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Demagogia Burguesa | O marketing cínico de João campos e a precarização que não aparece na publicidade

O prefeito de Recife, João Campos do PSB, tem sido apontado com grande popularidade nas pesquisas, algumas das quais o colocam como prefeito mais popular do país, chegando ao número - por certo exagerados - de 81% de aprovação; o que está sendo utilizado pelo PSB - partido também do vice de Lula, Geraldo Alckmin - como um modelo, um ponto forte sob o qual apoiar seus demais pré-candidatos nas próximas eleições municipais ao longo do país.

Cristina SantosRecife | @crisantosss

domingo 17 de março | Edição do dia

A razão de seu aparente sucesso é, segundo analistas, pelo ótimo desempenho de sua equipe de redes sociais e escolhas acertadas de publicidade. É compreensível que busquem respostas como estas, quando olhamos para a cidade e vemos que estamos dentre os piores índices de emprego, condições de moradia e informalidade, mas sabemos também que apenas publicidade não pode ser a resposta.

Um dos principais fatores deste aparente ascenso de João Campos pode estar no mau desempenho da sua atual opositora no governo do estado, Raquel Lyra, que foi eleita convencendo o eleitorado de que foi uma “boa gestora” da prefeitura de Caruaru, mas que já no primeiro ano de seu mandato como governadora, já vem amargando um dos piores índices de aprovação, perdendo apenas para o governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro. Suas atrapalhadas na exoneração de funcionários, descaso com a educação no estado, repressão a sindicalistas como na greve dos rodoviários, além de crises à direita com a queda das chefias da Secretaria de Defesa Social, somam elementos para seu mau desempenho junto à população e, por outro lado, contribuem para uma melhor localização de João Campos, que aparece como opositor à governadora.

João Campos, ganhou as eleições em 2020 em segundo turno com 56% dos votos contra Marília Arraes (no primeiro turno ele havia tido 29% contra 27% de Marília Arraes), em uma campanha marcada pela utilização dos métodos bolsonaristas de fake news do mais baixo escalão, além de conteúdos misóginos.

Como prefeito, seguiu o modus operandi tradicional de sua família e em geral dos políticos burgueses: prometeu muito e entregou pouco. Levantamento feito pelo G1 em 2022 [1], mostrou que o prefeito havia cumprido apenas 5 de 39 promessas feitas durante a campanha eleitoral. Questões estruturais da cidade, como a mobilidade urbana e a moradia, foram totalmente negligenciadas pela gestão de João Campos. Segundo levantamento feito por diferentes ONGs e pelos movimentos sociais, o Déficit habitacional da cidade é de cerca de 71 mil moradias [2]. As entregas de moradias nos 3 primeiros anos de gestão foram irrisórias: foram entregues em 2023, 1392 moradias de interesse social (336 do habitacional Ruy Frazão, 232 do Residencial Mulheres de Tejucupapo, 600 dos Habitacionais Encanta Moça 1 e 2 e 224 do Habitacional Sérgio Loreto). Cada uma destas entregas foi acompanhada de muita propaganda nos principais meios de comunicação local. Estão previstas mais entregas 779 entregas dos habitacionais Vila Brasil 1 e 2 (em Joana Bezerra), habitacionais Vila Esperança (Monteiro), Pilar Quadra 46, Pilar Quadra 55 (bairro do Recife); todas previstas para 2024, ano eleitoral, mais uma jogada de marketing do prefeito utilizando o dinheiro público e as necessidades sociais para seus fins eleitoreiros. As vítimas das chuvas de 2021 e 2022 em Recife devem se perguntar qual seria sua realidade caso estes tivessem sido anos eleitorais, mesmo assim, é preciso enfatizar quão baixos são os números diante do grande Déficit habitacional existente.

