

A transição do governo de extrema direita para um governo de frente ampla ocorre num contexto de polarização política, entretanto possui uma relação de complementariedade econômica. No sentido de que são dois tipos de governo, dentro de um regime degradado pelo golpe institucional de 2016, que manifestam a dominação do capital financeiro. Traços marcantes da crise orgânica, em que a fração dominante da burguesia não consegue exercer sua hegemonia de classe por meio de seus líderes tradicionais.

A liderança de conciliação de classe do PT no governo de Frente Ampla passa, portanto, em absorver a agenda econômica neoliberal da extrema direita, reordenando-a conforme sua política, mas sob a perspectiva dos interesses da classe dominante.

A materialização desse movimento é respaldada pela repactuação com a burocracia das principais centrais sindicais CUT/ CTB- Força Sindical- UGT, e podemos caracterizar em dois momentos:

a-) da campanha pré eleitoral até a apresentação do arcabouço fiscal, firmado por uma plataforma revisionista, mas que não revoga as principais reformas (trabalhista e da previdência) e ajustes neoliberais promovidos pelo golpe institucional.

b-) Um deslocamento promovido pelo impacto do projeto de Arcabouço, no que diz respeito ao centro na agenda de privatizações, baseado nas concessões das PPPs, combinado a uma pressão de redução da taxa de juros como forma de atrair mais investimento privado no desenvolvimento econômico e na infraestrutura.

Essa coluna vem abordando bastante os aspectos do primeiro momento, e convido os leitores que tiverem interesse a conhecer as recentes elaborações. O objetivo agora é estabelecer as primeiras definições desse segundo momento, que alçou Haddad como principal ministro do governo Lula, em especial pela articulação exercida junto à Arthur Lira na Câmara para aprovação do novo plano fiscal.

Seguindo a avaliação da Standard & Poor’s, diversas agências de classificação de risco replicaram elogios ao relatório do ministro da economia. Pela primeira vez, desde 2019, a nota brasileira para atrair investimentos subiu. Lembrando que quanto maior a nota, mais segurança para investimentos o país possui, e diminui os juros das dívidas dos governos. Ou seja, demonstra a capacidade de determinado governo honrar com suas dívidas.

Essa tendência desperta novos ares à Faria Lima. Se no ministério de Guedes a política econômica era baseada na alta crescente dos juros, para favorecer o capital especulativo dos grandes bancos. Agora, toda a intenção do governo consiste num reordenamento, cujo o foco está numa agenda positiva de reformas que acelerem as privatizações. Tentando atrair os fundos de investimento dentro de um cenário mais favorável também pelo relativo controle inflacionário e uma leve melhora no preço do dólar. A resposta tem sido positiva, Haddad elogiado pelos capitalistas e as apostas já indicam esse novo momento, apesar de ainda não estar consolidado.

O governo Lula-Alckmin não rompe com o tripé macroeconômico característico do neoliberalismo brasileiro, mas sim o reorganiza diante as novas condições da economia mundial. Aumenta, nesse sentido, a pressão ao presidente do Banco Central Campos Neto (iniciada desde o começo do ano por Lula) para redução da taxa selic, que na última semana caiu (após constantes altas) de 13,75 para 13,25%. Uma pressão econômica, carregada de objetivos políticos, pois Haddad já posicionou seu principal aliado na fração financeira da burguesia - Gabriel Galípolo na Direção do COPOM, como provável substituto de Campos Neto no final de 2024.

As principais centrais sindicais, e também movimentos sociais, sob orientação de Gleisi Hoffmann, possuem um papel auxiliar nessa política. Se existe alguma campanha política organizada pela burocracia sindical atualmente, essa é potencializar o debate na opinião pública em torno da redução da taxa de juros.

A justificativa seria que os trabalhadores seriam beneficiados com juros mais baixos, pois esses promoveriam crescimento econômico gerando mais empregos. Uma meia verdade, que como qualquer outra esconde o verdadeiro objetivo. Estabelecer um governo em função da fração dominante da burguesia, baseado na expansão do trabalho precário, e concessões que não correspondem aos problemas estruturais que permeiam a realidade dos trabalhadores e do povo pobre no país.

Nada de novo no Reino da Dinamarca, ops…do PT. Só que agora num cenário político e econômico distinto do que foram os 13 anos anteriores de governo. Com menos margem de manobra para promover os ataques que a burguesia demanda. Por isso, a importância da repactuação, depois dos anos de ruptura, pela direita, do bolsonarismo com a burocracia sindical.

Toda a política do PT requer mais controle para que os elementos transitórios da situação não se desenvolvam. Isolando as lutas, e para que os seus aspectos, em primeiro momento econômico, não se transformem em questionamentos políticos, a partir do protagonismo dos trabalhadores. São essas contradições que começam a marcar o início do avanço das privatizações, e realçam os elos débeis da Frente ampla.

A privatização do Metrô de BH (CBTU) foi o start desse novo sistema. Uma concessão iniciada pelo governo Bolsonaro, que Lula decidiu levar até o fim. Com direito a declarações da CUT mineira tentando isentar a responsabilidade de Alckmin. E uma imensa pressão na direção do sindicato (ligado a setores da própria CUT), fruto da importante luta dos trabalhadores, para bancar dias e mais dias de greve. Apesar de derrotada com ajuda do isolamento promovido pela burocracia sindical, com a CBTU sendo privatizada, essa greve teve um grande significado. Demonstrou as contradições do governo com seus sindicatos, quando os trabalhadores são os atores principais da cena política.

