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Frente Ampla no governo | Sinais políticos aos cem dias de governo Lula

A pesquisa Datafolha divulgada no início da semana passada foi boa para o governo Lula e demonstrou que em geral ainda se mantém a situação que os analistas políticos chamam de “lua de mel”, mas traz novos sinais políticos que temos que analisar mais a fundo

Thiago FlaméSão Paulo

terça-feira 11 de abril de 2023 | Edição do dia

Apesar do proveito que a grande mídia tentou fazer da pesquisa, apontando um desgaste do governo Lula, em geral ela foi favorável ao novo governo. O quadro político geral, levando em conta o que se expressa na pesquisa, pouco se modificou desde as eleições de outubro. A pergunta sobre os direitos políticos de Bolsonaro - “você acha que Bolsonaro deveria perder os direitos políticos e ficar inelegível?" - é a que melhor expressa a estabilidade. Enquanto 51% se dizem favoráveis, 45% se colocam contrários. Quase o mesmo resultado das eleições no segundo turno, a não ser pelo fato de alguns pontos percentuais a menos para o Bolsonaro.

A mesma tendência se expressa nas perguntas sobre a avaliação do governo. Lula em geral mantém o apoio da base que o elegeu, parte da qual já o fazia a contra gosto. E Bolsonaro mantém também a sua, porém com um importante deslocamento. Parte dos votantes de Bolsonaro parecem dispostos a dar uma chance ao governo. Essa boa vontade mesmo de parte da base social da oposição que um novo governo costuma ter é o elemento mais importante do que os analistas chamam de “lua de mel”. Mesmo com uma margem menor do que em outros momentos de maior estabilidade, é um fator importante do momento atual, que foi fortalecido pelo efeito da ação aventureira que desgastou o bolsonarismo conjunturalmente e colocou os militares e a extrema-direita na defensiva.

O acerto da comunicação para a política demagogica de Lula: o ataque aos juros

O mais sintomático da pesquisa é o grande apoio popular à retórica de Lula contra os altos juros praticados pelo Banco Central, cujo presidente foi indicado por Bolsonaro. Lula tem sido muito criticado, inclusive dentre os setores petistas, pela comunicação aparentemente falha do seu governo. Porém, nada menos do que 80% apoiam Lula nessa questão, mesmo depois do bombardeio midiático que tentou taxar a etiqueta “populista” na pressão do executivo sobre o Banco Central, que deveria ser independente, e que a forma de buscar a redução dos juros não poderia ser essa do Lula.

Lula soube dialogar com um sentimento amplamente majoritário, até mesmo entre os votantes de Bolsonaro. O que responde, ao menos em parte, o que tem sido a principal preocupação do governo: como garantir o apoio das classes médias? Até agora, o governo conseguiu o apoio dos estratos mais baixos dos setores populares e da classe trabalhadora precarizada, através da ampliação do programa bolsa família e da retomada do programa minha casa minha vida. Garantiu o apoio do mercado financeiro e dos empresários, ao se comprometer com a não revogação da reforma trabalhista e da previdência. Como o próprio Lula tem dito , e para o setor intermediário, o que temos a oferecer?

O anúncio do novo arcabouço fiscal foi recebido com grandes reservas nos meios de comunicação petistas, ainda que seja menos percebido pelas grandes massas do que a retórica de Lula contra os juros altos. Em um programa recente, Luis Nassif, que de forma nenhuma pode ser considerado um radical ou um opositor da política de alianças amplas, chamou o projeto de Lula e Haddad de “calabouço fiscal”, uma metáfora que usou para qualificar esse novo teto de gastos de inspiração ultra neoliberal. Isso reflete a forma como o projeto tem sido recebido nos meios mais organizados e politizados da classe trabalhadora petista. A única esperança que resta para esses setores de alguma política de investimentos que possam reivindicar é a possibilidade que Lula volta da China cheio de promessas de investimentos em infra estrutura.

O início de uma retomada de lutas nos setores tradicionais?

Apesar da etiqueta de “classe média”, o setor em questão para o qual Lula ainda não sabe o que pode oferecer é grande parte da classe trabalhadora com melhores salários e maior tradição sindical, a base social mais estrutural do PT. Se pegarmos a faixa de renda entre 2 a 10 salários mínimos, estão nelas professoras e professores, enfermeiras, metalúrgicos, petroleiros, bancários, trabalhadores especializados de diversas categorias profissionais, boa parte da intelectualidade progressista.

A recente greve do metrô de São Paulo foi até agora o ponto alto de um processo que, ao que parece, pode ser mais profundo. Não seriam esses setores, para os quais Lula ainda não sabe o que oferecer, os primeiros a se colocar em movimento pela reversão de parte dos profundos ataques dos últimos anos? Temos visto uma retomada ainda inicial de algumas mobilizações, como a dos setores da saúde pelo piso nacional e outras reivindicações, mobilizações e greves de professores e de trabalhadores do transporte. É difícil prever até onde esse processo pode ir, mas é preciso estar atento ao seu desenvolvimento, especialmente num momento em que nos principais países da Europa vemos o movimento operário se colocar no centro do cenário político como há muito não acontecia.