Além disso, a cidade tem histórico de edifícios condenados (com risco de desabamento), que deveriam ser demolidos e serem construídas moradias no lugar. Foram inúmeros casos de desmoronamento no Recife e na região metropolitana, tendo o último no centro da cidade deixado 2 vítimas fatais de uma mesma família. Em julho de 2023, um desmoronamento em Paulista causou a morte de 14 pessoas. Pessoas essas como as que compõe as mais de 71 mil famílias que buscam moradia digna na cidade dos aluguéis caríssimos e da especulação imobiliária, e terminam tendo que arriscar suas vidas ocupando edifícios inseguros.

Em 2022, mesmo ano em que enchentes e deslizamentos deixaram mais de 120 mortos em Recife e região metropolitana, o prefeito foi denunciado na câmara por ter gastado mais de 51 milhões de reais em publicidade. Deste montante, 80% foi destinado para publicidade institucional para autopromoção da gestão, enquanto apenas 20% para ações de caráter educativo. O mais absurdo é que neste mesmo ano, o total de gasto com habitação, que como podemos ver é uma questão estrutural da cidade, foi de apenas 4 milhões.

As políticas públicas dos anos de gestão do PSB e também do PT, se concentraram em parcerias públicos privadas, com a construção de moradias em bairros afastados, onde as famílias realocadas geralmente em bairros distantes de onde moravam, se sentem apartados de seu modo de vida e de suas relações sociais. Essa realidade é sensivelmente abordada no documentário Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro (2010) [3], mostrando os registros das palafitas sendo retiradas de Brasília Teimosa para a construção da Avenida Brasília Formosa e de dois prédios do grupo JCPM que despontam na entrada atual de Brasília Teimosa, abordando o impacto na vida de pessoas como o pescador que foi realocado para um conjunto habitacional no Cordeiro, e agora precisa cruzar toda a cidade para chegar ao mar; ou o jovem que é garçom durante o dia, e à noite e fins de semana trabalha fazendo filmagem de eventos, uma realidade comum de uma classe trabalhadora refém do desemprego e informalidade.

A inexistência de uma reforma urbana radical que resolva a questão estrutural da ocupação irregular coloca milhares de pessoas todos os anos em risco por causa das fortes chuvas que atingem a cidade.

Enquanto João Campos dança brega funk no palco do Antigo, a polícia em Recife carrega o índice de ter 100% de assassinatos de pessoas negras

O carnaval de 2024 foi transformado em um grande palanque eleitoral para João Campos e o PSB, com grandes artistas de renome nacional tendo dentro do script de seus shows a propaganda da gestão, chamando inclusive o prefeito para o palco. Nos polos descentralizados, vereadores do PSB utilizavam da presença de artistas populares da região para saírem na frente com suas campanhas. Essa prática expressa como estes partidos burgueses utilizam da cultura, indispensável para a população, como uma moeda de troca para sua autopromoção, construindo verdadeiras travas para a expressão de artistas independentes e críticos a esses partidos, como aconteceu com mãe Beth de Oxum - musicista, mestra coquista e patrimônio vivo do estado - que teve sua participação no carnaval marcada por falta de estrutura e total descaso da prefeitura, como denunciamos nesta nota: No carnaval do Recife, a cultura popular pernambucana foi escanteada enquanto as empresas lucraram muito; e que também expressa quão distante está essa gestão das raízes indígenas e negras da cidade.

Ainda no carnaval, também viralizaram vídeos de João Campos fazendo passinho de Brega Funk, ritmo oficial da juventude periférica de Recife. A todo tempo jovens, em sua maioria negros, inundam a internet com seus simpáticos passinhos, que já são conhecidos no país inteiro. João Campos vem tentando dialogar com estes jovens, seja aparecendo em seus vídeos usando Juliet, fazendo passinho de Brega Funk no palco principal do carnaval ou “nevando” o cabelo. Todo este esforço para uma aproximação simbólica com a periferia, esconde um verdadeiro rio de sangue que separa o mauricinho oligarca desta juventude. Em 2023, recebemos o terrível dado de que 100% dos assassinados pela polícia em Recife haviam sido pessoas negras [4]. No evento de homenagem ao Mangue Beat, houve várias denúncias de que jovens periféricos estavam sendo impedidos de chegar à região das atrações, sendo reprimidos pela polícia no acesso nas pontes.