Sem ela, o governo através de Rui Costa, não teria se comprometido publicamente, como fez, a não privatizar o metrô de Porto Alegre em maio deste ano. Tal declaração realizada no calor dos eventos, ainda não se consolidou, como confirma o próprio diretor da Trensurb:

“Não foi confirmado oficialmente porque é um pacote com todas as empresas, não dá para tirar só o trem, né? É um conjunto de empresas, inclusive de trens, que estão nesse projeto. Então, a Casa Civil está vendo a melhor forma de transitar para sair do PND. Mas há um compromisso do presidente Lula, nem pensar na privatização”.

Parece que o compromisso feito por Lula já não se comprova em Recife. Junto com Raquel Lyra (PSDB), mantém a CBTU dentro do PND (Plano Nacional de Desestatização), que combinada com a intransigência da direção da empresa durante as negociações da campanha salarial, levaram na semana passada à aprovação pelos trabalhadores de uma greve por tempo indeterminado. Atualmente, suspensa pelo Sindicato, após mediação da justiça que permitiu maior tempo de análise das reivindicações marcando um nova rodada de negociação. Se você confia mais, ou menos em Lula, fato é que o desfecho desse processo será determinado pelo termômetro da luta de classes, pois pelas intenções do governo o caminho será avançar nas PPPs.

E é nesse contexto, que se cobra o preço da política da CUT/ CTB- Força Sindical- UGT, e num outro nível a própria Intersindical que, desde antes da eleição de Lula, vem participando das negociações e integra atualmente os GTs promovidos pelo Ministro do Trabalho Luiz Marinho. Cobre pela esquerda uma política anti operária.

Em SP será outro laboratório da consolidação ou não dessa agenda nacional. Podem imaginar se o governo de Frente Ampla atua dessa forma, imaginem como Tarcísio, e o seu martelo, não estão. Em 8 meses da gestão de extrema- direita, Tarcísio avançou na privatização da Sabesp anunciando o modelo follow-on (emissões de ações da companhia estabelecendo percentual majoritário aos investidores privados). Nos transportes o leilão para a privatização da Linha 7 da CPTM será em novembro, e no Metrô de SP, além de abrir edital para a terceirização de todo o Pátio Oratório do Monotrilho, no final desse mês anunciou pela primeira vez um cronograma de estudos que prevê a privatização de todas as linhas estatais até 2025.

Tudo isso em sintonia ideológica com Bolsonaro, como recentemente na chacina promovida pela Operação Escudo no Guarujá. As mesmas mãos que privatizam, são as que batem palma pelos assassinatos da juventude negra nas periferias.

O Sindicato dos Metroviários de SP não está nas mãos da burocracia sindical, e desde o início do ano vem organizando lutas importantes contra os ataques da política de privatização, apesar dos limites expressos pela maioria de sua direção em processos de mobilização recentes em que se perdeu uma oportunidade de enfrentar esse projeto de privatização em condições mais favoráveis.

Na última assembleia foi aprovado o indicativo de greve para o dia 15/08. Seria uma grande oportunidade para ter uma paralisação unificada dos setores de transporte junto com a Sabesp. Entretanto, os sindicatos ligados à UGT e a CUT na CPTM, e à CTB na Sabesp, não estão aderindo a essa política de greve no dia 15. A direção do Sindicato dos Metroviários, portanto, não pode se adaptar a essa situação, e devem fazer uma forte exigência a esses sindicatos que encampem a paralisação do dia 15/8, fazendo política na base dessas categorias chamando à greve unificada, para pressionar e ajudar a desmascarar as direções dessas entidades. O Movimento Nossa Classe, como minoria da diretoria do Sindicato dos Metroviários, apresentou em reunião essa proposta, que foi recusada pela ala majoritária do Resistência-PSOL, e lamentavelmente nesse caso também pelo PSTU e outras correntes do PSOL (CST e RS-Unidos), afirmando que os demais sindicatos já apontaram nos bastidores que dia 15 não será unificado, deixando a promessa de tal medida só para outubro.

No âmbito nacional, a CSP- Conlutas também precisa ajustar sua política. A central sindical e popular cumpre atualmente um importante papel como única central que não compactua com a política de adesão ao governo de frente ampla. Apesar de ainda estar distante de setores mais de massa, muito também pela equivocada política que assumiu ao não reconhecer o golpe da direita em 2016. Cabe à central no seu próximo congresso corrigir a política de fazer exigências ao governo Lula sem nenhuma denúncia - como vimos na política dos companheiros do PSTU frente à privatização do Metrô de BH - , que ao invés de combater reforça as ilusões no governo, e direcionar suas exigências às demais centrais sindicais e sindicatos, em torno de propostas concretas para a ação comum na luta contra os ataques, como pela greve unificada em SP no dia 15/8. Sem isso, fica uma prática política que não serve para desmascarar a burocracia sindical e as ilusões que as direções promovem nas suas bases em torno das expectativas do governo Lula, diante de um cenário político que a extrema direita ainda possui força social na realidade do país.

A CSP- Conlutas como parte da preparação do seu congresso deve ajustar essa política, exigindo que as principais centrais sindicais rompam o pacto com Lula e Alckmin e chamem imediatamente um plano de luta nacional contra a agenda de privatizações e o arcabouço fiscal, que passa pela revogação de todas as reformas, da trabalhista e da previdência, assim como derrube integralmente a lei da terceirização. Somente com sindicatos e oposições independentes dos governos e patrões, que unifique os setores efetivos e terceirizados da nossa classe será possível construir uma alternativa anticapitalista à política de conciliação de classes petista. Que já provou inúmeras vezes ser a principal responsável em abrir o caminho da extrema direita no país.




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