Essa dinâmica poderia já estar sendo captada pela pesquisa do Datafolha. Se temos em conta a faixa de 2 a 10 salários mínimos, se é a faixa de renda onde Bolsonaro tem seus melhores índices, é também onde se concentra a quase totalidade da classe trabalhadora organizada e com tradição de luta e organização. Quando olhamos para ela de perto, vemos que entre os que se declaram simpatizantes do PT, cerca de 20% acham que o governo apresentou até agora menos do que esperavam. Uma parcela menor, de cerca de 3%, acha que o governo não fez nada de realmente bom até agora. Não poderiam ser justamente esses os setores que estão começando a se mobilizar e que podem expressar que já começa a se destacar um setor que critica o governo pela esquerda?

Certamente não podemos igualar os dois processos, a retoma de lutas reivindicativas por parte de setores tradicionais da classe trabalhadora e da faixa superior dos setores precarizados com a experiência com o governo Lula. São fenômenos de natureza diferente, e entre os lutadores dos últimos meses certamente há aqueles que sim criticam o governo pela esquerda - o que talvez seja mais evidente em processos como a luta dos metroviários de Belo Horizonte contra a privatização autorizada pelo governo federal, ou na decepção de muitos educadores e educadoras com o anúncio de que Lula não vai revogar a reforma do ensino médio - como também apoiadores sem críticas ao governo e inclusive setores bolsonarista.

Que existem setores que se deslocam à esquerda do governo Lula se expressa nas preocupações de alguns comentaristas dos meios de comunicação petistas, com os sinais políticos de uma pesquisa que poderia ter sido tomada como amplamente favorável. Paulo Moreira Leite afirma, dialogando com a própria base petista, que o governo ainda não conseguiu mostrar um projeto crível para o futuro. De outro ponto de vista, Tereza Cruvinel se mostrou preocupada com o fato de que apenas 6% apontarem a educação como uma área de destaque do governo, lembrando que esse setor é um dos núcleos duros do apoio ao governo petista.

A educação no centro da situação política

Não convém aumentar, mas nem tampouco diminuir, a importância sintomática da vitória da greve do metrô e da grande disposição de luta desse setor estratégico, que votou amplamente no PT, mas que elegeu para o seu sindicato ano passado uma chapa crítica ao governo. Depois do fracasso que colocou o bolsonarismo na defensiva em janeiro, esse setor tradicional do movimento operário se sentiu forte para entrar em cena. Nesse momento está se desenvolve uma batalha política de primeira ordem, que vai determinar se nas próximas semanas a situação vai evoluir à esquerda ou retroceder à direita.

Como disse Leonardo Attuch na entrevista do Brasil 247 ao Lula, o Novo Ensino Médio é o ponto mais crítico do governo Lula entre a audiência do maior portal de notícias petista. Não à toa, mesmo em meio a crise provocada pela onda de ataques às escolas, o governo se viu obrigado a declarar a suspensão do Novo Ensino Médio.

Não fossem esses ataques que tensionam a direita toda a situação política, o desenvolvimento da mobilização contra o Novo Ensino Médio poderia estar se dando muito mais rapidamente, causando sérios problemas para o governo.

A situação está em aberto e a depender da resposta que se dê nas escolas e locais de estudo pode evoluir à esquerda ou à direita. Um dia decisivo neste processo será o dia 26 de abril, quando está sendo convocado pelos sindicatos da educação uma paralisação nacional contra o Novo Ensino Médio e por uma série de demandas. Frente a possibilidade de uma grande jornada de lutas no 26 de abril, como a tempos não se vê, é lícito nos perguntar se o conflito em torno do Novo Ensino Médio não pode vir a se comparar com a luta contra a reforma da previdência em 2003, que provocou os primeiros rachas a esquerda no primeiro governo Lula e deu origem a fundação do PSOL e a Conlutas. A situação é bem diferente, em especial se levamos em conta que a reforma de 2003 foi uma medida aprovada pelo próprio governo e esta do ensino médio parte da “herança maldita”. NO entanto, o que queremos colocar em pauta com essa analogia é que esse processo pode dar lugar aos primeiros rachas a esquerda numa base fundamental do governo. Ao contrário da luta dos servidores federais de 2003, que ficaram bastante isolados como um setor social privilegiado, a luta contra o ensino médio é muito mais ampla e dificil de isolar.

Ainda é cedo para dizer se essa possibilidade pode se tornar uma tendência real. Jogam contra ela não só a diferença que marcamos e que será utilizada por Lula para reduzir o impacto negativo da não revogação, como também a permanência de uma extrema direita bolsonarista, que mesmo debilitada segue ativa e é utilizada pelo petismo para conter qualquer tipo de mobilização independente.

O PT e seus atores nos seus sites e especialmente através da burocracia sindical tentam convencer os trabalhadores que qualquer crítica - nem falar mobilização - contra seu governo seria “fazer o jogo da direita”, dificultando o desenvolvimento do processo. Também joga contra essa possibilidade a adesão do PSOL ao governo e a passividade sindicalistas dos setores majoritários na Conlutas, em especial o PSTU. No entanto, a categoria de professores tem uma grande tradição de luta e pode aproveitar as contradições deste inicio de governo para se colocar em cena depois de anos de retrocesso, se conseguir atravessar o momento atual marcado pelos ataques às escolas recompondo a disposição de luta que havia se revelado desde o início o ano.




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