Outro problema estrutural da cidade é o transporte. Vivemos em uma metrópole onde não existe nem mesmo um sistema de integração entre todos os modais. Até mesmo a integração que existe entre ônibus é bastante precária, se resumindo a apenas algumas linhas específicas. O Metrô, de responsabilidade do estado, vem sofrendo desmontes constantes, uma prática bastante utilizada pelos governos neoliberais para justificar diante da população medidas impopulares como a privatização. O Metrô de Recife foi colocado no plano nacional de privatização pelo governo Lula-Alckmin, um verdadeiro ataque ao direito ao transporte da população e aos trabalhadores metroviários de Recife. As linhas existentes, chegam apenas a Jaboatão e Camaragibe, e não atendem a maioria dos bairros periféricos, que dependem das precárias linhas de ônibus que compõem um dos piores sistemas de transporte do mundo, ocupando o sétimo lugar do ranking mundial [5]. Esta mesma juventude que João Campos finge representar colocando juliet, “nevando” o cabelo e dançando passinho, é aquela que não pode sair de suas casas e ter acesso ao centro da cidade em um final de semana, por muitas vezes não terem nem mesmo o dinheiro da passagem; é a mesma que é alvo fácil da polícia racista.

Estes problemas estruturais da cidade e também o estado, é responsabilidade direta da oligarquia dos Campos-Arraes e do PSB, que governou o estado durante 16 anos e está há 12 anos na prefeitura.

No bastião do apoiador golpe institucional de 2016 PSB, a classe trabalhadora amarga seus piores índices de desemprego e informalidade

Outra questão estrutural na cidade e no estado é o desemprego e a informalidade. Enquanto a média nacional é de 7,8%, o estado e a cidade têm 11,9%, chegando a 13,8% na região metropolitana de Recife. A informalidade atinge mais da metade da classe trabalhadora em Pernambuco, chegando a 50,1%.

Recife é conhecida por ser uma das capitais mais desiguais do país. Mesmo com o já citado problema estrutural da moradia, aqui temos o segundo aluguel mais caro do Brasil, perdendo apenas para São Paulo. Ao mesmo tempo, temos uma das piores rendas médias do país, de apenas 831,66 reais, perdendo apenas para Manaus e São Luís. Como pode a cidade que possui uma das piores rendas ser a mesma do segundo aluguel mais caro e onde o desemprego e a informalidade também são altíssimos? A conta simplesmente não fecha. A conclusão só pode ser a de que temos uma grande massa de pessoas vivendo em condições muito precárias, e essa conclusão chega a ser uma fotografia da cidade e também do estado.

Ao mesmo tempo, Pernambuco é um grande polo de criação cultural não apenas para o próprio estado, mas para todo o país. Aqui se faz o maior Carnaval do mundo, com expressões culturais das mais variadas, além de outros eventos como o São João e os festivais de cinema. Estes grandes eventos terminam sendo um dos aglutinadores de trabalhadores informais, que buscam se localizar em pontos estratégicos da cidade para fazer algum dinheiro com a venda de água, bebidas, espetinhos, entre outras coisas. Por essa razão o período de pandemia também ocasionou um desastre na renda das e dos trabalhadores informais da região, que ficaram sem ter onde tirar seu sustento. Essa precarização termina sendo um trunfo para partidos demagógicos como o PSB de João Campos, que não fazem nada para dar respostas estruturais e utilizam dos grandes eventos não apenas para se auto promover, mas os anunciam também como oportunidade de geração de trabalho para os informais, que ficam a mercê de eventos sazonais para gerar alguma renda; assim como os trabalhadores da cultura dependem dos editais e precisam se adequar ao perfil de microempreendedor individual ou sociedade anônima para emitir nota fiscal (como se estes trabalhadores fossem empresas) e nos períodos de baixa, ficam totalmente desamparados, muitas vezes tendo que seguir pagando taxas fiscais para a prefeitura, mesmo quando não estão trabalhando.

Não por acaso, o PSB foi golpista em 2016, votando em bloco a favor do impeachment de Dilma Rousseff, golpe que veio para passar ataques contra a classe trabalhadora em um ritmo muito maior do que o PT já estava passando. O primeiro passo veio da mão do STF, que votou como constitucional a terceirização irrestrita. A reforma trabalhista de Michel Temer em 2017 abriu o caminho para a generalização da precarização; 2 anos depois, já com o governo de extrema direita do asqueroso Bolsonaro, a reforma da previdência veio para degradar ainda mais as condições de vida da nossa classe. As medidas advindas do golpe de 2016 representaram uma verdadeira formalização da precarização, tornando o Brasil um paraíso para os capitalistas nacionais e estrangeiros, reduzindo o custo do trabalho na indústria e generalizando a terceirização nos serviços. Há poucos dias, Lula e seu governo de Frente Ampla anunciou um novo ataque, formalizando agora a figura do “trabalhador autônomo”, rasgando décadas de luta da classe trabalhadora e tirando a possibilidade dos entregadores serem reconhecidos como trabalhadores formais de empresas de plataforma como Uber e Ifood. Além disso, o PSB de João Campos conforma bloco parlamentar na assembleia legislativa com o Republicanos, partido de extrema direita que abriga figuras bolsonaristas como Damares Alves, Tarcísio de Freitas e General Mourão.

Pode te interessar: PL dos APPS: Regulamentação dos direitos ou da uberização do trabalho?

Ainda sobre a precarização do trabalho, é preciso também denunciar que a gestão de João Campos está encampando o projeto de privatização da saúde básica. Em novembro do ano passado, foi criado pela prefeitura um grupo de trabalho com o objetivo de privatizar mais de 40 unidades básicas de saúde, um ataque aos servidores e principalmente à população que pode vir a ver mais um serviço básico e essencial ser transformado em mercadoria.

Não podemos naturalizar a informalidade e a precarização do trabalho, assim como não podemos aceitar a degradação das condições de vida da classe trabalhadora sob a qual se erguem partidos como o PSB em Pernambuco e no Recife, é preciso defender um programa da classe trabalhadora em aliança com o povo pobre e oprimido. O marketing de João Campos serve apenas para esconder que seu ibope aumenta na mesma medida em que aumenta a informalidade e a precarização do trabalho em Recife, enquanto a especulação imobiliária lucra rios de dinheiro com a pobreza e a degradação social.

É preciso lutar por um plano de obras públicas que gere emprego e renda e uma reforma urbana radical, confrontando a especulação imobiliária, garantindo saneamento básico e pensado junto ao plano de transportes e manejo das águas, além de criar empregos com todos os direitos garantidos para os desempregados e precarizados. A construção de moradias precisa ser controlada e gestionada pelos próprios moradores e estar a serviço de suas necessidades. Assim como tantas outras questões que atingem a classe trabalhadora urbana e rural e o povo pobre e oprimido, nenhuma dessas demandas serão conquistadas da mão de João Campos e seu partido, ou de qualquer partido burguês. É preciso exigir das direções das centrais sindicais que esse programa seja parte das demandas da classe trabalhadora de conjunto, como uma forma de batalhar contra a divisão da nossa classe entre formais e informais, efetivos e terceirizados, divisão essa que só serve para humilhar o setor mais precarizado da nossa classe.

Por essa razão nós do Esquerda Diário aqui em Pernambuco também somos parte de impulsionar, junto com intelectuais, trabalhadores e estudantes o Manifesto Contra a Terceirização e a Precarização do Trabalho, que já conta com mais de mil assinaturas e seguimos batalhamos para que se torne uma força material, que organize milhares pelo país que queiram batalhar conosco contra a precarização, em cada lugar de trabalho e em cada lugar de estudo onde atuamos.


[3Disponível online no link: https://www.youtube.com/watch?v=wFQA4TNbCug

[4Rede de Observatórios de Segurança, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC)

[5As colocações são, respectivamente: Bogotá, Cidade do México, Istambul, Rio de Janeiro, Monterrey, Ankara e Recife.





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